Menos curtidas, mais abraços
Já não é novidade para ninguém que o aparato tecnológico visto nos tempos hodiernos tem alterado o comportamento social e imposto cada vez mais desafios à humanidade. Ao passo que a tecnologia promete encurtar distâncias, vemos relacionamentos cada vez mais artificiais, efêmeros e rasos. Sem dúvida é um dos obstáculos à sociabilidade a ser enfrentado […]
Já não é novidade para ninguém que o aparato tecnológico visto nos tempos hodiernos tem alterado o comportamento social e imposto cada vez mais desafios à humanidade. Ao passo que a tecnologia promete encurtar distâncias, vemos relacionamentos cada vez mais artificiais, efêmeros e rasos. Sem dúvida é um dos obstáculos à sociabilidade a ser enfrentado neste século.
Vivemos – mais notadamente nossa juventude – sobre uma grande teia de combinações lógicas, cujo aparelhamento tem abduzido nossas vidas sociais a um outro plano. Não raro verificamos em coletivos, recepções, lanchonetes, restaurantes, shows, as pessoas totalmente focadas em uma tela de smartphone. Fisicamente no plano concreto, psicologicamente, emocionalmente, em um mundo cibernético, cuja interface se apresenta pelos sites e aplicativos, com destaque para as redes sociais.
Atualmente vivemos o efeito do que estudiosos convencionaram chamar de cibridismo, fenômeno que tem nos acometido, ou pelo menos grande parte de nós, a viver, ao mesmo tempo, um mundo concreto e virtual. Para este indivíduo já não existe barreiras entre os dois planos. Assim como na trilogia cinematográfica Matrix, o mundo cibernético passa a ser uma extensão humana, confundindo-se e passando a constituir a própria realidade.
Daí porque costumeiramente nos deparamos com pessoas cujo comportamento fora alterado pelo uso excessivo das tecnologias. Bastam pequenos instantes desconectados para fazer com que seu estado de humor seja completamente alterado, sendo a ansiedade o principal sintoma dessa “tecno-dependência”. Bom que se diga, dependência que também atinge relações de negócio mundo afora, vez que a maioria das transações utilizam plataformas virtuais. Constata-se que estamos quase que completamente submersos em um mar de bites.
No tocante às relações afetivas, estamos preferindo – seja por simples adaptação ou para fugir do turbilhão de problemas trazidos pelo mundo real – mergulhar de cabeça em uma jornada deveras desconhecida. Frente aos acontecimentos, chamados de postagens, preferimos os compartilhamentos, as curtidas, os likes e tantas outras que refletem os mais diversos sentimentos artificiais.
Antes, diante de conquistas e comemorações, ligávamos e até visitávamos amigos e parentes para dividir o sabor do feito alcançado. Hoje, esse comportamento já quase não pode ser presenciado de forma natural. Manifestações frias, que pretendem refletir os mais diversos sentimentos, estão substituindo nossas condutas em nossas relações com as pessoas que nos cercam e isso não é um bom sinal de saúde de uma sociedade.
Desde que o mundo é mundo e que o homem passou a entender a importância do convívio em sociedade para a manutenção e progresso da espécie, buscamos uma forma de agir coletivamente em prol dos interesses comuns, inclusive no aspecto emocional. Essa é uma característica que parece estar ameaçada frente à conectividade desmedida com uma outra dimensão que parece nos afastar por completo de nossa realidade.
Naturalmente as mudanças tecnológicas fazem parte do processo criativo do ser humano desde seus primórdios, mas a diferença nos tempos atuais se dá em razão da velocidade com que essas alterações ocorrem. Da invenção da folha de (China), passando pelo papiro (Egito) e pela prensa (Europa) até à tela do primeiro computador foram milênios para que ferramentas fossem aperfeiçoadas. No entanto, do final do século passado até nossos dias as mudanças não respeitam qualquer barreira ou conceito de razoabilidade.
Aparentemente estamos nos acostumando a este novo estilo de vida, ainda que nossa estrutura fisiológica sofra mais do que em outros processos adaptativos. Assim, terminamos por migrar para o virtual as nossas relações, nossas amizades, nosso trabalho, nossos hábitos de consumo, enfim, a nossa própria vida.
Receio que o perigo resida justamente na pouca compreensão que ainda temos deste novo mundo e como poderemos lidar melhor com seus efeitos colaterais. Deixar-se abstrair por completo do mundo real para aventura-se rumo ao desconhecido é arriscado diante das incertezas quanto ao fim desse processo.
Embora esteja convencido de que as redes sociais e todas as suas ferramentas tenham vindo para ficar, defendo que relacionamentos não podem ser constituídos apenas com base em uma lógica binária, perdidos em meio a milhões, bilhões, de combinações entre zero e um. Não podemos perder de vista que a utilização mais racional e eficiente dessa tecnologia visa a facilitar nosso cotidiano, não devendo nos abstrair do controle de nossas vidas.
Aprender a lidar com as redes, mantendo o perfeito equilíbrio entre real e virtual é possível. Precisamos resgatar os relacionamentos construídos com base em valores, na confiança, fazendo das redes sociais apenas uma extensão de nossas vidas capaz de facilitar e até melhorar esses relacionamentos, nunca substitui-los.
Dos nossos amigos e parentes não podemos abarcar apenas com as aparências da exposição em uma tela fria. Que a vida real é cheia de imperfeições, paradoxos e incoerências isso é fato! Mas é esse misto de vitórias e derrotas, alegrias e sofrimentos que fazem cada biografia ser unicamente fantástica. Nada substitui um abraço e por uma simples tela não se pode sentir, tocar, abraçar.
Resgatemos as companhias e o compartilhamento das boas histórias com aqueles que gostamos. Apreciemos os detalhes em cada olhar e cada gesto; acumulemos sorrisos, afagos. A vida vivida pra valer nos possibilita sorrir e fazer rir, dar boas gargalhadas juntos e até mesmo nos permite a experiência única de enxugar uma lágrima que teima em correr no rosto daquele que amamos.