“Bota pra moer”: a genialidade da loucura
Hamilton Raposo – Médico psiquiatra. Professor universitário. Membro da academia maranhense de medicina
Há uma série de personagens icônicos de São Luís ao longo do Século XX que talvez os mais novos desconheçam e os mais antigos tenham ouvido falar vagamente. Hoje vou falar de um desses personagens. Aocontar a história de “Bota Pra Moer”, a associação direta parece ir para o bloco carnavalesco idealizado pelo grupo Creolina, de Alê Muniz e Luciana Simões. O nome do bloco faz referência a uma das figuras mais emblemáticas da história de São Luís.
Bota Pra Moer era uma mistura de “gênio e de louco”, gênio para uns, louco para outros. O fato é que este personagem existiu em São Luís entre as décadas de 1940 a 1960.O poeta, escritor e musicista Lopes Bogéa, escreveu em um dos seus livros as peripécias fantásticas deste homem, que tinha o nome de Antônio Lima, era pernambucano e teria chegado em São Luís na década de 1940. Não há registro histórico que teria chegado aqui pelas mãos de Vitorino Freire, um dos maiores políticos brasileiros do século passado e nem pelas mãos de Francisco de Paula Gomes, o maior paisagista de São Luís.
Bota Pra Moer era um andarilho e teria chegado em São Luís pelas próprias pernas, e este hábito de andar, às vezes sem nenhum sentido, era visto todos os dias, quando fazia o percurso da Praça João Lisboa pela Rua Grande até a confluência desta rua com a Rua do Passeio, em um ir e vir, que se repetia várias vezes ao dia.
Existem várias histórias e estórias sobre a vida de Bota Pra Moer, uma delas é que ele teria perdido parte da sua sanidade mental ao tentar decorar a tábua logaritmos, alguns que o conheciam, afirmam que ele decorou a tábua de logaritmos até o número 9, outros afirmam que ele decorou o dicionário da língua portuguesa e depois teria esquecido tudo que havia decorado. Outro fato interessante era sua extrema capacidade de realizar qualquer tipo de cálculo matemático utilizando-se apenas da sua fantástica capacidade neuronal e da sua prodigiosa memória; alguns afirmavam que Bota Pra Moer conseguia ler o Jornal do Povo e o Jornal Pequeno de cabeça para baixo com uma rapidez que deixava a população de São Luís impressionada com a dualidade de “gênio e louco”.
Porém, o fato mais marcante na vida de Bota Pra Moer aconteceu na década de 1950, durante o episódio da greve geral, elevando São Luís ao título de Ilha Rebelde em 1951. Segundo o escritor e historiador Benedito Buzar, tudo aconteceu quando o povo de São Luís contestou o resultado das eleições e resistiu a posse de Eugênio de Barros, alegando fraude eleitoral no pleito, que havia sido disputado entre Saturnino Bello e Eugênio de Barros.
A população não aceitava o resultado das eleições e transformou São Luís em uma verdadeira praça de guerra durante seis meses.
Segundo o jornalista Ribamar Correia, o QG dos revolucionários, também chamados de oposições coligadas, ficava situado na Praça João Lisboa, exatamente o local preferido do nosso protagonista. E em um levante revolucionário, as oposições coligadas resolveram tomar de assalto o Palácio dos Leões, sede do executivo maranhense, e retirar vivo ou morto o então governador Eugênio de Barros, que tinha dado ordens à Polícia Militar de abrir fogo a quem chegasse até a Praça Benedito Leite, o chamado “Paralelo 38”.
Os oposicionistas liderados por Neiva Moreira, Lino Machado, Djalma Marques, Clodomir Millet e muitos outros, resolveram, na base da força e da coragem, ultrapassar o “Paralelo38”, tendo à frente dos revolucionários nada mais nada menos que o gênio louco Bota Pra Moer, que garbosamente empunhava a bandeira brasileira.Ao adentrarem a Praça Benedito Leite, vindos pela Rua de Nazaré, a Polícia Militar não perdoou e, obediente ao governador, disparou sem cerimônias contra uma população revoltada.
A imortalidade do protagonista viria com uma frase crucial, simples e repleta de sentidos, digna dos grandes intelectuais da, assim chamada, Atenas Brasileira. Ao ouvir o primeiro tiro, Bota Pra Moer em toda a sua genialidade, se voltou para os líderes oposicionistas e disse autoritariamente, “Até aqui eu trouxe. Arrumem um mais doido do que eu, que daqui eu não passo”.
Bota Pra Moer, segundo Lopes Bogéa, teria morrido afogado em uma lagoa poluída por dejetos no bairro do Retiro Natal. O que ficou, no entanto, para o ludovicenses, é um tanto da sua loucura, mas também da sua genialidade.