OPINIÃO

Particularidades do ato de mentir

A mentira é praticada universalmente, e ao que consta, tem suas origens na França, no século 16, porém antropologicamente se pratica a mentira desde que o homem é homem

Apesar de controverso, quanto a sua origem, mais uma vez comemorou-se, no dia 1 de abril deste ano, o dia da mentira. É uma data exótica, chama sempre muita atenção de todos e muitos a praticam nesse dia até como pretexto de brincadeiras e gozações.

A mentira, é praticada universalmente, e ao que consta, tem suas origens na França, no século 16, porém antropologicamente se pratica a mentira desde que o homem é homem, sendo, portanto, uma atitude trans-histórica e do ponto de vista comportamental é praticada desde cedo nas etapas do nosso desenvolvimento. Para a pesquisadora, Victoria Talwar, da Universidade McGill, em Montreal, começa-se a mentir por volta dos 2 anos de idade, prosseguindo com essa prática ao longo do tempo. É tão frequente e comum, que mentir está incorporada a cultura, ao ponto, de muitos a praticarem, em distintas proporções e situações com absoluta naturalidade.

Ocorre, que de uns anos para cá através de muitos estudos, a neurociência e a psiquiatria moderna, tem procurado desvendar as bases fisiopatológica e genética da mentira, procurando entender realmente o que se passa no cérebro de quem mente. Uma das contribuições importantes destes estudos é que a mentira é uma condição que está relacionada a um transtorno psiquiátrico, é um fenômeno compulsivo. A mentira tem diferentes designações: pseudologia fantástica, mitomania, compulsão em mentir, ou mentir patológico e para outros autores, Síndrome de Münchhausen.

Caracteriza-se por uma compulsão em fantasiar, criar uma vida fictícia para causar grande mobilização e perplexidade em outras pessoas. Trata-se de um transtorno psiquiátrico grave, onde o enfermo, de forma compulsiva, deliberada e contínua simula sintomas de doenças, com o intuito de obter cuidados médicos e de enfermagem. A pessoa exagera ou cria sintomas nela mesma para ganhar atenção, tratamento e simpatia.

A mitomania ou pseudologia fantástica é uma tendência patológica relacionada ao hábito de mentir, portanto um distúrbio grave na área comportamental. Do ponto de vista psicológico, o mitômano, diferente do mentiroso, cria suas histórias, a fim de compensar necessidades interiores. Já o mentiroso contumaz, é enganador, falso, ilusório, impostor, trapaceiro, é o que nega a verdade, e sobre ela cria a sua própria. São traços mais ligados à problemas de caráter.

Na Síndrome de Münchhausen, a pessoa não suporta a idéia de ela ser comum, normal, igual aos outros. Tem que ser diferente e especial, excêntrica, e para tanto tem que ter peculiaridades excepcionais e fantásticas. Essa inclinação impulsiva para mentir reflete uma ânsia incontrolável de ser admirado, de ser digno de amor e ser considerado e aceito pelos demais, aspectos que refletem uma grande insatisfação com a sua condição existencial, medíocre. Estas pessoas produzem e apresentam intencionalmente sintomas físicos para receber tratamento médico e hospitalar frequente. E para conseguirem seus intentos é através da simulação e da mentira patológica. Outra condição médica associada à mentira patológica é a depressão grave, pois nesta situação a pessoa se coloca em um verdadeiro emaranhado de estórias, desculpas e relatos que vão cada vez mais complicando a sustentação da mentira. A mentira nesta condição tem, normalmente, o propósito de ocultar algum acontecimento que deixaria outra pessoa triste, aborrecida, decepcionada, ele mente para poupar maiores sofrimentos do outro, mas o resultado é sempre desastroso. Na depressão as mentiras, ao contrário da sociopatia, são acompanhadas de importante sentimento de culpa e arrependimento.

O Jogo Patológico, a Cleptomania, a Bulimia, e a Dependência Química, bem como outros transtornos do controle dos impulsos onde existem muitas mentiras, são outras condições psicológicas e psiquiátricas onde a mentira se faz presente e, como sempre, o objetivo principal é ocultar um comportamento sabidamente reprovado socialmente.

Para os psicopatas (Transtorno de Personalidade Antissocial), outro distúrbio comportamental grave, mentir não é só algo banal e corriqueiro, é também importante, indispensável, por ser um instrumento que utiliza para suas atividades como mau caráter. Mentem, olhando nos olhos e com atitude completamente neutra e relaxada. O psicopata diz o que convém e o que se espera para aquela circunstância. Em geral não sentem culpa, remorso ou arrependimento, mesmo quando tais mentiras são desmascaradas ou que tenham prejudicado outros.

As Personalidades Narcísicas, também mentem sistematicamente. Eles querem ser admirados, dizer quer ser o mais rico e poderoso, o mais bonito, o que melhor se veste, etc. Exibem uma autoestima desconexa da realidade e assim tentam adaptar a realidade à sua imaginação, a seu personagem, de acordo com a circunstância do momento. Esse indivíduo pode converter-se no personagem que sua imaginação cria como adequada para atuar no meio com sucesso, propondo a todos a sensação de que estão, de fato, em frente a um personagem verdadeiro.

Estes aspectos psicopatológicos, descritos acima, em razão de vivermos em uma cultura e em uma sociedade em que mentir é o prato do dia e faz parte do cardápio diário de muitas pessoas, torna-se até difícil saber quem está mentindo ou não. Vive-se em uma cultura mitômana, apelativa, todos querem aparecer e se dá bem, a qualquer custo. Uma cultura e em uma sociedade onde predomina a mesquinharia e o espírito de querer tirar vantagens em tudo. Uma cultura que promove, deste cedo, as atitudes mentirosas de nos afastam da verdade, da honestidade, da benevolência e nos aproxima da maldade e da “malcaratice”. Há alguns anos atrás, mentir era “feio”, vergonhoso, condenável e as pessoas que eram pegas mentindo eram chamadas a atenção, até humilhadas ou sofriam fortes castigos dos pais e de outras autoridades por tais práticas. 

Falar a verdade e assumir suas atitudes era algo virtuoso e as pessoas que não mentiam e seguiam as regras de se falar a verdade, eram bem consideradas socialmente e as pessoas eram consideradas do bem e gozavam de prestígio social. As coisas mudaram muito, de tal forma, que valores como ser sincero, honesto e falar a verdade permanecem em derrocada total. Atualmente, falar a verdade é sincericídio, as pessoas pagam um preço enorme em mantê-los, por isso a pratica da mentira a cada dia se aperfeiçoa e torna-se algo comum e corriqueiro.

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