POLÍTICA E CARNAVAL
Renato Dionísio- Historiador, Poeta, Compositor e Produtor Cultural
Parece, à primeira vista, que o título proposto neste artigo não guarda em sua formulação nenhuma compatibilidade. Aos menos avisados os termos mostram-se inconciliáveis. Ledo engano; não apenas são conciliáveis, como devem ser tratados sempre, ou quase, de forma conjunta, sobremaneira quando esta atividade cultural não estiver circunscrita a um fazer individual e se referir a uma ação de um grupo particular, apoiada pelo poder público, ou quando este é o executor desta ação.
Dentre as políticas públicas desenvolvidas pelo Governo, nas três esferas, tem lugar de destaque a política cultural, e nela deve ser tratada a questão das festividades carnavalescas, e seus promotores devem levar em conta os objetivos de curto-médio e longo prazo a serem atingidos, posto que devem ser possuidores do sentimento de que esta atividade é, ou deveria ser, uma ação de governo e não de uma administração. E todas as ações desenvolvidas ou apoiadas pelo poder público devem, ou deveriam, manter estrita obediência aos objetivos a serem alcançados.
Existem três grandes projetos de carnaval, definidos e estruturados neste país da folia: o primeiro e mais antigo, desenvolvido na cidade maravilhosa, com cerca de duzentos anos, privilegia as festividades a partir das escolas de samba. O segundo vem da cidade de Salvador, fruto da invencionice de Dodô e Osmar, que teve no ex-Governador Antônio C. Magalhães seu padrinho privilegiado e incentivador, a decisiva atuação do estado baiano produziu um formato Made in Brasil e ganhou o mundo. Finalmente, mesmo que ainda incipiente, se compararmos, vemos o frevo e o carnaval pernambucano, como terceira alternativa, ganhando admiradores e simpatizantes.
Claro que estes formatos não esgotam as possibilidades futuras, patente que nem mesmo têm sua perenidade assegurada, entretanto, por onde andarmos nesta Terra Brasilis, mesmo despido de sobeja ou orgulho, registradas uma peculiaridade ou outra, não vejo onde, ao contrário de nossa terra, possa surgir algo diferente e encantador capaz de fazer frente a estas linguagens que estão postas. Temos diversidade cultural, temos produtos genuínos. Por que isto não acontece? O que nos falta? Coragem? Política pública permanente? Ou ambas as coisas?
E neste entremeio, vale recordar que a política eleitoral, que tem prazo de validade de dois a dois anos, não respeita a história, a memória e os saberes tradicionais e tem um condão de ser deletéria a um planejamento de longo prazo, capaz de fomentar e forjar novas alternativas culturais ao que está posto. Não dá para competir com Ivete Sangalo com toda estrutura da Globo diariamente a seu favor e com um cachê que paga todo carnaval tupiniquim. O ponto de partida não iguala os desiguais, mas desiguala os iguais.
Na batalha política e midiática entre o Governo Brandão, entenda-se Duarte, e o Prefeito, candidato Braide, eu posso até não saber quem está ganhando mais curtidas e promessa de futuro voto, mas afirmo, com certeza, que nossa cultura está perdendo, mais uma vez, a possibilidade de se ver pujante e respeitada. Enquanto não falta recurso, para pagar de forma antecipada os vultuosos cachês dos grandes artistas, as escolas de samba, os blocos tradicionais, os tambores de crioula, etc. recebem na semana do carnaval, quando não passam seis meses para este recebimento.
Não me venham os puristas dizerem que o governo não tem que ajudar, quem isto afirma, para ser honesto, deveria dizer que o estado não tem que promover esta festa. Se, no entanto, toma este a decisão de realizá-la, deve entender que as agremiações, ao se produzirem, são também fortes e necessários componentes de todo arcabouço visual, musical e cultural. E neste particular, funcionam como atrativo turístico, vez que a “atração nacional” já é por demais conhecida.
Se do ponto de vista comercial podemos afirmar que são os locais que vão movimentar a cadeia econômica, comprando, vendendo e gerando impostos, de vez que representarão quase a totalidade do consumo, são também eles, com sua autoestima elevada, que movimentarão a cadeia de serviço, desde a venda de bebidas no circuito, passando pela hotelaria e chegando ao serviço de transporte. Para tanto, não pode se sentir excluído, deve estar motivado, estado de espírito que somente o orgulho e o pertencimento podem conceber.
Temos excelentes produtos para oferecer a quem nos visita, tanto no São João quanto no carnaval, falta talvez colocá-los na prateleira, sob às vistas do freguês. Se no junino temos os Bumbás, o Cacuriá, o Lelê e o Pela Porco, etc. temos no carnaval, o Fofão, os Blocos Tradicionais e o Tambor de Crioula, com uma leitura, plasticidade, tradição e musicalidade única e diferenciada de tudo que a civilização, física ou virtual, conhece mundo afora.
Não me venham os mais açodados colocarem palavras em minha boca, menos ainda os oportunistas, intenções nestas mal traçadas linhas. Reconheço que até o estabelecimento pelo governo estadual, em conjunto com o município, de uma política permanente de respeito e valorização destes importantes ativos culturais, alguns esforços, mesmo bem-intencionados, podem ser questionados, entretanto, não podem, estes questionamentos, terem o condão de impedir qualquer que seja o avanço, ainda que tenha este caminhar, em algum tempo que ser chamado à ordem.
Por pura provocação afirmo, tivemos a capacidade de criar o Bumba Meu Boi, entretanto, inegavelmente quem melhor o vendeu internacionalmente, foi o amazonense que teve a capacidade de produzir uma política permanente, capaz captar recursos de toda ordem, obrigando inclusive a multinacional Coca-Cola a mudar a cor de sua latinha, historicamente vermelha, para não comprar briga com o Boi Garantido. Embora distante mais de 300Km de Manaus, a cidade fica pequena durante o festival de Parintins. É minha velha São Luís, cidade dos azulejos. Mais uma vez. Foram-se os recursos, fica o exemplo.