Caxias, século 19: terra e talento (2)
Quem pesquisar haverá de concluir que o século 19 foi prolífico em dar grandes nomes caxienses ao país e ao mundo. Haveria algo de, digamos, especial no solo caxiense, no seu ar, na água, no ambiente? Poderia a terra em que se nasce ter ou conter algo que influencie positivamente a inteligência e o desempenho […]
Quem pesquisar haverá de concluir que o século 19 foi prolífico em dar grandes nomes caxienses ao país e ao mundo. Haveria algo de, digamos, especial no solo caxiense, no seu ar, na água, no ambiente? Poderia a terra em que se nasce ter ou conter algo que influencie positivamente a inteligência e o desempenho de um filho dela?
Do outro lado, voltada para as características do tempo e não para a excepcionalidade de um ou mais indivíduos, está a teoria Zeitgeist, para a qual “as realizações humanas refletem ou se desenvolvem a partir do caráter essencial de uma época”. “Zeitgeist” é termo alemão que significa “espírito do tempo” e é tradução para a expressão latina “genius seculi”, o “espírito guardião do século”, diferente do “genius loci”, o espírito que tutela ou toma de conta de um lugar. “Genius Seculi” é o título da obra do filólogo prussiano-alemão Christian Adolph Klotz, do século 18, mas o conceito de Zeitgeist tornou-se mais conhecido por meio da obra do filósofo alemão Hegel. Em apresentação ao livro “A Intelectualidade Maranhense: Fase Contemporânea”, de Clóvis Ramos, o escritor Romildo Teixeira de Azevedo, membro da Academia de Letras de Brasília e à época presidente do Centro Norte-rio-grandense em Brasília, cita dois caxienses e reconhece: “O Maranhão ostentou, por muito tempo, a fama realmente merecida de ser a ‘Atenas Brasileira’, o que muito honrava seu povo, reconhecido em todo o território nacional, até hoje, como um dos mais sensíveis às belezas do espírito, especialmente no campo da literatura. // De fato, aquela terra intelectualmente fértil proveu o humo necessário ao surgimento do maior poeta brasileiro de todos os tempos, Antônio Gonçalves Dias, assim como do príncipe dos nossos prosadores, o escritor Henrique Maximiano Coelho Netto, ambos originários da pequena Caxias”.
Existem algumas analogias acerca do poder indutor e redentor da terra. Pois, comparam, assim como a planta que nasce traz a partir de suas raízes os elementos essenciais de e para sua vida, assim o ser humano — que é pó – também vem impregnado das essencialidades da (sua) terra. É como a água mineral e a lama medicinal do balneário caxiense Veneza, de onde, na infância, eu trazia latinhas cheias para serem usadas contra, sobretudo, problemas de pele, a pedido de vizinhos lá da Rua Bom Pastor, no Porto Grande. Quando brota na Veneza caxiense, a água já traz em si o que lhe é principal, suas características benfazejas à sede e à saúde.
E não poderíamos deixar de mencionar a Bíblia e esse caráter de intimidade, senão unidade, do ser humano e a terra. Afinal, está ali, no Gênesis. Somos terra e somos água. A terra, retirada do Jardim; a água, da umidade do sopro vivificador de Deus. E não nos esqueçamos de que o nome do primeiro homem, Adão, em hebraico significa “barro”.
Somos, portanto, água e terra; somos LAMA, somos ALMA. Com Deus, no Éden, éramos lama com alma. Após o pecado original, tornamo-nos alma com lama.
E as expressões “Lembra-te, ó homem, que és pó” e “Seja-te a terra leve” relembram-nos, a primeira, de onde divinamente viemos, e, a outra, para onde humanamente retornaremos. A própria palavra “humano” teria origem na palavra latina “humus”, que significa “solo”, “chão”, “terra”, o que, assim, antecipa nossa ancestral e edênica procedência. Mesmo saindo de Caxias, os caxienses dos Oitocentos não deixaram Caxias sair deles. Um substrato permaneceu. “A emigração vai atingindo as gerações sucessivas, cujos expoentes, entretanto, já saem culturalmente ou emocionalmente formados no Maranhão” – registra no verbete “Maranhão” a “Enciclopédia Mirador Internacional”, de 1995.
Da parte de Teixeira Mendes, o matemático e filósofo, criador da Bandeira Brasileira, pelo menos, sua ligação com Caxias era bem visível, bem legível: de modo quase invariável ou muito frequentemente, Teixeira Mendes, após assinar ao final um novo texto ou livro, acrescentava, abaixo de seu nome uma linha de texto contendo as seguintes palavras: “Nascido em Caxias (Maranhão), em 5 de janeiro de 1855”. Que beleza de atitude e demonstração de apreço pela terra natal! Se isso era usual para Teixeira Mendes, não era comum como prática nem nos dois séculos pelos quais passou nem, muito menos neste 3º milênio.