Encontro de dois macambúzios
Não sabemos até hoje, qual o escritor com maior dose de macambúzio (tristeza, taciturno, sem humor). Sim, macambúzios de carteirinha. Reitero a pergunta: João Francisco Lisboa ou o amigo de poucas palavras, Alexandre Herculano, uma das glórias das letras de Portugal? Ambos com igual prestígio no seu meio cultural. Conheceram-se nos recuados anos de 1855-56, […]
Não sabemos até hoje, qual o escritor com maior dose de macambúzio (tristeza, taciturno, sem humor). Sim, macambúzios de carteirinha. Reitero a pergunta: João Francisco Lisboa ou o amigo de poucas palavras, Alexandre Herculano, uma das glórias das letras de Portugal? Ambos com igual prestígio no seu meio cultural. Conheceram-se nos recuados anos de 1855-56, na cidade de Lisboa. O encontro se deu numa livraria. Conversaram e cada um economizou palavras, sentados num banco de madeira.
João Lisboa incomodou-se. Em carta para certo amigo de São Luís, depois de autoanalisar-se e o fazendo com a personalidade de Herculano disse:
(…) – Mantive contatos com Herculano de 2 em 2 meses numa livraria do Chiado. E conclui: “Demais em mais é um macambúzio pior que eu”. Lisboa deixou cair a ficha. Concluiu ser tão “fechado” quanto o novo amigo.
Eis uma dupla que se identifica também nas ideias. Tinham em comum uma disposição à briga pelos assuntos considerados importantes, pensando no bem da sociedade. Portam um invejável currículo.
Experiência bastante o escritor da pátria de Camões teria a passar ao filho da terra de Odorico Mendes. Herculano alcançou uma vida plena de aventuras de alto risco. Tanto que se viu obrigado a refugiar-se na Inglaterra. Brigou com a Igreja e sofreu as consequências. Teve a coragem em discordar de uma lenda que se tornou verdade para muitos, relativamente, a aparição de Jesus Cristo, ao rei Afonso Henrique, no episódio “Milagre do Ourico”. A formação clássica iniciada em colégio católico levou-lhe ao estudo de latim, lógica, francês, inglês, italiano e alemão. Dirigiu a “Revista Panorama” e publicou “Eurico o presbítero”, livro maior do romance histórico. A obra que lhe transformará na grande figura do século XIX é “História de Portugal”, na qual introduz a historiografia científica.
O emérito português não perderia por ouvir o maranhense a contar, com riqueza de detalhes, pelo menos, um pouco do muito que fez pela terra, com trabalhos prestados na política, jornalismo, prosa, elevação do idioma, história (ao inovar no país o método de marra-lo). João Lisboa falaria sobre a atividade de pesquisador da História do Brasil, em Lisboa, para realizar levantamento de dados que incluía, em particular a história do Maranhão. E o fez de modo impecável.
O grande maranhense lembraria para Herculano os jornais que editou e dirigiu e a luta permanente com os adversários. Confessou e defendeu o ideário liberal, pelo qual lutou, isto, por acreditar no respeito à Constituição. Exporia a posição assumida contra a defesa do índio e despossuídos. Não se esqueceu de falar do “Jornal de Timon”, no qual trata de eleições em vários países da Europa e do Maranhão. Em nossa terra funcionava o cacete. Daria depoimento sobre a participação como parlamentar à Assembleia provincial e o célebre discurso feito em defesa dos vencidos na revolta Praieira (Pernambuco), com repercussão nacional, tal o acerto e beleza da linguagem, como pelas ideias expostas.
Teriam ainda muito a conversar. Cada um assumindo o papel de colonizador e colonizado, sem mágoas, queixas e cobranças. Infelizmente a personalidade emblemática de ambos impediu novos encontros. Apesar dessa incompatibilidade de comportamento, no fundo se admiravam, com virtudes e defeitos. João Lisboa mais novo que Herculano Alexandre. Este nasceu em 1810 e o outro em 1812. Os maranhenses nunca esquecem o filho da freguesia de Pirapemas (Itapecuru Mirim), tanto que pelo bicentenário de nascimento foi alvo de manifestações.
O português morreu aos 67 anos de idade. O brasileiro com 51 anos. J. Lisboa autodidata e Herculano frequentou universidade. Ambos com potencial idêntico deixaram um rico legado à história. Sem restrição provinciana. Lamentamos tão curta vida para tão grandiosa obra