opinião

Diverticulite de Tancredo e a Trepanação de Lula

Raimundo Borges – Diretor de Redação

Quando o presidente Tancredo Neves foi internado na véspera de tomar posse como presidente da República, em março de 1985, a doença que o acometeu no dia 14, chamava-se Diverticulite. Popularmente essa enfermidade era conhecida como “nó na tripa”, uma torção em parte do intestino. Seja como for denominada, a Diverticulite tirou do Palácio do Planalto o líder do movimento chamado Nova República, que dava fim ao regime ditatorial de 1964, e abriu caminho para o vice-presidente José Sarney passar cinco anos como chefe do Poder Executivo. No posto, fez a histórica transição para a democracia que o Brasil tem hoje.

Esta semana, na última 2ª feira 08/11, 39 anos daquela noite sombria na política brasileira em que o general Leônidas Pires Gonçalves ligou de madrugada para José Sarney, cumprimentando-o com um cordial “boa noite, Presidente”, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi internado, às pressas, no Hospital Sírio Libanês. Lá foi submetido a um procedimento cirúrgico na cabeça, chamado de Trepanação. Assim como a Diverticulite de Tancredo era uma palavra pouco conhecida fora dos manuais de Medicina, a Trepanação, de Lula só veio parar nas manchetes dos jornais por ser usada no Presidente do Brasil.

As diferenças entre Tancredo e Lula, porém, se encaixam em ambientes distantes no tempo e na realidade tecnológica dos ambientes hospitalares dos dias de hoje. Porém, a carreira política do petista Lula se cruzou, em vários momentos, com a história do emedebista Tancredo na luta pela redemocratização do Brasil. Em seu terceiro mandato como presidente, Lula, para estudiosos, é a nova encarnação de Tancredo, principalmente no papel de líder de ampla aliança para unir e estabilizar o Brasil, após um período de alta tensão. Lula enfrentou a tentativa de golpe de Estado, com parte dos militares no centro da conspiração que, felizmente não acabou levando o país ao retorno de um imprevisível regime de exceção que a história faz o bom senso a não ter saudade.

Tancredo foi a única liderança que conseguiu, em maio ao período de idas e vindas para depor a ditadura militar, reunir vários partidos e lideranças de expressão nacional na construção do projeto da bem sucedida Aliança Democrática que culminou com a última eleição indireta, em que incorporou nele, como vice, um experiente líder chamado José Sarney. Ele era simplesmente presidente do PDS, partido que veio da Arena no bipartidarismo da ditadura, na chapa vitoriosa no colégio eleitoral.

Lula já se autoclassificou como uma metamorfose ambulante. No segundo mandato, conforme avaliação de reportagem da BBC Brasil, ele foi Getúlio Vargas com o Petróleo do Pré-Sal. No mandato atual, Lula é a encarnação do Tancredo, ao formatar a maior aliança política da história, levando vários partidos de centro e de direita para dentro do governo e com elas realizar seu projeto de

governança. Agora, nestes dias de UTI, Lula não entrega os pontos. Deu bronca na equipe médica, pela forma como dera entrevista coletiva, parecida com a postura dos que falaram, 49 anos atrás, da doença de Tancredo que, infelizmente, acabou morrendo antes de vestir a faixa presidencial.

Aliás, aquele dia 14 de março de 1985, este jornalista Raimundo Borges, pegou uma carona no avião Sêneca do governador Luz Rocha, para participar da posse de José Sarney como vice-presidente, no dia seguinte. Resolveu-se, antes, passar pela fazenda Cíntia, do governador, em Balsas, e pernoitar, depois de uma pré-comemoração a altura do evento único. Dormimos na fazenda e decolamos de manhã para Brasília. Só no aeroporto da capital federal foi que soubemos que Sarney iria tomar posse na Câmara dos Deputados, não mais como vice-presidente, mas o primeiro maranhense a comandar a República Brasileira.

Quando retornar a Brasília na próxima semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará com a saúde recuperada das sequelas de uma queda no banheiro. Hoje, o Brasil vive um momento de tensão política, mas com as Medicina muito mais evoluída do que 39 anos atrás, assim como as tecnologias de comunicação, que impediram Luiz Rocha de saber, em tempo real, que em meio a tensão daquela noite fatídica para Tancredo, ele iria participar da posse do presidente da República José Sarney e não do construtor da Aliança Democrática.

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