O Imparcial 98 anos: Foi ÍMPAR tudo que vivi
Edvânia Kátia- Jornalista
Entrei em O Imparcial pelas mãos do jornalista Décio Sá, espírito inquieto, questionador, repórter investigativo nato. Havia deixado o jornal O Debate para começar uma jornada que duraria oito anos de minha vida. Entre 1997 e 2005, pude experimentar uma época mágica onde todos os dias era possível aprender mais sobre os desafios do jornalismo impresso.
Foi uma época em que os jornais viviam seu dilema de existência. Com o advento da internet e a migração de vários jornais impressos para o jornalismo on-line era preciso fascinar cada vez mais o leitor, de forma a estabelecer um elo de fidelidade. Se por um lado, as novas mídias traziam o magnetismo do novo, a mídia tradicional carregava consigo a força de sua história.
Comandei a editoria de Cidades e reportagens especiais e lembro de algumas vezes me fazer uma pergunta: para quem é que eu estava escrevendo? Não tinha a resposta, mas hoje, após estar me dedicando à memória corporativa, posso responder, com toda certeza, que estávamos fazendo jornalismo para a história.
Não somente eu, mas todos que naquele período por lá estavam e por lá estiveram, afinal é o ser humano que faz toda a diferença. FOI ÍMPAR. Trabalhar na Redação ao lado de Raimundo Borges, Kelly Padilha, Luanda Belo, Elisangela Leite, Socorro Boaes, Patrícia Cunha, Janine Cidreira, Zina Nicássio, Décio Sá, Andrea Viana, Gisélia Castro, Robson Paz, Douglas Cunha, Silvan Alves, Neres Pinto, Fábio Barros, Leno Edroaldo, Glaucio Ericeira, Cesar Scanssette, Andrea Gonçalves, Paulo Pelegrini, Lissandra Leite, Roseane Arcanjo, Ernildo Patrício, Samartony Martins, Mirlene Bezerra, Mivan Gedeon, Marco Aurélio, Ribamar Preseres, Walderina Silveira, Telma Borges, Mieko Wada, Ernesto Batista, Celina Cunha, Zezé Arruda, Alex Palhano, Kátia Persovisan, Rosana Miranda, ancorados pelos repórteres fotográficos Karlos Geromy, Maurício Moreira, Honório Pinheiro, Francisco Campos. Na retaguarda da diagramação, Isaac, Xaxado, Silvia Regina, Selma e Leudo e, claro, Celio Sergio com suas capas memoráveis. E Ubiracy, nosso digitador. Na chefia da Redação, por um bom período Romero e depois Gilmar Correa. No comercial, Paulo Maurício, Lene Rodrigues, Milena Miranda, entre tantos outros. No parque gráfico, Fábio.
Cada um desses personagens fez sua história, também de forma ÍMPAR. Robson Paz salvou a vida de um bebê do qual se tornou padrinho. Praseres deu uma esperança a uma idosa com a manchete “A fome dói”. Gisélia Castro deu um furo de reportagem sobre um cheque do Fundeb, pago por uma prefeitura, a título de indenização, por um caso de denuncia de estupro de uma menina, que virou CPI.
Das minhas lembranças como repórter, trago meus momentos ímpares. Eu fui responsável por uma série de reportagens sobre as estradas do Maranhão, o que veio a resultar em verbas para a recuperação das rodovias. Bem ali, aprendi a reconhecer a importância da chamada suíte. Entendi que fazer jornalismo era dar respostas à sociedade. Não bastava fazer uma matéria e deixar o assunto de lado. Era preciso pautar, pautar e pautar incansavelmente, até que alguém escutasse o apelo de um grupo social. Uma reportagem sobre o casamento comunitário de São Luís, realizado na praça Maria Aragão foi outro momento marcante. Contar as histórias de vida por trás de cada sim. O caso da família feita refém, por horas a fio. Lembro que eles não queriam falar com ninguém após o ocorrido, pois o crime chocou a cidade. Mas era preciso dar voz àquela família. Aceitaram me receber à noite para falar sobre o fato, embora fosse muito doloroso. Foi a manchete do domingo. Neste dia, eu estava na Redação de plantão e eles ligaram para agradecer a repercussão da matéria. A partir daquele texto, sentiram-se acolhidos em sua dor. Foi ali que tive a convicção que jornalismo é colocar em um texto humanidade. Não é só um fato a ser relatado. É uma vida.
