Apontamentos sobre a Praia Grande XLI
Prossigo na minha caminhada pelo mesmo lado esquerdo da Rua da Estrela ou Cândido Mendes, pretendendo chegar, neste meu passo lento, ao final deste capítulo, até a Rua João Gualberto. Trata-se de um espaço relativamente curto em extensão, porém riquíssimo em informações. Aliás, nessa minha pressa em tentar expor tudo, detalhadamente, até porque não posso […]
Prossigo na minha caminhada pelo mesmo lado esquerdo da Rua da Estrela ou Cândido Mendes, pretendendo chegar, neste meu passo lento, ao final deste capítulo, até a Rua João Gualberto. Trata-se de um espaço relativamente curto em extensão, porém riquíssimo em informações.
Aliás, nessa minha pressa em tentar expor tudo, detalhadamente, até porque não posso e nem devo perder a oportunidade que a memória ainda me oferece, em capítulos anteriores deixei de comentar sobre a figura de Cândido Mendes, cujo nome, em substituição, foi dado à antiga Rua da Estrela.
Família de grande tradição na nossa história, a partir de Portugal, o Cândido Mendes homenageado, a que se refere a rua que levou o seu nome, é o ilustre jurista, historiador, geógrafo e homem de letras maranhense, nascido no atual município de Brejo, no primeiro quartel do século dezoito. No transcurso do ano passado foi comemorado o seu centenário, com realizações de solenidades promovidas por instituições culturais desta capital.
Pois bem, seguindo em frente, chego às portas da firma Castro Gomes & Cia. Ltda., especializada na comercialização de ferragens em geral. Tive o privilégio de conhecer o seu sócio principal, o senhor Carlos Gomes, tanto no ambiente da Praia Grande, quanto no ambiente familiar e no da Praça João Lisboa. Sentado e ao redor de um dos bancos desse logradouro, reunia-se ele, todas as noites, com um grupo de amigos, do qual era uma das principais figuras, e, naturalmente, punham em ordem os assuntos da nossa cidade. À boca pequena, era o DIVA – Departamento Informativo da Vida Alheia –, que ali funcionava para analisar os principais acontecimentos do dia, de qualquer natureza, de ordem pessoal ou coletiva, mas, claro, quase sempre de maneira chistosa.
Um dos funcionários mais conhecidos, que não sei se em algum momento passou a integrar a sociedade Castro Gomes & Cia. Ltda., foi o senhor Rui Habibe. Hoje deve ele contar cento e três ou cento e quatro anos de idade, reside no OIho d’Água e goza perfeito estado de saúde física e mental. Tenho convicção de que se trata da pessoa mais velha em idade, ainda viva, que militou no comércio da Praia Grande.
Continuo calmo e observador, no meu andar bastante lento, pelo lado esquerdo da Rua da Estrela ou Cândido Mendes, partindo da Av. Pedro II, e já me encontro às portas da firma Chames Aboud & Cia., um local de referência na Praia Grande. Lembro-me muito bem dos principais mandantes e mandatários da empresa, pois eu os encontrava sempre ao passar pela calçada do seu estabelecimento ou no próprio café do Zezico Santos.
Uma das cenas que mais me impressionavam dava-se quando eu, do trabalho, retornava para minha casa ou me dirigia para o Centro Caixeiral, onde estudava contabilidade, no expediente noturno. As ruas desertas, os postes com suas lâmpadas acesas produzindo uma iluminação sombria e um automóvel à porta da firma Chames Aboud & Cia. em que se acomodavam o motorista, o senhor Eduardo Aboud e inúmeras pastas contendo material de trabalho. Era a indicação claríssima de que o principal chefe da empresa ainda iria, noite adentro, dar sequência às obrigações a seu encargo.
Pois bem, no primeiro capítulo destes Apontamentos fiz referências às firmas consideradas as mais importantes do Maranhão, em especial Francisco Aguiar & Cia. e Chames Aboud & Cia. e, no curso dos demais capítulos, por motivos diversos, novamente as mencionei. Entretanto, devo esclarecer que certo episódio de ordem comercial fez estremecer a relação entre o meu pai, senhor Armado Oliveira Gaspar, comerciante em Viana, titular da empresa A. G. Marques & Cia. e a firma Francisco Aguiar & Cia, da qual era cliente.
Vou colocar em ordem sequencial os acontecimentos, vez que se acham interligados, a despeito do lapso de tempo ocorrido entre eles. O primeiro foi o episódio da prestação de contas com D. Mariana. Com saldo em cruzeiros a receber da empresa, ao senhor Armando Gaspar, então foi dito pelo chefe da empresa Francisco Aguiar, de maneira nada cortês, que não lhe podia adiantar um só tostão, como se esse seu cliente lhe estivesse devendo ou solicitando antecipação de algum importe.
Aborrecido com o episódio, mas sem retrucar ou contestar uma só palavra do que havia escutado, o senhor Armando Gaspar, bem a seu jeito, tomou o rumo que já havia traçado com vistas a cuidar de outros negócios. Foi assim, com esse sentimento de que havia sido agredido, diminuído, que seguiu na direção da Rua da Estrela ou Cândido Mendes, naturalmente por ser a principal artéria da Praia Grande e, por isso, local e circunvizinhança onde trataria seus demais negócios. Talvez até pensando em entrar no Petit Café, do Zezico Santos, e ali se encontrar com outros comerciantes do interior, que estivessem também aqui na capital cuidando dos seus interesses, com quem conversaria sobre assuntos gerais e depois se sentiria aliviado.
Ora, nesse trajeto, passou pela calçada de Chames Aboud & Cia. e deu logo com a figura emblemática do senhor Wadih, o titular chefe da organização, que o cumprimentou, oferecendo-lhe as mãos e um abraço, à moda de velhos amigos. E, em seguida, sem pestanejar, como se estivesse adivinhando a decepção do senhor Gaspar, foi logo dizendo: “vende babaçu para Aboud que paga melhor preço”. E meu pai, com a mesma rapidez respondeu: “mande-me quinhentos sacos novos pela lancha Estrela do Mar, que sai amanhã para Viana”.