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O Imparcial 98 anos: Memórias ÍMPARES de uma estagiária

Fernanda Nina- jornalista

Fernanda Nina- jornalista

O que são dez anos na vida de um jornal que é quase um centenário? Pode até parecer, mas não é pouco, dada a intensidade da vida numa redação. Comecei na rua Afonso Pena, como estagiária do caderno de Cultura, que mais tarde seria o Caderno Ímpar. Estava no terceiro período de Comunicação Social na UFMA e o ano era 1987. Ainda escrevíamos numa máquina de escrever em uma folha carbonada, de onde saiam duas cópias, uma para a mesa do diagramador e outra para a mesa do editor chefe. Sim, eu também sou antiga.
Ao chegar ali para apreender mais sobre a profissão que escolhi aos 18 anos, não imaginava que iria ouvir e presenciar tantas histórias do jornalismo maranhense. Entre as inúmeras que precisei e vivi, trago vivas memória pelos menos três que considero reveladoras sobre o ofício de ser jornalista e de ser uma mulher jornalista.

Todas se passaram no imponente prédio da rua Afonso Pena, em frente ao tradicional Ferro de Engomar, o Palacete da Afonso Pena, hoje em restauração.
Não vou usar ordem cronológica, até porque seria difícil estabelecê-la num turbilhão de acontecimentos gerados diariamente em um jornal.

Começo pelo dia em que tentaram matar nosso colega Tony Duarte, jornalista e radialista, à época repórter policial com coragem e um faro para notícia como poucos.
A redação ficava num grande salão no segundo andar. Logo na entrada, ao lado da porta ficava a mesa do chefe de redação, Ribamar Gomes, nosso querido mestre Gojoba. Em frente à porta estava a mesa de Duarte. Numa tarde de sábado, dois homens subiram as escadas, pararam na porta e, de frente para Duarte, perguntaram quem era Tony Duarte. Gojoba, em segundo, percebeu a gravidade do momento e de pronto respondeu: -Já foi embora.

Os dois deram meia volta e saíram, enquanto Duarte, lívido, não se moveu na cadeira onde trabalhava.

Logo em seguida, nosso veterano reporte de polícia, Douglas Cunha, foi até a sacada e viu que os homens saíram num gol velho sem placas. Pouco tempo depois invadiram a Rádio São Luís, enquanto Tony fazia seu programa policial diário, para mais uma tentativa, deixando um morto e um operador de som tetraplégico. Foi nesse dia que Duarte deixou definitivamente São Luís, com a mulher e os filhos, literalmente com a roupa do corpo.
Já os outros dois episódios, esses vividos por mim, podem até parecer pouco significativos em relação ao primeiro, mas são, sobretudo, reveladores sobre como se comportam homens no poder diante de mulheres. Os dois episódios envolvem políticos tradicionais. Um deles se passou com um ex-prefeito de um município do Sul do Maranhão, que trazia na bagagem um mandato cassado em 1964 sem perder os direitos políticos e em seguida líder da Arena, partido da Ditadura, na Assembleia Legislativa.

Era cedo e só estavam na redação eu e o nosso editor de política Raimundo Borges. O então prefeito, filho de Desembargador já falecido, chega e pede uma entrevista para reclamar dos índios da região. Borges, brincando, nos apresenta e diz: “Fale aqui com nossa repórter antropóloga”.

A palavra antropóloga foi a senha para o entrevistado se achar no direito de me tratar mal e me ofender, ou pensar que me ofendia ao me chamar de defensora de índio. Não deixei barato, lhe respondi na mesma moeda e me recusei a entrevistá-lo. Deixei-o falando sozinho na sala onde estávamos.

Minha reação, talvez, resultasse de um episódio semelhante que vivera no mesmo local, a antessala do diretor do jornal. Ainda no começo da minha carreira, ao começar a entrevistar um deputado federal ele se recusou a responder: -Não dou entrevistas para estagiários, disse.

Quis o destino que, aquela estagiária, tempos depois, em um trabalho para o extinto Jornal do Brasil, publicasse uma matéria sobre uma emenda parlamentar para entidade filantrópica em Imperatriz onde, na verdade, funcionava uma casa de prostituição.
Na matéria não havia o deputado autor dada a dificuldade de acesso a documentos na época, mas no mesmo ano da publicação da matéria a CPI dos Anões do Orçamento, que tratava de apurar o destino de emendas parlamentares duvidosas, algo como o nosso atual famigerado Orçamento Secreto, revelou o autor da emenda: o deputado que repudiava estagiárias e se recusara a me dar entrevista.

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