COMO AS DEMOCRACIAS MORREM
Em “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt tratam sobre o que seria o princípio de uma recessão democrática na América, que consiste no fim de um processo de ampliação da democracia ao redor do mundo através da dissolução gradual de duas regras que possibilitaram o funcionamento do regime democrático, a saber, a […]
Em “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt tratam sobre o que seria o princípio de uma recessão democrática na América, que consiste no fim de um processo de ampliação da democracia ao redor do mundo através da dissolução gradual de duas regras que possibilitaram o funcionamento do regime democrático, a saber, a tolerância mútua (o reconhecimento de que os opositores têm o direito de existir, disputar pelo poder e governar, caso respeitadas as regras) e a reserva institucional (evitar as ações que podem até respeitar os textos legais, mas ferem o seu espírito). Esse é um ponto nevrálgico da obra, visto que não se está discutindo tradicionais golpes que culminam em regimes autoritários ostensivos capitaneados por forças armadas militares ou revolucionárias, mas o caminho silencioso e sem qualquer resquício aparente de ilegalidade pelo qual uma democracia pode ruir – foi o que houve na Alemanha nazista e na Venezuela chavista, por exemplo.
Em regra, populistas e demagogos autoritários são os principais atores nesse cenário, mas nem sempre conseguem ser identificados antes de chegar ao poder – o que dificulta que sejam tomadas medidas preliminares de contenção. Os autores elencam quatro sinais apresentados por líderes dessa natureza: a) rejeição às regras democráticas; b) negação da legitimidade dos oponentes; c) tolerância e encorajamento a violência e; d) restrição às liberdades civis de seus opositores, inclusive a mídia. Qualquer semelhança com ações do presidente brasileiro não é mera coincidência. Ainda, uma característica peculiar que os algozes da democracia apresentam é de que rebaixam os padrões de comportamento que regem a política.
Foi isso o que aconteceu essa semana, quando Jair Bolsonaro se dirigiu diretamente ao presidente da Ordem dos Advogados da Brasil, afirmando que se o advogado quisesse saber como seu pai desapareceu durante o regime militar ele poderia lhe contar a verdade. O desrespeito às mulheres, às minorias, a perseguição à intelectualidade, o autoritarismo, a desconsideração com os direitos humanos, a relação no mínimo estranha e suspeita com milicianos e a inútil atividade parlamentar e dos demais parasitas que carregam seu nome deveriam ser suficientes para que esse sujeito repugnante fosse mantido fora do cargo, mas como o presidencialismo é o sistema da irresponsabilidade, essas características abjetas a qualquer ser humano lhes renderam o Palácio do Planalto. Em “A eleição disruptiva”, os analistas políticos Maurício Moura e Juliano Corbellini esclarecem que a campanha eleitoral de 2018 foi a eleição dos indignados. A revolta contra a violência urbana, contra a corrupção e os políticos em geral – especialmente contra o Partido dos Trabalhadores – moldaram as escolhas. Votou-se contra algo, não em favor de um projeto para o país. Votou-se contra, especialmente, a negligência às demandas do homem comum.
E por falar nessa figura mitológica, diz-se com frequência que o sucesso de Bolsonaro se dá justamente por ele agir e falar como o homem comum, não medir as palavras e os atos, ser espontâneo. Pois bem, se o parâmetro de homem comum é um adolescente revoltado sem causa e inconsequente de 15 anos disposto a fazer um escândalo caso seus pais não atendam suas demandas, talvez isso faça algum sentido. Se o homem comum acha razoável zombar de um filho sobre a morte de seu pai, o homem comum precisa ser reformado urgentemente para algo minimamente civilizado. Bolsonaro não é apenas uma aberração cognitiva pela estupidez, é uma aberração humana, é anticivilizatório, tem profundos desvios morais, nenhuma decência, a personificação da barbárie e é um reflexo perfeito do adoecimento desse país.
*Por: MYLLA SAMPAIO() E DR. YGLÉSIO (*)