opinião

Assim meu Boi não brinca

Jornalista Designer, graduando em pscicologia, mutuca de boi

Página de opinião do O Imparcial.(Foto: Banca O I mparcial)

“Lá vai o meu touro famoso, ele é um tesouro pra quem sabe zelar” assim disse Zequinha em umas das suas toadas no centenário do Bumba meu Boi do Sítio do Apicum.
Zelar é cuidar. Cuidar de uma cultura que há muito nasceu e que carece de zelo. E vocês sabem como surgiu a cultura do Bumba meu Boi no Maranhão? Foi de uma brincadeira. “Com uma caixinha cheia de pedras, um arco de madeira, coberto com couro de bicho e dois pedaços fez a festa que aí está”, assim contou Chagas no também centenário do Boi da Maioba.

Brincantes de Bumba Boi . (Foto: Arquivo Pessaoal)

Assim é o Boi: feito para brincar! O boi é uma brincadeira junina. Digo isso, sinto isso, porque brinco boi desde a minha infância com minha tia Lelé, fazendo ‘boi de cofo’. Com meu pai, eu saía no arrastão que Coxinho fazia do Boi de Pindaré, da feira à Rua 10, no Bairro de Fátima. E já adolescente, tínhamos os arraiais nas ruas, promovidos pelas comunidades. Todo bairro tinha mais de um. Minha tia Maridalva fazia o nosso, no parque Icaraí. O Arraial da Abit. E assim eu cresci, dançando, cantando, batendo matracas, pandeirões, maracá, onça… Brincando bumba-boi. E com certeza você aí da faixa etária dos 40 a 60+ como bom maranhense, têm uma história dessa para contar.

Mas, o tempo muda tudo. E mudou!

O que era uma brincadeira de bairro virou um negócio!

O novo boi, o boi/empresa, saiu da rua e foi para os palcos. O boi que não vou chamar de moderno porque não é, se modificou. Deixou de vadiar para se apresentar. Os ensaios na comunidade com seu povo são cada vez mais raros e o distanciamento fica evidente. Os AMOS/cantadores, não são mais a figura central, tornando-se apenas funcionário dos mandatários donos, a chamada diretoria, agora institucionalizada e com a missão regimental da busca por resultados financeiros.
O negócio ficou sério!

E não se brinca em negócio. Isso é o que está acontecendo! O Boi na indústria. Industrializado! Ah!… Isso não é saudável!
Mas sobre essa modernidade, quando digo que o Boi não é moderno é por ele não está no digital, ele não toca nas plataformas digitais. Antes ainda tínhamos os discos, LPs, CDs vendidos nos arraiais. Hoje nem isso. Tornou-se, infelizmente, um Boi estático, parado e de exposição.

O Boi aprisionado nos palcos, onde só aqueles, “apadrinhados” com suas indumentárias/camisas, tem acesso, e assim intocável pela população, que, impossibilitada de brincar, assiste passivamente a essas mudanças. E o que parece, pelo que vejo, é que a maioria do povo e mesmo o poder público, está “nem aí pra isso”.

O que é bom nem sempre é bonito, e vice-versa. É uma questão de gostar. Gostamos do que tocamos ou que nos toca.

O Boi ARTISTA / Empresa só tem a oportunidade de ser visto e ouvido uns 30 dias durante o ano. E em alguns desses “Palcos Oficiais da Cultura”, fontes de renda desse Boi / Empresa, que não chega para todos.

Com exceção das pessoas de 40+ , a grande maioria do público conhece o Boi ali. Tornando-se desinteressante ao público que não o conhece. Mas o que esse público quer? Quer dançar e brincar nos arraiais. Então, para piorar, vem a clássica conclusão dos dirigentes devotos da nossa cultura: “se é pra ter atração de palco que interesse ao público, vamos trazer o que o povo brinca, canta e dança o ano todo” – os tops das plataformas digitais como o Spotify, que bombam como instagramaveis e tiktokers virais modernas.”

Abre-se a porteira do nosso terreiro para a invasão multicultural globalizada e o Boi se vê obrigado, aprisionado, a se sujeitar, aceitar dividir o seu palco, para poder ser alimentado pelo sistema. Alimentado não mais pelo simples mingau de milho, saudável do passado, mas por migalhas que sobram do banquete das grandes atrações nacionais.
É preciso que o Boi/empresa desça do palco, volte para a rua, encontre o povo, deixe-se tocar pela comunidade, ensine toadas novas, dê protagonismo ao AMO/cantador, para que estes se modernizem, se joguem no mundo digital, se conecte com essa juventude desgarrada da nossa cultura. E se torne interessante a ela.

É esse povo, essa juventude, que pode e precisa resgatar a brincadeira do Bumba Meu Boi.
Diferente do Boi/empresa, o verdadeiro Boi da brincadeira do Bumba-boi está por aí, lutando pela vida. Está livre, porém sem espaço para pastar (onde brincar e vadiar). Estão prestes a sucumbir nos seus próprios terreiros.

O agro (o Boi) é pop!? A indústria cultural parece não conseguir concretizar essa frase.
O que se vê nos arraiais é um culto ao passado, à nossa bela história. Toadas dos grandes mestres que brincavam Bumba-boi ganhando, mingau e cachaça, conhaque etc.
Pobre? Nunca! Eles enriqueceram nossa cultura do brincar Bumba-Meu-Boi.
O que se vê e ouve é isso. São eles (os mestres em alma) quem ainda mantém o espírito da festa de São João em nossos arraiais.

E nesse espírito digo: Ah!! “Maranhão meu tesouro meu torrão”, e se não existisse isso, “se não existisse o Sol”, “urrou, urrou, meu novilho brasileiro”, urra pedindo ajuda pela liberdade desse sistema. Essa liberdade que eu sinto saudade da “minha bela mocidade, brincando boi …” mas ”Eu sou guerreiro, eu sou valente” nem que seja sozinho. Irei lutar. “Eu vou soltar minha boiada pra dar trabalho pra vaqueiro” por isso faço esse registro, e espero que possamos lutar juntos, porque essa é “a herança deixada por nossos avós”, e que deve, e merece, ser cultuada por todos nós!

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