OPINIÃO

Homenagem a Raymundo Faoro

Faoro presidiu o Conselho Federal da OAB de 1977 a 1979. Na gestão liderou expressivamente a instituição, representativa da sociedade civil, nos diálogos abertos pelo Presidente Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, para a concretização da transição, formalizada pela eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Legalidade e Legitimidade são conceitos essenciais para as ciências jurídicas e políticas. Por vezes se conciliam, em outras ocasiões se opõem. Raymundo Faoro em “Assembleia Constituinte, a Legitimidade Recuperada”, publicado pela Brasiliense, aborda como os dois interagem na interpretação da Constituição. Assinale-se, quando de sua elaboração discutia-se a finalização do regime autoritário e a convocação de Constituinte para elaboração de novo pacto político-jurídico ao país.

Faoro presidiu o Conselho Federal da OAB de 1977 a 1979. Na gestão liderou expressivamente a instituição, representativa da sociedade civil, nos diálogos abertos pelo Presidente Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, para a concretização da transição, formalizada pela eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. O senador Petrônio Portela era o principal protagonista no Parlamento; e a Conferência Nacional dos Bispos, também pela sociedade civil, nas pessoas de Luciano Mendes de Almeida e Paulo Evaristo Arns, dentre outros prelados da Igreja Católica. Os evangélicos atuaram através de suas organizações.

Qualificou-se o Presidente da OAB como interlocutor respeitado pela retidão, a integridade, e a fidelidade a princípios, como ressaltado por Fábio de Sousa Coutinho no trabalho “Juristas na Academia Brasileira de Letras” publicado nos Anais do Centenário da Faculdade de Direito do Maranhão.

Havia consenso quanto à convocação da Assembleia Nacional Constituinte, divergia-se no modo de fazê-la. De um lado os defensores da forma exclusiva, outros, baseados na experiência histórica brasileira, sustentavam que o Congresso eleito no pleito anterior poderia desempenhar as duas funções. Os opositores desta tese, ponderavam, a eleição que escolhera os membros do Congresso anterior fora realizada na vigência da legislação autoritária, contemplava ainda a esdrúxula figura o senador biônico.

Finalmente prevaleceu a tese favorável ao Congresso Ordinário. O ensaio de Raymundo Faoro foi vital para a superação de vários obstáculos, aferindo os graus de legitimidade a serem atingidos pela futura Constituição, considerando o critério da participação dos grupos da sociedade brasileira.

Em 1958, o bâtonnier da OAB publicou “Os Donos do Poder”. Adotando a metodologia weberiana, utilizou o tipo sociológico do estamento para compreender o patrimonialismo trazido pelo colonizador português aqui para os trópicos. Nele, não há distinção entre a propriedade privada e a pública. Exemplo típico são as capitanias hereditárias concedidas pelo Rei de Portugal aos seus amigos aptos a povoarem e auferirem bons resultados delas. Depois vieram os governadores-gerais que trouxeram a força armada, os juízes, e os cartórios, símbolos desse modelo. No livro assim o descreve: “Estado patrimonial, portanto, e não feudal, o de Portugal medievo, com direção pré-traçada, afeiçoada pelo direito romano, bebido na tradição e nas fontes eclesiásticas, renovado com os juristas filhos da Escola de Bolonha”. E completa: “a velha lição de Machiavel, que reconhece dois tipos de principado, o feudal e o patrimonial, visto o último, nas suas relações com o quadro administrativo”.

Explicava assim as vantagens e os privilégios mantidos pelo estamento dos funcionários civis e militares, cartorários, ao longo de gerações, passando pelas formas de Estado e de governo no Brasil, incluindo todas as constituições que os regeram. Implicando consequentemente na questão da igualdade de todos perante as leis, pedra fundamental da democracia. Em todas as constituintes e constituições o problema da democratização perdurou desafiando as suas legitimidades.

Falecido em maio de 2003, Faoro foi homenageado. Puseram o seu nome no edifício-sede do Palácio do Ministério da Justiça em Brasília. Homenagem justa. Ele, mesmo sabendo que a Constituinte não fora exclusiva, viu a sua legitimidade recuperada pela ampla participação da sociedade brasileira em seus trabalhos. Maior homenagem lhe poderia ser prestada: ampliar ainda mais a participação da sociedade na Constituição para que a legalidade se aproxime mais da legitimidade.

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