Medo do “efeito Orloff”
A partir do momento em que o Senado Federal, com a metade de seus membros encrencados em processos criminais no Supremo Tribunal Federal, resolve “revogar” a condenação de um senador, desmorona-se o fundamento constitucional do Estado Democrático de Direito. A reação corporativista do Senado ao afastamento do senador Aécio Neves (PSDB) pelo STF torna ainda […]
A partir do momento em que o Senado Federal, com a metade de seus membros encrencados em processos criminais no Supremo Tribunal Federal, resolve “revogar” a condenação de um senador, desmorona-se o fundamento constitucional do Estado Democrático de Direito. A reação corporativista do Senado ao afastamento do senador Aécio Neves (PSDB) pelo STF torna ainda mais grave a crise institucional que vem erodindo os poderes da República.
Brasília virou uma barafunda descontrolada. Como diz o jornalista Mino Carta: “Depois do Golpe, isso aqui virou uma pasta emoliente, flácida, resultado, muitas vezes, de uma desorganização intestinal”. O mesmo Senado que avalizou a prisão do senador petista Delcídio do Amaral, então líder do governo Dilma em 2015, acusado de tentar atrapalhar as investigações da Lava-Jato, e depois o cassou pelo Conselho de Ética,
agora se arregimenta para salvar o tucano Aécio Neves, que está apenas com o mandato suspenso, acusado de corrupção.
A postura do Senado tem o mesmo sentido do “efeito Orloff”, aquele da peça publicitária de vodca que fez extraordinário sucesso na década de 1980. A qualidade do produto era ressaltada por alegadamente não causar ressaca: “Eu sou você amanhã”, explicava um bem-disposto sósia de um sujeito sentado à mesa de um bar, antes de pedir ao garçom que substituísse o pedido que este acabara de fazer por uma dose da marca
anunciada. Agora os senadores temem “ser o Aécio amanhã”, com a ressaca que vive hoje.
Salvando o senador tucano, cuja decisão ficou para a próxima terça-feira, mostra que, mesmo com 40 senadores enrolados em ações no STF, o Senado vai mostrar aos ministros que na Suprema Corte também se pratica “barbeiragem” na interpretação da Constituição. E quem vai sacramentar o entendimento são dois maranhenses: Edison Lobão, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, e João Alberto, presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, ambos do PMDB.
Trata-se de uma posição de alto risco, pois até o ex-presidente FHC, em palestra em Washington, sobre corrupção na América Latina, disse ontem que “o Supremo Tribunal, como guardião da Constituição, tem a decisão final. Ele decide e é isso”. Aí pode vir o general Mourão e também dizer que nem o Senado nem o Supremo têm solução para a crise. Quem tem é quem sabe manusear as carabinas. Nesse caso não será “efeito Orloff”, mas ressaca incurável.