Nova Indústria Brasil?
José Cursino Raposo Moreira- Economista
Com a mesma forte dose de mídia empregada em outras ocasiões semelhantes e com intenções políticas claras de “mostrar serviço “no início do segundo ano do mandato, no qual, aliás, se realizam eleições municipais, como prévia das de 2026, o governo Lula acaba de lançar o NOVA INDÚSTRIA BRASIL. Este vem a ser um novo programa de estímulo à indústria brasileira, constituído de um conjunto de metas, diretrizes e medidas para este setor econômico nos próximos dez anos.
Tal como outros planos e políticas econômicas globais ou setoriais lançados em épocas anteriores, tanto por Lula, como pelos demais governos brasileiros ao longo da história nacional, este tem como seu principal instrumento de operação a concessão de crédito, via BNDES, prevendo-se um montante de R$ 300 bilhões aplicados até 2026, último ano do mandato atual de Lula. Está estruturado executivamente em seis MISSÕES, através das quais contempla metas para até 2033 e setores específicos, como agroindústria ou saúde, moradia e saneamento, alcançando ainda nichos de modernidade e sustentabilidade, a exemplo de transformação digital na indústria, bioeconomia, descarbonização e transição energética. Na última missão, o NOVA INDÚSTRIA BRASIL faz sua maior aposta política, voltando-se para a SOBERANIA E DEFESA NACIONAL, onde tem como principal meta obter, também até 2033, autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa. Este é um aceno claro e tentador para a área militar, cuja relação com Lula ainda não se estabilizou, em razão do alto grau de envolvimento político que passou no governo Bolsonaro.
Não obstante o preenchimento pelo NOVA INDÚSTRIA dos requisitos técnicos de trabalhos da natureza deste, a sua receptividade foi bastante desfavorável entre especialistas e na imprensa, consistindo esta sobretudo na crítica de que se trata da repetição de políticas, estratégias e instrumentos empregados em outros momentos, com o registro de fracassos e o legado de heranças prejudiciais ao desenvolvimento do país. A procedência ou não desta ressalva deve ser examinada, contudo, à luz do processo da formação histórica da indústria brasileira para seu melhor entendimento.
Inserindo-se no Modo de Produção Capitalista tardiamente, tendo sofrido modificações relevantes na sua economia a partir da Revolução Industrial muito mais através de mudanças no padrão de consumo enquanto mantinha as relações de produção internas praticamente iguais às de antes do novo modo de produção, naturalmente a indústria a surgir no Brasil nesse ambiente seria viável apenas sob o patrocínio decidido e agressivo do Estado. Sem tal apoio, o setor industrial do país não teria condições de participar competitivamente da nova divisão internacional do trabalho derivada da Revolução Industrial. Nesse contexto, então, o Brasil promoveu um bem-sucedido processo de substituição de importações de bens industriais, mediante o qual rapidamente floresceu pujante parque fabril interno e houve rápido e diversificado crescimento do PIB nacional, colocando a nação brasileira entre as grandemente industrializadas e urbanizadas no mundo, após a segunda metade do século XX.
Se tais circunstâncias permitiram a curto prazo o Brasil “queimar etapas” na marcha para a modernidade e contemporaneidade dos chamados “países centrais”, no médio e longo prazos o país carregou e arcou com as consequências desse processo de industrialização sob o patrocínio estatal, na forma de décadas de inflação, juros altos, baixa educação e PIB em trajetória errática de crescimento. Em outras palavras: tornou-se um país cheio de “nós”, decorrentes de “nossas heranças e nossas escolhas”, segundo feliz expressão da economista Zeina Latif, em seu livro sob este mesmo título, publicado em 2022.
Diante de tal compreensão, pode-se esperar um desfecho no NOVA INDÚSTRIA BRASIL semelhante ao das demais iniciativas anteriores da mesma natureza: um processo mais ou menos rápido de esvaziamento e abandono de suas iniciativas, segundo as variações da conjuntura, representadas pelos desequilíbrios fiscais, taxas de juros inibidoras de investimentos de longo prazo e, principalmente, medíocres taxas de crescimento do PIB, que nos mantêm na “armadilha da renda média”. Segundo esta, a taxa média de crescimento da renda per capita do Brasil, desde 1900 até 2019, foi de apenas 2% ao ano. Esta “nova “política seria muito mais útil se se transformasse em uma oportunidade de formação de um grande pacto nacional pelo futuro do país. Mas talvez isso já fosse novidade demais para quem está vivendo de” mais do mesmo” faz mais de 40 anos.