opinião

“Guerra Improvável, Paz Impossível”

Hesaú Rômulo é cientista político. Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília e professor de Teoria Política na Universidade Federal do Norte do Tocantins.

Em 1962, no seu livro “Paz e Guerra entre as Nações”, Raymond Aron sintetizou de forma brilhante o cenário político da guerra fria entre EUA e URSS. Um período de tensão geopolítica que afetou os países de todos os continentes. Apesar de muita especulação sobre o desencadeamento de uma terceira guerra mundial, o que se viu foi um conflito por proxy, que se desenrolou na Ásia Central, Oriente Médio e América Latina, mas que nunca colocou estadunidenses e soviéticos frente a frente. Aron define o período, no original em francês como “Guerre improbable, paix impossible, liberté conditionnelle.”.

A frase que dá título a este artigo traduz o cenário político maranhense em 2025, principalmente quando olhamos para a sucessão do Palácio dos Leões, daqui a 20 meses. Um conflito velado, por procuração, que coloca em choque correntes divergentes que ensaiam uma fissura, mas ao mesmo tempo tentam evita-la a qualquer preço. Vinte meses separam a atual conjuntura do projeto que sairá vitorioso das urnas. Nesse ínterim, os atores seguem disputando espaço, com interlocutores que esticam a corda para ambos os lados, oscilando os humores da coalizão municipalista de Brandão.

Guerra improvável. A essa altura do campeonato é inviável que um rompimento definitivo e/ou significativo surja dentro da coalizão de governo montada por Carlos Brandão (PSB). No fim do ano passado a temperatura do conflito interno atingiu seu ápice, a citar a judicialização de temas importantes, a eleição empatada para a presidência da Assembleia Legislativa entre Othelino Neto e Iracema Vale, o afastamento de Marcus Brandão (irmão do governador) do poder executivo estadual, a conturbada eleição para o TCE -MA, a demissão em massa de aliados, etc. Ingredientes para um rompimento definitivo não faltam. Mas então por que a guerra parece improvável?

Ora, não há interesse por parte da cúpula brandonista de iniciar um rompimento oficial, haja vista que seu principal aliado nas eleições de 2022 segue influente e transitando entre as esferas institucionais da república. Flávio Dino, desde que assumiu o STF, em fevereiro de 2024, mostrou-se um protagonista no supremo, impondo o peso da caneta da suprema corte sobre Arthur Lira e sobre o Congresso Nacional. Uma ruptura definitiva não destruiria o comando de Brandão no Maranhão, mas certamente dificultaria muito seus planos no estado. O próprio governador é econômico em classificar o momento que sua coalizão vive, se apoiando nos jargões que construiu. União, pacificação, municipalismo e mais uma série de palavras que tentam convencer – os outros e a si próprio – de que os tempos são fáceis. Eles não são.

Imaginava-se que com o fim das eleições municipais, a base parlamentar do Dinismo arrefece-se, mas isso não aconteceu. Pelo contrário, a temperatura aumentou de sobremaneira. Capitaneados por Othelino Neto, os deputados da virtual oposição (ainda que pragmática) fazem da Assembleia Legislativa o epicentro da resistência ao modus operandi brandonista. Ao passo que há muita fumaça, não há fogo suficiente por parte deste grupo minoritário de romper com o governo, seja por sobrevivência ou por cálculo político a médio prazo, ficando a cargo do deputado federal Márcio Jerry (PcdoB) a difícil interlocução entre interesses que parecem inegociáveis

Se a guerra é improvável, a paz é impossível justamente pela inviabilidade de encontrar um meio termo entre os interesses do Executivo Estadual e do grupo parlamentar que insiste em tensionar o governo de Brandão mais à esquerda. O chefe do Palácio dos Leões segue perseguindo uma identidade própria para o seu governo e esta identidade é incompatível com os traços de gestão de seu antecessor. Crítico ferrenho da oligarquia e sobrenome Sarney, Flávio Dino foi eleito com um discurso de distanciamento deste grupo político. Brandão caminha no sentido oposto e há algumas semanas a imprensa local anunciou Roseana Sarney no seu governo. No reino dos símbolos que existe na política, este não é um acontecimento gratuito. Torna-se impossível qualquer vislumbre de paz nesses termos e o que acontecerá nos próximos meses será um acúmulo de episódios que evidenciam esta discrepância de mentalidade, seja administrativa, seja de articulação.

Por último, a liberdade condicionada. Esse conceito é central dentro da explicação de Aron porque trata da impossibilidade de autonomia política dos demais envolvidos, diante da bipolaridade que EUA e URSS exerciam ao longo da guerra fria. Dessa forma, a soberania nacional das nações, a liberdade individual e a mobilidade intelectual oscilavam entre esses dois extremos. Trazendo a questão o cenário local encontra-se o vice-governador Felipe Camarão. Oscilando entre os dois extremos, Camarão vive uma encruzilhada que acaba por impactar em sua autonomia política.

Se por um lado ele foi a principal aposta de Flávio Dino para a continuidade do legado de uma gestão de centro-esquerda, ele faz parte de uma agenda conservadora implementada por Brandão. Camarão enfrentará ao longo de 2025 um desafio hercúleo. O de manter o grupo unido, se quiser ser competitivo nas urnas em 2026, ao mesmo tempo que não pode abandonar a plataforma de governo que o colocou nesta posição. Hoje filiado ao PT, o vice-governador busca capturar o eleitor lulista no estado, que é maioria. Viabilizar-se dentro da linha sucessória não é tarefa simples e o sucesso ou fracasso dessa empreitada vai depender do ponto de estresse ao qual a coalizão brandonista está submetida.

A autonomia política de Felipe Camarão vai depender do quão ele está disposto a tensionar a corda entre os dois extremos e o quão disposto Brandão está de ceder para que seu grupo político mantenha a configuração vigente. A resposta para esta equação vai desenrolar todas as decisões políticas pendentes: as vagas para o senado federal, a bancada de oposição na Assembleia, o eventual vice de Camarão, a entrada ou não de Eduardo Braide na disputa pelo Palácio dos Leões.

Análises de conjuntura são arriscadas e muitas vezes têm uma data de validade curtíssima. Tendo isso em mente, o cenário político maranhense seguirá indefinido, se considerarmos as variáveis que acabei de explicar acima. Hoje temos mais perguntas que respostas, mas a principal delas talvez seja: o grupo político de Brandão sustentará por quanto tempo uma temperatura tão alta? Indo além, Brandão conseguirá manter esse grupo coeso até 2026? Em menos de vinte meses saberemos.

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