A República dos Valentões
Em 1999, Justin Kruger e David Dunning, pesquisadores americanos, publicaram um artigo no Journal of Personality and Social Psychology intitulado “Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments“, que se pode traduzir como “Incompetente e desavisado da própria limitação: Como as dificuldades de alguém em reconhecer a […]
Em 1999, Justin Kruger e David Dunning, pesquisadores americanos, publicaram um artigo no Journal of Personality and Social Psychology intitulado “Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments“, que se pode traduzir como “Incompetente e desavisado da própria limitação: Como as dificuldades de alguém em reconhecer a própria incompetência conduzem-no a um julgamento exagerado das próprias capacidades”. Esta pesquisa veio-me à memória pelo desenrolar das recentes notícias dos cortes no orçamento do Ministério da Educação, da ordem de R$ 7.4 bilhões.
Com a posse do presidente Bolsonaro, houve um movimento de instrumentalização do Ministério da Educação com fins ideológicos como nunca visto antes. Primeiro, o então Ministro Vélez Rodriguez, nomeado sem qualquer experiência de gestão exitosa em seu curriculum, aparelhou os quadros da pasta com ex-alunos de Olavo de Carvalho e servidores militares, iniciando uma verdadeira disputa interna que discutiu: marxismo no ENEM, Escola sem Partido, hino nacional na escola, porém esqueceu-se de discutir temas verdadeiramente relevantes, tais como: investimentos em educação, indicadores acadêmicos, Plano Nacional de Educação e o destino do FUNDEB.
Vélez afirmou que “a ideia de universidade para todos não existe”. Com essa concepção pseudomeritocrática tão típica do bolsonarismo, aqueles que não dispõem de meios para tornarem-se “elite intelectual” em tempo hábil, estariam fadados a serem trabalhadores de linha de produção. Vélez, como o leitor já sabe, foi substituído por Abraham Weintraub, economista e gestor financeiro, com mestrado na FGV. Este, logo após a posse, agindo como mensageiro de Paulo Guedes no MEC, anunciou um corte de 30% em recursos destinados às Universidades Federais, afirmando que os campi seriam produtores de “balbúrdia”. Elegeu três inimigas: a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Com a reação imediata dos reitores e da comunidade acadêmica, ao invés do recuo no corte, Abraham ficou mais confortável para estender a “tesourada” em diferentes proporções a todas as instituições de ensino superior federais do país.
Antes disso, o ministro já havia feito a profecia apocalíptica de esvaziar os cursos de Filosofia e Sociologia, que segundo sua visão, em nada contribuem para a sociedade sobre o prisma econômico e que custariam caro aos contribuintes. A tônica do discurso de Weintraub tem sido, desde a posse, a repetição de mentiras levadas ao extremo para produzir fakenews em escala continental, à semelhança nazista.
Na contramão da suposta redução de verbas das ciências humanas para os cursos técnicos, o Instituto Federal de Tecnologia do Maranhão (IFMA), foi “premiado” com uma redução de 38% do orçamento (28 milhões de reais)e passa a ter ameaça de fechamento de suas atividades no segundo semestre. Na Universidade Federal do Maranhão, a situação é igualmente desalentadora. O MEC tem insistido na tese de que estes recursos das universidades federais serão realocados para o ensino fundamental, que proporcionalmente é menos financiado que o ensino superior. “Um estudante universitário custa 3 vezes um estudante do ensino fundamental”, disse Weintraub recentemente em entrevista.
Ainda insatisfeito com a repercussão de suas declarações anteriores, o ministro da Educação chamou o FIES, que ampliou as vagas de ensino universitário no país, de “desastre”. A comunidade cientifica internacional reagiu, criando um manifesto contrário ao desmanche do ensino superior brasileiro, assinado por intelectuais de Harvard, Princeton, Yale, Cambridge, Berkeley e de várias instituições brasileiras. O documento reforça que “as ciências sociais e as humanidades não são um luxo” e defende que “nas nossas sociedades democráticas, os políticos não devem decidir o que é a boa ou a má ciência”. Diante disso, o governo recuou. Uma nota do MEC disse que não haverá corte, mas sim um contingenciamento de gastos. Condicionou a liberação da verba para as instituições de educação superior à aprovação da reforma da Previdência. A barganha do governo Bolsonaro chegou ao nível de colocar em risco a produção científica brasileira.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (ANDIFES) mostrou que os bloqueios não pouparam nenhum dos níveis da educação. O MEC bloqueou R$ 146 milhões dos R$ 265 milhões previstos inicialmente, para construção ou obra em unidades do ensino básico. Em relação ao ensino técnico, vitrine do “bolsonarismo-olavete”, todo os recursos previstos para Pronatec, cerca de R$ 100 milhões, foram bloqueados. A desestruturação do sistema de ensino é evidente, não apenas por contingenciamento de verbas, mas por metodologia de trabalho da gestão de Jair Bolsonaro. Há um perigoso entendimento por parte do Governo Federal de que ensino fundamental e superior são antagônicos, porém é evidente a complementariedade entre ambos. É indispensável garantir aos professores do ensino fundamental pleno acesso à universidade de qualidade, para que possa formar adequadamente as crianças e reverter os indicadores ruins que o Brasil tem, especialmente do atraso escolar de jovens. É fundamental garantir a retomada dos investimentos para a educação, pois com a desaceleração do nosso crescimento demográfico, a tendência é de redução da base da pirâmide e alargamento do ápice, com menos pessoas aptas a sustentar uma crescente massa de aposentados. A continuar como estamos, seguindo a correnteza deste rio de ideologias radicais, num barco guiado por valentões arrogantes que acreditam que muito sabem, porém pouco de fato conhecem, caminharemos para o desmanche completo das conquistas de longa data, dos marcos históricos, da chance de um futuro para este colosso chamado Brasil, cada vez mais distantes dos ideais democráticos. Este é o naufrágio que nenhum de nós aceitará!