Opinião

Emendas e a decisão cautelar de Flávio Dino

Aureliano Neto – Membro da AIL e AML · aurineto@hotmail.com

Os parlamentares do Congresso Nacional – deputados federais e senadores da República – vinham, de forma aberta, indiscriminada, sem quaisquer transparências – haja vista a improbidade do vergonhoso orçamento secreto -, recorrendo a essas emendas, denominadas de individuais impositivas, apresentadas ao projeto de lei orçamentária anual, com fundamento nas alterações que foram feitas pelo Poder Constituinte derivado na Constituição Federal, que serão referidas no curso desta nossa conversa, e que possibilitaram o uso e o abuso por esses parlamentares desse recurso legislativo, em face das alterações feitas na Carta da República, com acréscimos de normas concernentes ao capítulo das finanças públicas, mais especificamente à lei orçamentária do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais, cujo projeto é de iniciativa do Poder Executivo, conforme estatui o caput do art. 165 da Constituição Federal. Provocado o Supremo Tribunal Federal, a decisão cautelar, prolatada pelo Ministro Flávio Dino, acolhida pelo colegiado do STF, projeta um profundo estudo sobre a inconstitucionalidade dessas emendas constitucionais, decorrentes de reformas efetuadas pelo constituinte derivado, o qual tem competência limitada, com expressa previsão constitucional do exercício do poder de legislar, não podendo alterar, ao seu bel-prazer, a Carta Magna.

A parte dispositiva da decisão do Ministro Flávio Dino deve orgulhar, pelo seu teor didático e fundamento jurídico, quanto à correta aplicação dos postulados constitucionais e do direito financeiro, a cidadania brasileira e o povo desta terra de Gonçalves Dias. Transcrevo-a: “É pacífica a possibilidade de controle de constitucionalidade de emenda à Constituição. Sujeita-se ela à fiscalização formal – relativa à observância do procedimento próprio para sua criação (art. 60 e § 2º) – e material: há conteúdos que não podem constar de emenda, por força de interdições constitucionais denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4º). De parte disso, a Constituição prevê, também, limitações circunstanciais ao poder de emenda, que não poderá ser exercido na vigência de intervenção

federal, de estado de defesa e de estado de sítio (art. 60, § 1º). Há precedente de declaração de inconstitucionalidade de emenda constitucional. (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 200)” – bem como, nesse sentido desse entendimento, a decisão em ADI: 939- DF, que, por se tratar de Emenda Constitucional do Poder Constituinte derivado, incidiu em violação à Constituição originária, provocando assim a necessidade do STF decidir para declarar a inconstitucionalidade operada dentro da Constituição.”

E fundamenta a incongruência constitucional das chamadas “emendas impositivas”, nestes termos: “Conforme a síntese acima, as emendas constitucionais impugnadas parecem instituir um acervo normativo de transferência do controle da fase de execução de uma parcela significativa do orçamento público das mãos do Poder Executivo para o Poder Legislativo, sobretudo se consideradas apenas despesas orçamentárias discricionárias. Nessa situação, grande parte da discricionariedade inerente à implementação de políticas públicas é retirada das mãos do Poder Executivo, transformando os membros do Poder Legislativo em uma espécie de ‘co-ordenadores de despesas’. Com efeito, as minúcias da execução orçamentária não dependem mais de deliberações administrativas no âmbito do Poder Executivo, e sim da aposição de meros carimbos a decisões de outro Poder.”

E, seguindo esse irrepreensível entendimento, haja vista ter-se criado no seio da República brasileira um semipresidencialismo ou um parlamentarismo desengonçados, com a evidente e indevida apropriação de bilionários valores orçamentários, transferidos para os entes federados, para aplicação, se aplicados, sem nenhuma fiscalização ou transparência, com a única escusa finalidade de atender a interesses, do mesmo modo, escusos, eleitoreiros e fraudulentos, assim sendo transgredidas as regras constitucionais, que tratam do orçamento público, contempladas nos arts. 163 a 169 da Constituição Federal, ressalvando-se todas as normas que foram citadas na decisão pelo Ministro Flávio Dino, entre as quais o § 10 do art. 165 da CF, cujo teor normativo estabelece que a administração “tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à

sociedade”. Pergunta-se: como cumprir essa regra impositiva ao administrador público, no caso o Poder Executivo federal, tendo em vista o descontrole orçamentário decorrente das emendas impositivas, em vista de mudanças significativas na Carta Magna, com a inserção do orçamento impositivo e, mais recentemente, com as transferências especiais, tendo o Congresso Nacional promulgado, em 12 de janeiro de 2019, a Emenda Constitucional 105/19, que permitiu a transferência direta de recursos de emendas parlamentares a Estados, Distrito Federal e Municípios, sem vinculação a uma finalidade específica. E, em 22 de dezembro, de 2022, foi publicada a Emenda Constitucional nº 126/2022 (Emenda da Transição), que alterou as regras permanentes para cálculo e distribuição dos valores das emendas impositivas individuais, alteração promovida no art. 166, § 9º, que redefiniu a base de cálculo para o limite de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) do exercício anterior ao do encaminhamento do projeto de lei orçamentária anual, cabendo às emendas de deputados o total de 1,55% da RCL, e às emendas de senadores 0,45% da RCL.

Como facilmente se deduz, estabeleceu-se, com essas esdrúxulas emendas, a ingovernabilidade impositiva. A decisão cautelar o Ministro Flávio Dino dá uma reviravolta para que, orçamentariamente, o Brasil tenha segurança na aplicação dos recursos públicos, com o rigor na observância da transparência da sua aplicação, o que atende aos ditames éticos impostos pela Constituição Federal, embora não seja do agrado de Arthur Lira, infelizmente presidente da Câmara Federal.

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