Relógio sem horas
Não é culpa do relógio. Culpa dos prefeitos da cidade. Entram e saem sem dar satisfação sobre detalhes que apesar de pequenos compõe o conjunto de providências a anunciarem a alma da urbe. Desleixo imposto ao útil e necessário medidor das nossas angustias e ansiedades
Pobre coitado, não tem utilidade nenhuma. Verdade é que lhe deram uma pedrada, quebrando o vidro. Não é culpa do relógio. Culpa dos prefeitos da cidade. Entram e saem sem dar satisfação sobre detalhes que apesar de pequenos compõe o conjunto de providências a anunciarem a alma da urbe. Desleixo imposto ao útil e necessário medidor das nossas angustias e ansiedades.
Sinto-me repetitivo. Faço reivindicação dessa máquina das horas, para vê-la recuperada, não é de hoje. Apesar da insistência não cansei. Afinal ela nos impõe obediência através dos ponteiros. Para chegar a esse nível de tolerância e insistência só conhecendo o que tem por trás de tão útil objeto.
Acessório indispensável no bolso (algibeira) ou no pulso do homem, senão pregado na parede de casa ou do trabalho. O que funciona implacavelmente é o relógio de ponto, que muitos abominam pelas faltas registradas e desconto do salário. Muitos servidores abominam esse acessório que, disciplina as nossas vidas, da hora que acordamos, despertados para um novo dia.
Pior com ele pela insistência em regular nossas vidas, pois, sem o mesmo, o nosso amanhã entraria em pânico. Falei da importância daquela “coisa inútil” é fato. Há uma compensação. Guarda histórias que faria um frade de pedra tremer.
Ao lado do relógio, em frente da Igreja do Carmo, funcionou o Senadinho da Praça, que adquiriu fórum de importância pelos membros que dele participaram. Gente que representava uma elite política e cultural da cidade. Eram ligados ao meio intelectual, profissionais liberais, figuras de destaque nos três níveis de poder, assim por diante.
O auge da simbólica entidade deu-se no período do governo do Maranhão dirigido pelo estadista e escritor José Sarney. O presidente do Senadinho, uma espécie de Ágora, elitizada, onde não participava o povo, era Michel Azar. Levava a sério a função. Uma vez conversando com ele, disse-me que, o governador Sarney mandava chamá-lo, para medir o termômetro das opiniões, ou seja, o que falavam da sua administração.
O encontro se dava noite alta, em Palácio, quando terminava a conversa na praça.
Não confirmo e nem nego. Sei apenas que Michel era bem informado. Penetrava com facilidade e obtinha informações privilegiadas. Algumas, cá entre nós, apimentadas, cabendo a cada “senador” dourar ou não a pílula.
O relógio da praça era outro. As horas inscritas em algarismo romano ou fantasia. O atual que não passa de uma lata velha não se identifica com a história da cidade. É banal. O antigo prestou relevantes serviços à sociedade, que se orientava pelos seus ponteiros. A tudo ouvia e jamais revelou o teor das conversas. Quanto a confidência de Michel, quem tiver duvida que procure algum “ex-senador”, se ainda estiver vivo. Sarney está vivo.
A negligência pela não substituição do relógio malandro possui algum porquê de sabor amargo. Só tenho uma certeza…. Cabe ao prefeito a tarefa de corrigir uma omissão que insiste em permanecer. Tudo nos leva a crer, repito, que existe um mistério com tal peça de museu. Não tem outra serventia, a não ser o lixo.