Tangendo a vaca para o brejo
Lourival Serejo – Membro da AML


Com o propósito de moralização das gestões públicas, em 1992, foi publicada a Lei nº 8.429/92, tratando sobre a improbidade administrativa. A promulgação dessa lei mereceu aplausos de todos os setores empenhados no combate à corrupção.
Enquanto esteve em vigor, em sua inteireza, essa lei puniu inúmeros administradores ímprobos. O efeito educativo e ético que provocou foi aplaudido pela sociedade. Os tribunais de contas dos estados sentiram-se irmanados com o Poder Judiciário na fiscalização e punição do mau gestor.
O Conselho Nacional de Justiça cobra insistentemente o julgamento das ações e dos recursos relativos à improbidade administrativa. O Tribunal de Justiça tem sido atento a essa recomendação, procurando julgar em tempo esses recursos, assim como os juízos de primeiro grau, as ações, por vigilância da Corregedoria. O número de ações que já foram julgadas e as que faltam julgar revelam o quanto eficiente foi a lei de improbidade administrativa, enquanto esteve em vigor a redação original.
Aconteceu que, num lance surpreendente, em 2021, essa lei foi alterada por outra lei (Lei nº 14.230/2021) para minorar as punições da original. O resultado é que as absolvições agora estão sendo, e serão, a tônica, deixando à vontade os malversadores do erário.
O mais ofensivo nessa alteração foi condicionar as condenações à prova de que o administrador agiu com dolo. Na prática, é como se o gestor que fez uma licitação irregular ou outra atividade ilegal vem a juízo defender-se dizendo que agiu de boa-fé, sem qualquer dolo, isto é, sem o propósito de cometer a infração administrativa. E pronto, está absolvido. Ora, imaginem a hipótese de um gestor vir a juízo e dizer: realmente eu agi com pleno conhecimento de que estava cometendo algo fora da lei. Nunca acontecerá tal hipótese que essa alteração supôs como um eventual lance de consciência.
Num país em que campeia a corrupção, essa alteração da lei original foi um estímulo a essa ignominiosa prática que vem corroendo a República e comprometendo o desenvolvimento dos estados e municípios.
Como se não bastasse esse golpe na moralidade pública, está, agora, em discussão um projeto de lei para reformar a Lei da Ficha Limpa, com o propósito de amenizá-la, notadamente na parte das inelegibilidades.
Uma das peculiaridades do direito eleitoral é que suas leis são votadas pelas partes interessadas, retirando, no nascedouro, a generalidade e a imparcialidade próprias de cada lei. Logo, está claro que ninguém legisla para retirar suas vantagens. O resultado, então, já será previsível. O lamentável é que ela atinge os processos já em andamento.
No processo de moralização das eleições – propósito da criação da Justiça eleitoral em 1932 – a Lei da Ficha Limpa trouxe indiscutível benefício, ao punir gestores que tenham cometido irregularidades na administração da coisa pública.
Retirar a Lei da Ficha Limpa – ou enfraquecer – do nosso sistema eleitoral, depois de tantos anos em vigor, será um retrocesso para a ética e a polidez da democracia.
Tanto no primeiro caso como no segundo, o que pretendem os legisladores interessados é que as coisas voltem ao estado anterior: improbidade sem punição e candidatos sujos disputando eleições.
Assim caminha o país.