Opinião

Há um mercado para tudo

Aureliano Neto – Membro da AML e AIL · aurineto@hotmail.com

Vivemos num mundo da hegemonia do mercado. Se for um mundo capitalista ou com prevalência da escravidão, em face da acentuada desigualdade, há controvérsia, e os debates se multiplicam. O filósofo Michael J. Sandel, autor das obras Justiça – o que fazer a coisa certa e O que o dinheiro não compra – os limites morais do mercado, nesta, bem na introdução, quando trata do tema O mercado e a moral, faz esta, hoje, óbvia assertiva: “Há coisas que o dinheiro não compra, mas, atualmente, não muitas. Hoje, quase tudo está à venda.” E passa a enumerar uma sequência de exemplos: preços que pagam por melhores acomodações, ou seja, uma cela limpa, tranquila e bem longe das celas dos prisioneiros não pagantes, os pobres descapitalizados; barriga de aluguel – casais ocidentais, em busca de uma mãe de aluguel na Índia, recorrem à terceirização, cujo valor a pagar é menos de um terço dos preços do mercado norte-americano; servir de cobaias humanas em testes de laboratórios farmacêuticos, para testar novas medicações; adquirir apólice de seguro de uma pessoa idosa ou doente, na expectativa de que, quando cedo o segurado morrer, mais o investidor lucrará. Pois bem, esses são alguns exemplos cruéis, pois anti-humanos, que o dinheiro pode comprar. Mas, tenho o cuidado de esclarecer que esse livro de Michael Sandel, que fiz a leitura algum tempo atrás, é edição de 2012. Com certeza, as edições mais atuais devem conter outros exemplos, uma vez que a competição no mercado tem envolvido uma variedade de investidores, entre os quais se destacam religiosos e religiões que, no caso do Brasil, esquecem os ensinamentos de Jesus Cristo, ou os interpretam de forma deturpada, para extrair vantagens que nada têm a ver com o preceito de amar a Deus e ao próximo como a si mesmo.

Sabemos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, que significa o “messias”, foi ungido pelo Espírito Santo para libertar os oprimidos – os escravos, os presos, os materialmente pobres, os abandonados – foi vítima de um cruel assassinato na condição de prisioneiro político. Foi flagelado e crucificado. A razão: por lutar pela libertação dos oprimidos, a sua pregação contrariava os interesses políticos e

econômicos dos escribas e fariseus, que se beneficiavam dos valores ofertados nos templos e de outras vantagens. Eram homens ricos, possuidores de grandes propriedades e, por serem serviçais ao poder de Roma, repudiavam a pregação de Jesus Cristo. Jamais admitiam transgressões de egras antigas que estabeleciam como lei. O sábado era sagrado. Entre a vida e o sábado prevalecia a tradição do respeito ao sábado. Amar ao próximo, só em gestos e palavras. Assim, muito fácil amar. Amar os vossos inimigos e orar pelo que vos perseguem, jamais. Reconciliar, nunca. A única solução buscada por esses escribas e fariseus, para preservar o seu poder político e econômico, era arranjar uma justificativa e matar. Foi o que fizeram. E muitos continuam, em nome do Crucificado, fazendo as mesmas atrocidades. O pior de tudo é que se dizem líderes religiosos. Na Folha de São Paulo, edição de 20 de abril de 2024, no caderno Política, um deles, em desafio, que nem mesmo Pilatos, no seu tempo resistiu, faz esta declaração: “Tocar em um líder religioso não é coisa fácil. A religião que eu sou (vejam bem: “a religião que eu sou”) representa 35% do povo brasileiro. Isso é um negócio muito gigante.” E vai por aí a fora nesse ramerrão, que, na época do império romano, quando prenderam arbitrariamente Jesus, levaram-No para o Sinédrio, o tribunal do arbítrio judaico, depois a Pilatos, que teve que lavar as mãos e mandar flagelá-Lo e crucificá-Lo.

O que esses novíssimos escribas e fariseus querem agora? A reposta está na essência da declaração acima: “a religião que eu sou” é poderosa e “é um negócio muito gigante”. Por isso mesmo, as instituições democráticas, que tanto o povo brasileiro lutou para construir, não devem agachar-se ante o poder desses interesses escusos, autoritários, de ódio, de desamor, que nada têm com as libertadoras pregações de Jesus Cristo. Pego o jornal Extra, do Rio de Janeiro, edição do dia 6 de agosto de 2024, e já não mais me surpreendo com a manchete da capa: Ataque mata menino e entregador no Macacos. Dois seres humanos assassinados: Guilherme, de 13 anos, que sonhava em ser jogador de futebol, e Luiz Gabriel, de 20 anos, entregador, que foi baleado depois de sair do trabalho. O que os 35% de seguidores da “religião que eu sou” desse pregador religioso têm feito para combater essa situação pecaminosa? Não adianta apenas orar ou rezar. É preciso combater

o mal pela raiz. Ir à luta. O líder que ele segue, aqui na terra, é de todos conhecidíssimos. Apropriou-se de jóias que pertenciam ao poder público. Vendeu-as. Foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral, por práticas eleitorais criminosas, portanto é inelegível. Participou da tentativa de golpe contra a democracia brasileira e a destruição do Estado de Direito. É um marginal endinheirado, a custas das funções públicas que exerceu. Ao todo, foram sete mandatos de deputado federal pelo Rio de Janeiro e um de presidente da República, que só serviu para macular a história do Brasil. Nessas funções, nada fez pelo Estado do Rio de Janeiro, a não ser aliar-se às milícias, que atualmente dominam a vida dos que vivem em favelas e morros cariocas. O jornal O Globo, na edição de 4 de agosto de 2024, no caderno Rio, traz esta manchete: Crimes cometidos em nome da fé. O destaque dessa matéria jornalística é o seguinte: “Traficante Peixão criou um feudo, o Complexo de Israel, e espalha o terror ao seqüestrar e matar inimigos na sua cruzada para expandir território e impor opressão religiosa em comunidades do Grande Rio. Ele é acusado de cometer 21 homicídios, entre outros crimes. Peixão, líder de uma fé e em nome dessa fé, faz o que o diabo manda ou deixa de mandar. E o que têm feito “a religião que eu sou” e os 35% do povo, ao participarem na defesa de interesses escusos, econômicos, políticos e autoritários, que nada fizeram para construir uma sociedade fraterno? A resposta está no criminoso silêncio da conivência. A César apenas o que é de César. E a Deus, nada.

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