Caminho de Volta: A Esquerda e as lições de 2024
Carlos Lula – Deputado Estadual PSB/MA
As eleições de 2024 marcam um período desafiador para o Brasil, e seus resultados estimulam uma reflexão profunda que não podemos deixar de fazer. Afinal de contas, o que está em pauta hoje na sociedade?
De um lado, vemos o fortalecimento da política tradicional, com o Centrão ganhando terreno em cidades grandes e médias, e um bolsonarismo ideológico em retração, levantando dúvidas sobre a liderança de Bolsonaro em São Paulo, Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza e, em nosso estado, São Luís e Imperatriz. Se a esquerda precisa se reorganizar, segundo alguns analistas, também não é tarefa fácil para o campo conservador moderar o discurso, sem abrir mão do capital político de Bolsonaro. Os três principais termômetros disso serão Caiado, Kassab e Tarcísio. Após anos intensos de mudanças políticas e sociais, uma pandemia global e eventos turbulentos como o impeachment, a prisão de Lula e a eleição da extrema-direita, o Brasil permanece marcado por desigualdades profundas. Esse cenário tem sido especialmente crítico para os mais vulneráveis. Apesar de alguns avanços, a disparidade social persiste de forma alarmante.
O discurso do empreendedorismo está aí e não pode ser negado. Muitos jovens cresceram em um contexto de promessas de ascensão social, mas se deparam com um mercado de trabalho precarizado pela “uberização”, instabilidade econômica e barreiras de acesso a oportunidades. O voto baseado em crenças religiosas segue como uma realidade política importante no país, e dialogar com segmentos específicos não é um capricho, mas uma necessidade estratégica.
A concentração de renda, a desigualdade de acesso a serviços essenciais e a marginalização de diversas comunidades revelam ainda um país que, em muitos aspectos, continua dividido. Nesse cenário, é evidente que a sociedade anseia por justiça social, inclusão e uma representação que realmente escute e responda às suas necessidades.
A insatisfação com a falta de perspectivas de prosperar não se limita apenas a questões econômicas; ela se estende também a um desencanto com a política. Muitos jovens veem as instituições como distantes e desconectadas de suas realidades. Para que a esquerda cumpra seu papel, é necessário um reencontro com o povo brasileiro, retomando o debate sobre a organização dos trabalhadores e o mercado de trabalho. A esquerda precisa se aproximar das ruas, das periferias e das vozes que clamam por mudança e reconhecimento, sem preconceitos e sem medo das possíveis respostas.
Isso não significa deslegitimar as pautas identitárias, que são fundamentais para a luta por igualdade. Contudo, é vital reconhecer que há questões imediatas no cotidiano da população. Nesse sentido, apresento aqui três pontos fundamentais, apenas para começar o debate.
Primeiro, por que não falamos sobre a necessidade urgente de um programa de creches no Brasil? Nada afeta mais as mulheres pobres do que a falta de creches, que limita suas oportunidades de trabalho e a autonomia econômica. Atualmente, 2,3 milhões de crianças de até três anos não têm acesso a creches no Brasil. Destas, 632 mil estão em filas, enquanto 1,6 milhão sequer estão inscritas por falta de oferta pública em suas regiões.
A falta de creches adequadas e acessíveis impacta diretamente a vida das mulheres mais pobres, que são muitas vezes as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e, simultaneamente, enfrentam a necessidade de trabalhar para sustentar suas famílias.
Quando não há creches suficientes, muitas mulheres se veem forçadas a optar entre cuidar de seus filhos ou buscar uma fonte de renda. Essa situação gera um ciclo de vulnerabilidade: a ausência de apoio na educação infantil impede que elas ingressem ou permaneçam no mercado de trabalho, limitando suas oportunidades de autonomia financeira e crescimento profissional. Isso não apenas perpetua a pobreza, mas também limita o desenvolvimento das crianças, que precisam de ambientes seguros e estimulantes para crescer.
Em segundo lugar, infraestrutura urbana. Um programa amplo e organizado do transporte modernização nas grandes cidades. Isso acompanha uma versão objetiva e estruturada do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), com serviços de infraestrutura que prepare nossas cidades para os próximos anos. Na saúde, investir na Atenção Primária, organizando nossas redes de atenção para redução de filas, humanização do atendimento e o fortalecimento do SUS na ponta, a partir de gestões municipais, sem, contudo, abrir mão do atendimento especializado, em parceria de atuação com os governos estaduais.
Por fim, investir na defesa ampla da tarifa zero no transporte público, tanto para estudantes como para trabalhadores e trabalhadoras. Retirando do grande cartel das empresas de transporte o comando decisivo sobre preços e/ou gratuidade.
Estar nas ruas é um compromisso que vai além da contestação; é a construção de uma agenda política que realmente reflita as demandas populares. As pautas legítimas da sociedade, como educação de qualidade, saúde acessível e direitos humanos, somam-se a questões emergenciais que atravessam os dramas cotidianos do trabalhador, que não é alinhado ideologicamente, mas sofre assédio pelo dinheiro que jorra em período de campanha eleitoral.
A mobilização social precisa ser contínua, e a esquerda não se esqueceu de que sempre funcionou como uma força que organiza e dá voz a essas lutas. É hora de a esquerda reafirmar seu compromisso com a transformação social, ouvindo e respondendo às demandas de quem realmente vive as dificuldades do dia a dia.