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Efeitos rarefeitos

Ibraim Djalma- Procurador Federal

Opinião desta terça-feira do O Imparcial. (Foto: Banca O Imparcial)

Sempre que o poder público deve elaborar regulamentações que envolvam exercícios de direitos a um rol indeterminável de pessoas, um detalhe nunca pode ser esquecido. O de que nem toda vez os propósitos de quem busca algum direito estão alinhados com a proteção que o Estado pretende garantir.

Isso acontece costumeiramente no direito previdenciário, quando se tenta, por exemplo, contemplar a união estável, mas é aberto um espaço para fraudes por quem aventura angariar uma pensão por morte fingindo ter sido companheiro. Ou ainda a proteção do menor sob guarda, cujo propósito é mais que louvável, mas oportunistas veem nisso uma chance de perpetuar pensões por morte de avós.

E quanto as sentenças trabalhistas? Seus efeitos devem se alastrar para fins previdenciários? São vários os argumentos a favor e outros tantos contra, mas a verdade é que as sentenças trabalhistas, principalmente as homologatórias de acordo, não produzem efeitos automáticos previdenciários.

E o motivo está além das trincheiras constitucionais.

Na CF/88 há uma previsão de aquela justiça julgar causas de relação de trabalho, mas as previdenciárias são reservadas à justiça federal, em sua maior parte. Assim, preferiu ela segregar as matérias, embora elas se entrelacem em várias ocasiões, já que no direito previdenciário o exercício de atividade remunerada vincula o trabalhador com a previdência.

Institutos como desemprego, maternidade, afastamento por doença são apenas alguns dos exemplos do quanto a regência no direito do trabalho reflete diretamente no direito previdenciário.

Todavia, para fins de contagem de tempo de contribuição a coisa muda de lugar. Não é a sentença proferida na justiça do trabalho considerada prova absoluta para fins de averbação no INSS.

Isso quer dizer que alguém que ingressa com uma ação na justiça do trabalho para reconhecer determinado tempo de trabalho não necessariamente terá esse tempo registrado no INSS para fins de aposentadoria.

E como dito, os fundamentos estão justamente no cuidado com os propósitos que a atuação estatal deve ter ao prever exercícios de direitos.

A título de exemplo, na justiça do trabalho, diferente da previdenciária, um direito pode ser reconhecido por prova exclusivamente testemunhal, além do que a homologação de declaração de acordo pode resultar em densos efeitos para as partes.

Já no direito previdenciário, a primazia da realidade exige maiores indícios probatórios, de maneira que é insuficiente a prova exclusivamente testemunhal, bem como no INSS não existe a formação de tempo de serviço/contribuição a partir da homologação de declaração das partes.

Ou seja, como os efeitos previdenciários envolvem deveres além do empregado e do empregador, o INSS exige uma soma mínima de provas que deve acompanhar as decisões trabalhistas como forma de reconhecer determinado tempo de contribuição do segurado. Isso como garantia e segurança para todo o sistema previdenciário e, consequentemente, para o cidadão.

Assim, além do tratamento de competência diferenciada dado pela Constituição Federal separando o julgamento das relações trabalhistas das relações previdenciárias, o INSS não faz parte do processo trabalhista, que pode ser, inclusive, finalizado sem instrução probatória.

Por isso, as peculiaridades da justiça trabalhista não refletem diretamente na previdência, já que o louvável propósito de reconhecer direitos trabalhistas pode abrir um espaço para fraudes na previdência, tal qual os mencionados casos de união estável e menor sob guarda. E aí a regulamentação estatal cai naquele ditado popular, em que a cabeça encontra o próprio rabo.

Basta imaginar hipóteses de acordos entre as partes para se reconhecer determinado vínculo de trabalho e recolher os respectivos tributos. Se valesse para fins de aposentadoria sem exigência de comprovação mínima material, o precedente para o déficit previdenciário estaria garantido mais uma vez.

Não se trata de negar valia às decisões do Poder Judiciário. Mas de partir do pilar mestre de que toda atuação do Estado, seja por qual Poder instituído for, deve guardar a singular temperança que garanta o exercício de direitos de um lado, mas evite abertura desenfreada de fraudes do outro.

Daí os efeitos das sentenças trabalhistas não gerarem automaticamente reflexos no direito previdenciário.

Há uma temperança que abranda o fervor da garantia de direitos nas oratórias do legislativo. E também no Judiciário e no Executivo. Porque do outro lado sempre soa o risco de perversão da finalidade principal.

Regular comportamentos sociais e conferir direitos a uma determinada categoria vai muito além de discursos fervorosos alimentados por cenários isolados. Deve comportar uma compreensão desde histórica até uma projeção futura sob o viés do abuso desse direito pelos seus destinatários.

Por isso, alguns efeitos … rarefeitos!

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