As duas mulheres: o Natal
Aureliano Neto – Membro da AML, AIL e AMLJ · autineto@hotmail.com
Machado de Assis
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Cora Coralina
Enfeite a árvore de sua vida com guirlandas de gratidão! Coloque no coração laços de cetim rosa, amarelo, azul, carmim, Decore seu olhar com luzes brilhantes estendendo as cores em seu semblante Em sua lista de presentes em cada caixinha embrulhe um pedacinho de amor, carinho, ternura, reconciliação, perdão! Tem presente de montão no estoque do nosso coração e não custa um tostão! A hora é agora! Enfeite seu interior! Sejas diferente! Sejas reluzente!
Pode-se iniciar o rito natalino com duas orações, que sacramentaram o nascimento daquele que foi concebido por uma mulher nazarena, pobre, que fora prometida a um carpinteiro, José, considerado um homem justo. A primeira foi recitada por Maria, a mãe de Jesus, quando aceitou a santíssima missão materna, sob a força persuasiva das palavras do anjo que lhe disse: “O Espírito
Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo, te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascerá de ti será chamado Filho de Deus.” Maria, mesmo perplexa, aceita a sublime missão de ser mãe do Filho de Deus, faz sair dos seus lábios esta bela e doce prece: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.”
Maria de Nazaré, a prometida a José, num ambiente cultural de patriarcalismo, no qual a mulher tinha o seu valor medido pela sua capacidade procriatória e de submissão ao marido, ao pôr-se como serva do Senhor e respondendo com um decidido “faça-se de mim”, fez do sim o advento grandioso de um mundo novo, de um homem novo, de uma mulher nova, de uma nova era. Ela, mãe divina, dessas grandes mudanças que iriam ocorrer no curso da história cristã.
A outra oração, da outra mulher, advém da visita de Maria a sua prima Isabel, aquela que, na velhice, concebeu um filho, que Zacarias, o pai, por determinação divina, deu-lhe o nome de João, o precursor. Vivendo no deserto e se alimentando de mel e gafanhoto, pregava João a vinda do Reino de Deus e anunciava a chegada do verdadeiro Redentor. Assim, aplainava o difícil e pedregoso caminho do Senhor. Por suas denúncias e insistência, os poderosos da época, sem que houvesse crime, deceparam-lhe a cabeça. Salomé, como muitos de hoje, recebeu, com sarcasmo, numa bandeja. João era considerado bandido ou, quem sabe, vagabundo.
Maria, depois de uma longa caminhada, saindo de Nazaré para as montanhas de Judá, foi-se encontrar com Isabel. Ao entrar na sua casa, saudou-a. Ouvindo Isabel a saudação, a criança estremeceu no seu seio de alegria. Isabel não se conteve e, cheia do Espírito Santo, exclamou em oração, em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Salvador? (…) Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!”
Todos esses momentos indicam que o Natal simboliza encontro, amor e solidariedade. E o encontro e a solidariedade não estão nos presentes, mas nas presenças, cujo ponto de referência é o nascimento de Jesus, que nos trouxe o mandamento do amor: amar a Deus e amar ao próximo como a ti mesmo. Por força desse mandamento, Natal, no mundo, em essência, é contraste, desigualdade – os reis magos e Jesus numa manjedoura -, é família, encontro, pobreza material e riqueza de sentimento, luta pela justiça e por uma sociedade justa, em que pobre seja respeitado como ser humano e não como mero interesse estatístico.
Cora Coralina, no poema Humildade, nos concita a sonhar: “Senhor, fazei com que eu aceite / minha pobreza tal como sempre foi / (…) Daí, Senhor, que minha humildade / seja como a chuva desejada / caindo mansa, / longa noite escura, / uma terra sedenta / e num velho telhado velho. / (…) E ter sempre um feixe de lenha / debaixo do meu fogão de taipa, / e acender, eu mesma, / o fogo alegre da minha casa / na manhã de um novo dia eu começa.”
Neste Natal, façamos do amor a força maior dos nossos sentimentos na luta contra as desigualdades. Mas sem retórica dos fariseus. Basta sermos cristãos na fé e no amor ao próximo.