O ovo da serpente
A renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, foi um dos episódios mais traumatizantes da história republicana brasileira. Eleito no ano anterior com seis milhões de votos, impressionante para época, contava com o apoio da população, crente em suas promessas de campanha, de varrer a corrupção e tornar eficiente o serviço […]
A renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, foi um dos episódios mais traumatizantes da história republicana brasileira. Eleito no ano anterior com seis milhões de votos, impressionante para época, contava com o apoio da população, crente em suas promessas de campanha, de varrer a corrupção e tornar eficiente o serviço público. Não contava com o mesmo apoio no Congresso, onde estava em minoria.
Depois da renúncia, surgiram várias explicações para o gesto. Desde a instabilidade emocional do presidente até a de uma trama visando o golpe de Estado. Jânio teria se inspirado nos gestos anteriores, de Fidel Castro, em Cuba, e Nasser, no Egito, de fechar o Congresso, que dizia ser o obstáculo para a governabilidade. A ser verdade, a manobra falhou, faltou-lhe apoio popular e partidário. O renunciante partiu para Londres, deixou para trás grave crise institucional, pelo veto que fizeram os ministros militares a posse do vice-presidente João Goulart, finalmente superada pela aprovação da emenda parlamentarista, permitindo-lhe assumir com poderes reduzidos. O impasse, três anos depois, desaguaria no episódio de 31 de março de 1964, inaugurando ciclo autoritário que durou vinte anos.
Vigia a Constituição de 1946. O Congresso dispunha de plenos poderes, o Judiciário recusava o protagonismo político, o multipartidarismo inviabilizava a negociação congressual ao meio da espiral inflacionária e da estagnação da economia, após os anos JK, de grande crescimento, movido pelo desenvolvimentismo de Juscelino Kubitscheck.
Os elementos da tormenta teriam contribuído para o gesto do presidente temperamental, independentemente de suas intenções ocultas.
Não lhe faltava o apoio das Forças Armadas, surpreendidas pelo gesto, do Judiciário, distante da questão política. O episódio contribuiu para a instalação do ciclo autoritário, de que participaram setores militares, empresariais e políticos. Em situação como aquela, entra-se, e depois, o difícil é retornar aos quadros constitucionais, como se viu.
A digressão tornou-se oportuna a propósito de interpretações sobre pronunciamentos do Presidente da República, muitos deles pelo twiter, as de Jânio era através de bilhetes, acerca da conjuntura política do país. Trinta anos depois da vigência da Constituição de 1988, a situação é bem diferente. O Presidente da República dispõe de poderes outorgados pelo texto constitucional, dentre eles, as medidas provisórias, ao lado do Judiciário, ativo na questão política. E, sobretudo, de uma sociedade politicamente madura, e das Forças Armadas, de tradição democrática e legalista.
Ano que vem se travarão as eleições municipais, base da democracia brasileira, oportunidade de o eleitorado manifestar tendências e apoios indispensáveis a legitimação das teses atualmente em discussão. O maior desafio do momento é a retomada do crescimento econômico, a geração de empregos, em circunstancias adversas pelas mudanças dos paradigmas mundiais, o esgotamento da era industrial e a sua substituição pela digital.
A Democracia instalada pela Constituição de 1988 e seus pilares, dentre eles, a preservação de suas instituições, Congresso e Judiciário independentes, Ministério Público e Advocacia atuantes, são fundamentais para a garantia dos direitos da cidadania. O regime democrático admite sempre as possibilidades de acertos e erros. Se houve má escolha para os cargos do Executivo e do Legislativo na eleição passada. Na próxima se tem a oportunidade de substitui-los.
De uma coisa se tem hoje certeza histórica: o ovo da serpente autoritária, alimenta-se do descrédito das instituições, da criminalização da política e dos políticos. Há políticos bons e maus, como em toda a atividade humana. O eleitorado tem a faculdade da escolha. É da condição humana acertar e errar. Viva a Democracia!