O atracadouro da Ponta D’Areia: o social como tática, o privado como estratégia?
O comentado projeto do atracadouro da Ponta d’Areia pretende realmente democratizar o acesso ao mais caro e exclusivo espaço de São Luis, incentivando a frequência de populares e a miscigenação social? Ou, por seu intermédio, se tornará ainda mais oneroso e privativo o já elitizado bairro litorâneo? Será possível que uma obra revestida de alto […]
O comentado projeto do atracadouro da Ponta d’Areia pretende realmente democratizar o acesso ao mais caro e exclusivo espaço de São Luis, incentivando a frequência de populares e a miscigenação social? Ou, por seu intermédio, se tornará ainda mais oneroso e privativo o já elitizado bairro litorâneo? Será possível que uma obra revestida de alto interesse público possa provocar efeito contrário ao anunciado? Não passariam de “táticas de distração” as boas intenções da proposta, disfarçando outros interesses? Evitando paixões e emoções, será possível contribuir para desvendar o enigma dessa esfinge?
Iniciando pelos aspectos sociais da proposta, que prometem melhores condições de viagem para os mais pobres, cabe esclarecer que o atracadouro não pretende dar acesso à Baixada Maranhense, destino a que se chega de forma mais direta e barata por ônibus e ferryboat via Cujupe, nunca pela sede de Alcântara, porto final do trajeto proposto. Quanto ao acréscimo de viagens para Alcântara saindo da Ponta d’Areia, são duvidosos seus benefícios sociais, pois comparativamente ao Cais da Praia Grande, ao lado do Terminal da Integração, o deslocamento para o novo atracadouro aumentará as despesas dos usuários dos barcos de pau que, mesmo poucos e com horários reduzidos, oferecem mais espaço para bagagem e proteção contra a maresia para quem não viaja com roupas de turista…
No quesito desenvolvimento econômico local, a ser estimulado pelo aumento do movimento turístico entre São Luis e Alcântara, apesar de apresentar quantitativos atuais de barcos, viagens e passageiros, a proposta não expôs nenhum estudo técnico sobre demanda reprimida que justifique disponibilizar mais viagens diárias ao custo de 40 milhões de reais. Apesar dessa grave omissão técnica, pois em transportes coletivos a lógica operacional exige adequada relação entre oferta e demanda, os dados quantitativos foram suficientes para o projeto ser apresentado à sociedade sem qualquer ajuste.
Apostar no aumento das viagens como gatilho prioritário para ampliar o turismo é acreditar que a ausência de visitantes em nossas cidades se deve principalmente à falta de transporte, desconsiderando o perfil próprio dos viajantes atraídos por Alcântara que, alheios ao circuito lazer-consumo, focam na cultura local, com baixa tolerância para a desordem urbana que predomina nos poucos destinos turísticos maranhenses. Prevalecendo práticas privatistas de ocupação do solo e sem políticas contínuas de qualificação e valorização local, são reduzidas as possibilidades de reversão desse movimento turístico e, em um cenário assim, viagens mais frequentes podem abreviar a já curta permanência dos visitantes na cidade.
Chegamos assim a um impasse: se poucos e duvidosos são os benefícios do novo local para os passageiros que viajam entre São Luis e Alcântara; se reduzidas e questionáveis são as possibilidades de mais viagens reverterem a baixa dinâmica turística entre as cidades, qual o verdadeiro objetivo do novo atracadouro?
A resposta parece estar no local em que será construído o terminal marítimo, na entrada do Canal da Jansen, no “Sítio Iate Clube” que há décadas serve de ancoradouro improvisado para dezenas de embarcações de recreio sobre as quais o projeto nada diz quanto ao destino que terão durante e após as obras. Mas os desenhos que ilustram a proposta sugerem que no local de embarque/desembarque de passageiros, se pretende construir uma marina, enquadrando o último espaço do bairro que ainda conta com elementos daquela Ponta d’Areia natural e concedendo aos proprietários de veleiros condições adequadas de atracagem. Uma operação capaz de elevar o valor do metro quadrado e, de quebra, assemelhar o bairro a, quem sabe, Miami ou Dubai…
Em contraste com as incertezas de cumprimento das intenções sociais da proposta, será essa estratégia capaz de garantir a qualificação e valorização do lugar com a simples execução física da obra? Através de um equipamento exclusivo, ironicamente assegurado através de um falacioso discurso socioeconômico, executado na íntegra com recursos públicos, conseguirão uns poucos proprietários fundiários e empresários da construção civil embolsar expressivos lucros em futuras transações? Se tornará a Ponta d’Areia ainda mais exclusiva e refinada no contexto desta cidade carente e cada dia mais empobrecida?