Filhos da assistência x filhos da aparência
Quando nos tornamos jovens adultos, mesmo durante a correria diária, imaginamos com será a vida com idade mais avançada; o que, afinal de contas, estaremos fazendo; se teremos saúde até o fim; e, sobretudo, quem poderá nos ajudar quando chegar o momento de sermos cuidados. A esse respeito, segundo levantamento recente do Ministério do Trabalho […]
Quando nos tornamos jovens adultos, mesmo durante a correria diária, imaginamos com será a vida com idade mais avançada; o que, afinal de contas, estaremos fazendo; se teremos saúde até o fim; e, sobretudo, quem poderá nos ajudar quando chegar o momento de sermos cuidados. A esse respeito, segundo levantamento recente do Ministério do Trabalho no ano de 2018, houve um aumento em torno de 547% no número de cuidadores de idosos. Os brasileiros estão envelhecendo cada vez mais, e precisam de apoio na fase que denominamos terceira idade.
Nesse contexto, a CF consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve nortear, inclusive, as relações familiares. A família é o núcleo da sociedade, e é ela que carrega a responsabilidade primária pelo desenvolvimento do indivíduo. A regra constitucional (art. 229) é objetiva: estabelece que assim como os pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto menores, os filhos maiores devem amparar os pais na sua velhice. A “parceria” pais e filhos deveria funcionar como uma “avenida de mão dupla”, todavia, existe vasto material a nível jurisprudencial e jornalístico que demonstra quão superficial tem sido essa “parceria” em vários núcleos familiares, e como isso pode refletir na vida de todos. Não raramente sabemos de relatos sobre pais que abandonam seus filhos sem o necessário acompanhamento nos primeiros anos da vida, e, por outro lado, sobre filhos, que dão as costas para seus pais já idosos, furtando-se de adentrar no cotidiano dos mesmos simplesmente para não serem ocupados com alguma tarefa já não tão mais fácil de ser executada para estes últimos, sobrecarregando outros familiares, ou mesmo, outros irmãos… A essa categoria resolvi denominar de filhos de aparência.
No campo da filosofia, a aparência significa também a ocultação da realidade, onde se vela ou esconde a realidade das coisas. Os filhos de aparência são, portanto, aqueles que ao mesmo tempo em que se preocupam em manter sua imagem impecável socialmente, com receio da descoberta de uma incômoda omissão em relação a seus pais, e das críticas tanto dos mais próximos, quanto de terceiros que geralmente lhes são caros, não esquecem de dar a quase obrigatória satisfação para os chamados “seguidores” das redes sociais, com fotos e frases prontas retiradas de publicações recebidas diariamente, porque só isso interessa. A propósito, nos tempos atuais quantos “likes” não valem uma selfie de rosto inclinado ligeiramente para a direita na casa dos pais, ou mesmo, bem juntinho destes por alguns segundos?? Uma falsa sensação de mundo perfeito, a margem de todos os problemas da vida real, dentre outros tantos detalhes inerentes ao cotidiano de pessoas da terceira idade. O filho de aparência é capaz, ainda, de se valer sem nenhuma cerimônia das prerrogativas contidas no Estatuto do Idoso, quando estas lhes são convenientes, a exemplo das filas estressantes dos estabelecimentos bancários.
A figura do filho de assistência surge como contraponto ao filho de aparência, ou seja, o filho de assistência, mesmo envolto no stress diário profissional e da vida pessoal, não mede esforços para tentar minimizar as dificuldades e limitações dos pais, mesmo que estes, a princípio, evidenciem certa resistência, com receio de terem sua rotina “monitorada”. Apesar disso, resta claro que eles precisam muito do respeito e da dedicação afetiva mais assídua de seus filhos. Proporcionar um passeio, acompanhar numa consulta, ligar para saber se a casa está trancada constituem um saber racional mínimo que um filho ou filha pode e deve fazer pelo bem de seus pais. Todavia, verifica-se em muitas famílias uma cisão gerada entre seus próprios membros justamente no momento em que as responsabilidades devem obrigatoriamente ser objeto de divisão igualitária. Para efeitos de lei, os filhos, sejam os de aparência, ou de assistência, ocupam a mesma “linha hierárquica” familiar, o que lhes atribui os mesmos direitos e deveres. Na prática, porém, uma vez constatada a presença de filhos de aparência e filhos de assistência no mesmo núcleo familiar, a divisão de responsabilidades antes mencionada simplesmente não existe, e para o não comprometimento da saúde, sobretudo, daqueles pais que por vergonha tentam minimizar as falhas dos referidos filhos de aparência, a princípio, o melhor caminho para o filho de assistência é cumprir com o seu dever filial praticamente sozinho, por mais injusta e desequilibrada que se torne essa relação. Entretanto, qualquer filho que tenha caráter e sensibilidade tem que cumprir fielmente um dever de consciência. Honrar pai e mãe não significa gostar, nem concordar, nem tampouco esquecer eventuais dores que eles possam nos ter causado. Mas é fazer a parte daquilo que nos cabe, sendo conveniente ou não. E fazê-la com nobreza e espírito elevado, porque um dia eles não mais estarão no plano terreno. Aos filhos de assistência ficarão as memórias daquilo que fizeram efetivamente para minimizar as limitações do tempo, e o conforto pela consciência tranquila do dever cumprido, afinal, como registrado na Bíblia (Gálatas 6:7), “quem sabe o que planta, não teme a colheita…”. Para os filhos de aparência, marcados pela omissão e letargia propositada, por outro lado, restará o vazio de uma vida artificial, além do peso na consciência, e a resposta implacável do tempo.
Dessa forma, no instante em que registro a necessidade de maior atenção e atitudes concretas a quem nos dedicou parte de sua vida, convido para uma reflexão com base na seguinte indagação: Considerando que é dos filhos que todos esperam cuidados e amparo na velhice, sendo que em alguns casos garantindo sobrevivência e bem estar, você é um filho de aparência ou um filho de assistência ?