Também enveredei pela vertente da memória. A matéria da história dos bairros de São Luís (2005), que para minha felicidade ainda hoje é fonte de pesquisa para trabalhos em escolas e acadêmicos, é um bom exemplo. A outra é A serpente vive – A lenda é cheia de mistérios e agora está eternizada no monumento da Lagoa da Jansen, que mal foi construído e adernou numa espécie de provocação para novas estórias (2002), um textos escolhidos pelo jornalista Félix Alberto Gomes Lima para o livro Maranhão Reportagem.
E o jornalismo investigativo? Pois é. Era preciso contar a história da cidade, das pessoas, mas também era preciso denunciar, apurar. A profissão exige. Polícia estoura cativeiro na Vila Itamar – Quatro crianças eram mantidas como prisioneiras e uma mulher conta que foi submetida a uma sessão de torturas durante todo o final de semana (2002) me colocou diante de uma das cenas mais duras de minha vida como repórter. Aqui abro um parêtesis importante sobre as fontes. Era necessário estabelecer um elo de confiança de forma que o furo de reportagem não estivesse acima de um interesse maior, especialmente em casos de investigação ou denúncia. Quando se faz jornalismo com responsabilidade, todos ganham.
ÍMPAR também foram as pautas sobre a nossa profissão. Defensora do jornalismo como sou, por diversas vezes tentei levar ao leitor um pouco da nossa profissão. Penso que nas matérias Da pauta à manchete – Essa matéria convida você leitor a uma viagem pela produção diária da notícia e também na matéria Sim, senhor leitor – Com a palavra aqueles que são consumidores da notícia (2005) há um breve resumo de tudo de nossa profissão. E a série Memória em Pauta, com as reportagens sobre A Greve de 1979, os Encontros Nacionais do Curso de Comunicação realizados em São Luís, entre outros, deixam significativa contribuição para a história da nossa profissão em nossa cidade.
Na condição de chefe de reportagem, sempre deixava um repórter livre para que ele mesmo pudesse colocar seu olhar sobre a cidade, trazendo para a redação a sua percepção das histórias que tinha encontrado pelo caminho. De um modo geral, o repórter já sai da Redação com o que chamamos de pauta, um assunto pré-definido. Mas com essa fórmula, conseguimos dar vida aos personagens invisíveis de nossa cidade, encontrados pelo caminho, a exemplo da beata da escadaria da Igreja da Sé.
Na condição de editora de Cidades, embarcava junto com todos na criatividade. Buscávamos deixar para trás os títulos padronizados para dar margem a títulos e manchetes instigantes, ÍMPARES. Pé no freio senão é multa, para avisar sobre os novos pardais da cidade, foi uma das que mais me marcaram. Eu lembro que eu brincava com os títulos, na tentativa de fidelizar os leitores.
Aliás, os editores e diagramadores experimentavam diariamente o desafio da inovação. Estimulados por Célio Sergio, buscávamos uma nova forma de dizer. Com o uso de programas de diagramação, era possível voar mais alto, alinhando o texto à esquerda ou direita, usando aspas, ousando na disposição das fotos.
As capas eram o produto final. Ah! As capas ÍMPARES tornam-se um capítulo à parte nessa história. Todo dia às 19h havia a reunião para definir a manchete do dia seguinte. Era o horário em que cada editor apresentava os fatos do dia. Foram tantas que não como enumerar.
De tudo que vivi, posso afirmar que é nas páginas de Jornais que podemos desvendar nossa memória, sendo certo o caminho das bibliotecas e arquivos. Embora as outras formas de jornalismo, como o jornalismo televisivo e o radiofônico e, hoje, o jornalismo on-line também possam dispor de meios de pesquisa, é no jornalismo impresso que os pesquisadores mergulharam para contar a história de uma época em que só havia o jornalismo impresso. Assim, a existência de jornais impressos, como O Imparcial, é a garantia de preservação da nossa memória, é a certeza de que o jornalismo vive.