Emendas no centro do caldeirão que ferve entre os Três Poderes
Raimundo Borges – Bastidores
Final de ano é sempre de tensão no Congresso Nacional na sua relação com o Poder Executivo. Como o governo Lula não tem maioria parlamentar na Câmara e no Senado, as animosidades se multiplicam ainda mais. Principalmente por quem aproveita para se vingar do governo petista que, não apenas derrotou Jair Bolsonaro nas urnas, como também impediu um bem articulado golpe de estado contra a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
No meio desse fogaréu político, as emendas parlamentares, no valor global de R$ 52,2 bilhões em 2024, sequestram o orçamento da União, avacalha o sistema presidencialista, a democracia do Brasil e escancara um modelo de poder político que opera na base do toma lá dá cá. No Brasil o sistema político está estrangulado, apesar da Constituição de 1988. Com tanta verba no orçamento que depende do governo para liberar, o Congresso paralisa a tramitação das principais matérias que interessam ao Planalto.
Com a faca no pescoço, Lula tem que liberar as emendas para ter suas matérias votadas. Aprovar a Reforma Tributária, no entanto, virou questão de honra, mas para os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, ambos em fim de mandato. Porém, os detalhes de sua regulamentação consumiram um ano de negociações, sempre com as emendas usadas como moeda de troca na tumultuada relação entre os dois Poderes.
Tanto barulho no Congresso em 2024, acabou por engessar as votações do governo e suas demandas para mostrar resultado à população. Mexeu até com o mercado, fazendo o dólar disparar em dezembro e os preços da cesta básica. O Congresso domina o orçamento federal com quatro modalidades de emendas parlamentares: as individuais (RP-6), de cada senador ou deputado; as de bancada (RP-7), das bancadas estaduais ou regionais; as de comissão (RP-8), de comissões permanentes das casas do Congresso; e as de relator (RP-9), de autoria do deputado ou senador relator da Lei Orçamentária Anual (LOA).
Nada ilegal sobre esse montante orçamentário que parlamentares federais, estaduais e municipais usam em suas bases eleitorais. Porém, muitas delas sofrem distorções e abrem brechas para todo tipo de desvios, corrupção e desmandos. Até 2013 havia regras na Lei de Responsabilidade Fiscal para as EP, figurando apenas como autorizativas, cuja execução estava sujeita à decisão do Poder Executivo.
O cenário mudou em 2015 com uma proposta do Senado, criando o orçamento impositivo. O governou ficou obrigado a pagar as emendas individuais no limite de até 1,2% do bolo orçamentário do ano anterior. Em 2019, a obrigatoriedade foi ampliada para as emendas de bancada, apelidadas de “Emendas Pix”, sem controle, transparência, de difícil fiscalização e rastreio do dinheiro.
Entre 2020 e 2021, no governo Bolsonaro, o volume de recursos das emendas Pix cresceu 165%, o que representou R$ 6,1 bilhões. Virou uma farra. Em média, de cada R$ 5,00 empenhados nos 10 ministérios de maior orçamento federal, R$ 4,00 saíram da pasta da Saúde, em plena pandemia da convid19. Se fossem aplicados corretamente, a população estaria vivendo outro patamar sanitário. Em julho de 2024, a Associação Brasileira dos Jornalistas Investigativos questionou no STF a falta de transparência na aplicação das Emendas PIX. O STF instaurou a Adin reivindicada pela entidade, de número 7.688/2024, que caiu na relatoria do ministro Flávio Din.
Em agosto, Flávio Dino bloqueou a liberação das emendas PIX até que sigam critérios de transparência e de rastreabilidade. Mandou a CGU auditar os recursos liberados e definiu uma série de regras, sob protesto dos parlamentares. O que deveria ser um ato elogiável, o que se viu foi o aprofundou a crise entre o Executivo e o Legislativo, estendendo-a ao Judiciário. Por causa da decisão de Dino, indicado para o STF por Lula, o caldeirão entornou de vez. Menos de uma semana do recesso parlamentar de 2024, a confusão persiste, com impacto na votação do orçamento da União para 2025, que ninguém sabe no que vai dar e se sobra rescaldo do incêndio para 2025.