opinião

Algumas impressões pós-natalinas

Aureliano Neto- membro da AML e AIL

Passei o Natal na aconchegante cidade de Carolina. Alguns quilômetros acima de Imperatriz, onde, antes de pegar a estrada, fiquei alguns poucos dias, tentando rever alguns lugares e velhos conhecidos e amigos de outros tempos. Tempos que não voltam mais. A cidade é outra, as pessoas, outras, a vida, também outra. Com o advento do ano novo, 2025 assume todas as virtudes ou sofrências do ano que envelheceu e passou, sem deixar saudade. As TVs fizeram as mais esfuziantes publicidades das festas de recepção ao novo ano, ou, quem sabe, ao ano novo. 2025 foi recebido com muitas expectativas, danças, canções e o entusiasmo das grandes vedetes e artistas populares. Um revéillon digno do ano que sucede a dureza das lutas empreendidas por todos nós no curso da vida do extinto 2024. Não tão extinto como se pretenderia que fosse assim, porquanto as dívidas assumem consistência obrigacional durante a vivência de 2025. E são tantas, que, se o pobre vivente não adotar todas as precauções para saldar os compromissos de 2024, não há Anita ou Ivete Sangalo, com toda a força do seu rebolado, que deem conta da árdua missão de não ir para o SPC.

Algumas outras impressões me vieram a minha inquieta massa pensante. Tive oportunidade, ajudado por uma parenta benfeitora, de ouvir, num breve instante, músicas de uma caixinha ligada ao meu celular. Estou me modernizando. E o bom dessa história é que me vi livre dessa gritaria, para alguns chamada de música. Motivo dessa agradável opção: escolhia as canções do meu agrado, além dos intérpretes. É o que chamam nos tempos modernos de spotify, um nome estranho mas com um tique linguístico interessante. Tive a ventura da modernidade de ouvir algumas das minhas prediletas canções, como: Você não entende nada, Meia lua inteira, Argumento, Sampa, Desde que o samba é samba, Apesar de você, e, depois desta, Vai passar. De fato, tenho pensado, não apenas vai passar; a cruel ditadura de 64 passou, mas os horrores da tortura e dos assassinatos, não; o retrato cruel de tudo está no filme Ainda estou

aqui, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello. A vida passa, o tempo passa, mas os fatos não passam. Pertencem à história, que acumula todas as nossas vivências e experiências, com a finalidade de manter, na prontidão da resistência, os nossos valores fraternos, democráticos e humanistas.

O Natal passa, vai passando, e já estamos a caminhar para o próximo Natal. Jesus Cristo, na manjedoura, quieto a nos olhar com a curiosidade dos novos tempos. Os pastores que já não pastoreiam com a desenvoltura da fé daqueles tempos iniciais. A Mãe Santíssima de Nazaré aconchega ao colo maternal o filho amado. Um dia, como ocorre com toda criança inquieta e predestinada, ao ir ao templo, em Jerusalém, esse menino com ares de adolescente, se entrete a trocar ideias com os sábios do templo, e a eles esina belas lições que lhe são transmitidas pelo Pai celestial. Três dias depois, é encontrado pelos pais, José e Maria, Por que é que me procuráveis?, pergunta. Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai? A vida é feita de lições. De filho para os pais e de pais para o filho.

Rezemos, com a certeza do Filho e o amor dos pais, para superarmos todos os transtornos desses novos tempos, na esperança de chegarmos ao próximo Natal, e que Deus nos livre dessa máfia que sonha em golpear as nossas instituições democráticas, primeiramente peçamos ao Filho para resistirmos à tentação de transformar o nosso orçamento em pagamento de dízimo a parlamentares das religiosidades satânicas mais diversas e mantê-lo com a finalidade precípua de ser apenas orçamento público. Como nos ensina Noberto Bobbio, na sua célebre obra O Futuro da Democracia, “um dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos sobre a democracia consiste em afirmar que ela é o governo do ‘poder visível’. Que pertence à ‘natureza da democracia’ o fato de que ‘nada pode permanecer confinado no espaço do mistério’ é uma frase que nos ocorre ler, com poucas variantes, todos os dias”. E conclui esse erudito pensador italiano: “Com um aparente jogo de plalavras pode-se definir o governo de democracia como governo do poder público em público.” Isso a nos dizer que a democracia é um regine de governo do poder visível. Não há nada secreto, nem escondido. Tudo –

sobretudo o dinheiro público ou verbas públicas – tem que estar submetido à ética transparência: aonde vai, qual o seu destino, onde o dinheiro público foi gasto. A verba orçamentária não é patrimônio particular de parlamentares, que são eleitos, para fiscalizar com honestidade a sua aplicação. De outro modo, sem esses cuidados impositivos, tem-se a prática de crime de desvio do patrimônio público. Certo está o Ministro Dino. Certíssimo está o Supremo Tribunal Federal, ao não permitir que essa prática criminosa de apropriação do dinheiro público orçamentário se torne meio de enriquecimento ilícito.

Vai passar. Ou não passará. Mas, se deixarmos passar, faremos vista grossa para o bárbaro crime cometido contra a jovem de 26 anos, fulminada por um tiro na cabeça. O pior dessa tragédia: o tiro foi dado em operação desnecessária, realizada por policiais da Polícia Rodoviária Federal. A vítima: Juliana Leite Rangel. Fato ocorrido: em 24/12, terça-feira, na Rodovia Washington Luís (BR-040), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Juliana estava indo com a família passar o Natal na casa de parentes, quando lesionada a tiro por policiais. O Ministério da Justiça e Segurança Pública, através de decreto, regulamentou o uso de força durante operações policiais. Estabeleceu diretrizes, reforçando as já existentes, para o uso gradativo de armas e assim evitar a violência policial em todo o território brasileiro. Apesar da verborragia de alguns delinquentes governadores de Estado, o governo teve que dizer o óbvio: não mate, não seja violento, tenha respeito à vida e à dignidade das pessoas. De outro modo, jogue-se no lixo a Constituição Federal, e cada governante mantenha o seu arsenal particular de armas, para assassinar supostos criminosos, sem o devido processo legal, desde que, como vem ocorrendo, sejam pobres, pretos e favelados, sempre abatidos por essa hedionda violência militar.

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