opinião

A nova justiça

Aureliano Neto – Membro da AML, AMLJ e AIL aurineto@hotmail.com

É entendimento pacífico, tanto no Poder Judiciário como fora dele, ser mais que preciso que as decisões judiciais sejam ágeis e eficientes, para atender à forte e crescente demanda social. Isso significa: a sociedade não pode mais aceitar um Judiciário, como função de poder, cuja finalidade precípua é resolver as inúmeras controvérsias que lhe são trazidas, numa resposta lenta e desprovida dos instrumentos indispensáveis para dar pronta e rápida solução aos litígios entre os particulares e entre estes e poder público, ou vice-versa.

Estamos no Século XXI. Findo o ano 2.000, saímos do século XX para ingressar no novo milênio, que se iniciou em 1.º de janeiro de 2.001. As relações sociais são outras, e múltiplas. A concepção de família tomou outra acepção, não mais se sustentando no legalismo do casamento. Basta, para sua estrutura sócio-jurídica, a convivência estável entre o homem e a mulher, ou entre as pessoas do mesmo sexo. Nossa Constituição Federal, ao definir essa instituição social no art. 226 e parágrafos, assenta-se no velho e ainda prevalente entendimento de que a família é a base da sociedade, e, como conseqüência, reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher. Daí se deduz não só o conceito sociológico, mas a proteção que Estado, ao constitucionalizar essa instituição básica, procura dar aos seus membros, sobretudo quando estende o conceito de família “à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

No século XX, os avanços tecnológicos foram marcantes e, em alguns aspectos, surpreendentes. A comunicação sofreu profundas mudanças. A mídia (jornal, rádio e televisão) nos bombardeia numa verdadeira overdose de notícias. As redes sociais muito mais ainda. O que foi dito ontem já não tem validade para hoje. Os fatos são outros. Ou são deturpados a critério dos interesses econômicos, políticos, morais, imorais e amorais. O que era novo envelhece instantaneamente. Temos extrema necessidade de acompanhar os acontecimentos. O mundo gira mais rápido. Em síntese: 24 horas é pouco. Quase nada. A vida precisa ser vivida na intensidade dos fatos. É apenas um detalhe na turbulência da avalanche dos acontecimentos. Vida e morte se entrelaçam nas notícias como dados corriqueiros, que servem de rótulo para venda do produto diário: a notícia. Por trás de tudo, reitere-se, os interesses econômicos e políticos. Portanto, inafastáveis. Às vezes, inconfessáveis. Por esses interesses, a solidariedade se reveste de uma moldura que circunda um quadro de feira livre, ou seja: — de importância decorativa, servindo apenas de metáfora ao discurso dos detentores dos “poderes” econômico e político.

Os avanços foram imensos. Assim, terminamos um século em que o homem “tecnologicamente se diz” ser feliz, ou, se não alcançou a felicidade, andou bem perto disso. Mais que realização de sonhos: é a concretização de muitas utopias. Nesse acervo de conquistas, a Justiça impõe-se adequar-se, necessitando, para isso, sair do passado e viver não só o presente, mas o futuro.

Para isso, o que se faz essencial? O primeiro passo é entender-se que as grandes corporações nacionais e transacionais não têm nenhum interesse (mas nenhum interesse mesmo!) de que o Poder Judiciário mantenha o seu maior patrimônio, que é a credibilidade perante a sociedade, e, em decorrência, seja não só forte mas soberano nas suas decisões. Pelo contrário, deve-se constituir, nos anseios desses holdings, apenas numa moldura, num simulacro de poder. A partir dessa consciência crítica, a prestação dos serviços da Justiça deve ser necessariamente voltada para as carências da sua real demanda: a efetivação da cidadania, na concretização das suas conquistas libertárias.

Desse modo, os investimentos do Judiciário devem ter como meta prioritária o retorno imediato de resultados, que consistem na solução mais rápida e eficiente dos conflitos. E, então, como fazer? Investir-se apenas e com mais prioridade na instituição de uma justiça célere e mais eficiente na resposta a ser dada aos conflitos, fortalecendo a atuação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, e, ao mesmo tempo, melhorando, em todos os sentidos, o teor normativo da Lei n.º 9.099/95, para que a sua aplicação alcance a cidadania como um todo, podando algum formalismo que ainda a vicie. Enfim, deformalizar, de uma vez por todas, os entraves procedimentais. E ainda, para reforçar a definitividade das decisões, só se admitir o recurso com o depósito do valor condenatório, ou a prestação de garantia real.

Não está aí a descoberta da pólvora. Mas a realidade factível a nos rondar. A redenção do Judiciário, que, ao invés de fazer inúteis e polpudos investimentos na construção de prédios para abrigar ministros ou desembargadores, ou foros suntuosos, deve ser centrada na criação de instrumentos de acesso e democratização da justiça. A disseminação dos Juizados Especiais é a grande solução. Com magistrados e magistradas preparados para essa honrosa função jurisdicional. Liquida-se com o exacerbado formalismo, próprio da Justiça tradicional, e leva-se à sociedade o que ela mais almeja: solução rápida e eficiente dos conflitos, estabelecendo critérios de igualdade e paz social.


Ao lado de tudo isso, deve ser dada ênfase à conciliação, como está fazendo, como política de fomentação cultural, o Conselho Nacional de Justiça, ao fixar não mais apenas o dia nacional da conciliação — 08 de dezembro —, mas uma semana para ser realizado o procedimento conciliatório em todo o território nacional.

Com isso, ao dar-se relevância às técnicas de solução consensual de conflitos, estar-se-á contribuindo para construir uma cidadania mais sólida, porquanto firmada nos postulados da pacificação social. Não resta dúvida de que a grande revolução da Justiça brasileira consiste em voltar-se para os seus fins precípuos: o pronto, ágil e eficiente atendimento do povo, através da implantação em massa dessa prestação jurisdicional informallizada, ou de outros meios mais ágeis de solução de conflitos. Extinguir um processo por mero formalismo é dar passos para trás. De mais a mais, é impositivo que esqueçamos a nossa elite econômica. Esta tem horror ao Judiciário. Casemo-nos em definitivo com a carência de Justiça do povo brasileiro.

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