opinião

Ó, Abre Alas, é Carnaval!

Aureliano Neto – Membro da AML, AIL e AMLJ · aurineto@hotmail.com.

Amor de carnaval desaparece na fumaça/Saudade é coisa que dá e passa. Mas isso – esse sentimento poeticamente musicalizado – sempre foi coisa de José Flores de Jesus, o Zé Kéti, sambista do morro e de tantos sambas, que desceu para o asfalto e, com Nara Leão e João do Vale, este maranhense de Pedreiras, fez histórico sucesso com o show Opinião. E ainda é coisa de Zé Kéti a mania de cantar os amores de carnaval, como fez com a marcha-rancho Máscara negra: Tanto riso, oh!, quanta alegria,/Mais de mil palhaços no salão/O Arlequim está chorando/Pelo amor da Colombina/No meio da multidão! Tudo isso num carnaval que passou – em que a saudade deve ser matada, o beijo deve ser beijado, porque é carnaval, o lugar onde o sambista tem a liberdade de cantar e amar.

Mas Zé Kéti era o próprio samba. E continua sendo. É ele quem diz, com toda a força do seu canto: Eu sou o samba/A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/Quero mostrar ao mundo que tenho valor/Eu sou o rei dos terreiros/Eu sou o samba/Sou natural daqui do Rio de Janeiro/Sou quem levo a alegria/Para milhões de brasileiros. E, assim, com irreverência, o sambista expressa a sua resistência, a resistência de um povo, contra todas as incompreensões e o autoritarismo dos mandantes de ocasião, exaltando no seu cantar: Podem me prender/Podem me bater/Podem, até deixar-me sem comer/Que eu não mudo de opinião/Daqui do morro/Eu não saio, não/Se não tem água/Eu furo um poço/Se não tem carne/Eu compro um osso/E ponho na sopa/E deixo andar. E aí soa a voz do sambista, que dança e canta em todos os carnavais. E sai por aí: Se alguém perguntar por mim/Diz que fui por aí/Levando um violão/Debaixo do braço/Em qualquer esquina eu paro/Em qualquer botequim eu entro/E se houver motivo/É mais um samba que eu faço/Se quiseres saber/Se volto diga que sim/Mas depois que a saudade se afastar de mim.

Zé Kéti é o morro. É o samba. É a voz do samba, que desce o morro para fazer os brancos dançarem, com tresloucados gestos desengonçados na avenida. Zé Kéti é esse traço de união

entre o canto do negro, que se liberta da senzala para soltar a sua voz do grito de liberdade e dar alegria ao senhor dessa senzala. Como num lamento, ele ainda canta o reverso desse sentimento: Acender as velas/Já é profissão/Quando não tem samba/Tem desilusão.

Chico e Vinícius, mais líricos, têm um canto de carnaval de mais desencanto. Sonho de um carnaval, o samba de Chico que fala dos desenganos do carnaval. Ele começa pela desilusão do desengano: Carnaval, desengano;/Deixei a dor em casa me esperando/E brinquei e gritei e fui vestido de rei/Quarta-feira sempre desce o pano. E nesse canto lamuriado, Chico deixa transparecer a esperança de “que gente longe viva na lembrança/que gente triste possa entrar na dança/que gente grande saiba ser criança”. Mas os desenganos só na quarta-feira, quando desce o pano. As serpentinas se despregam do corpo suado de tantas ilusões, tantos sonhos, que desaparecem ainda no suave retinir dos pandeiros e dos tamborins, cujos batuques vão, aos poucos, se distanciando como o amor de carnaval, efêmero, na efemeridade do canto.

Vinícius, o nosso poetinha de todas as horas, que nos disse que é melhor ser alegre que ser triste, fala da felicidade, mas poetiza que tristeza não tem fim, felicidade sim. Não sei se isso é apenas uma rima, ou uma utopia rimada, no sentido de estabelecer a fragilidade de um sentimento tão sublime, que, por ser a felicidade, faz-nos, por exíguos momentos, felizes. Vinícius, este poeta de todos os tempos, fala-nos sobre a finitude do ser feliz e canta que “a felicidade do pobre parece/a grande ilusão do carnaval/a gente trabalha o ano inteiro/por um momento de sonho/pra fazer a fantasia/de rei ou de pirata ou de jardineira/pra tudo se acabar na quarta-feira”. Uma felicidade datada. Do amor de carnaval. Da mulata assanhada. De mil palhaços no salão. Em que a preta é preta, a branca é branca, mas a mulata é tal. E o pano desce, e o amor de carnaval desaparece na fumaça com todas as alegrias dos ritmos que o embalaram, ficando apenas a saudade de todas as ilusões vividas.

Sem ser pessimista, principalmente em tempo de carnaval, e muito menos leviano com quaisquer sentimentos que se

originem das folias do rei Momo, prefiro o Pierrô apaixonado à Jardineira triste e melancólica. Ora, ora, o Pierrô, por causa da Colombina, não se abateu, e, chorando, por ter levado um grande chute, foi tomar sorvete com o Arlequim. Melhor assim, do que a ficar eternamente triste como a Jardineira. Tanto que passa carnaval, vem outro, e tá lá a Jardineira firme na sua tristeza, repetindo-se a tragédia de a Camélia ter caído do galho, ter dado dois suspiros e morrido. Mesmo com esse trágico desenlace, comum aos carnavais, o folião é insistente: Vem jardineira/Vem meu amor/Não fique triste/Que este mundo é todo teu/Tu és muito mais bonita/Que a camélia que morreu. Tou com a turma funil, embora saiba que cachaça não é água não. E que saudade é coisa que dá e passa, embora, bêbado, se escorregava numa casca de banana. Ora, deixe as águas rolar, pois tudo é carnaval. Sigamos o canto carnavalesco da eterna Chiquinha Gonzaga: Ó, abre alas, que eu quero passar / Eu sou da Lira, não posso negar / Eu sou da Lira, não posso negar.” E vamos para a folia, pois tudo é carnaval.

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