Governar não é desmontar o Estado
Algum brasileiro conhece o programa do governo para a Saúde e para a Educação?
Em novembro de 2018 escrevi (no Jornal Imparcial) o artigo “Mais Médicos: a insensibilidade” ao saber que o governo cubano anunciara o fim do Programa Mais Médicos (PMM), que atendia, desde 2013, 2.857 municípios brasileiros. A retirada dos médicos, segundo a imprensa e opiniões abalizadas, fora impulsionada por ‘questões diplomáticas’. Resumo dos fatos: Jair Bolsonaro, na qualidade de presidente eleito, colocava em dúvida a qualificação dos profissionais formados em Cuba e o acordo brasileiro, mesmo esse tendo sido realizado com a interveniência da Organização Pan-Americana da Saúde, de várias instituições nacionais de saúde e do Supremo Tribunal Federal. A posição já naquele momento parecia ter um olhar ideológico, ser uma caça às bruxas pois havia claros sinais de autoritarismo, homofobia e misoginia, bem como desconhecimento de leis e desrespeito às regras estabelecidas. Isso porque a posição do novo chefe do executivo mais parecia um disfarce. Eis as palavras do presidente eleito: “não se pode concordar com um contrato, cujo governo confisca 70% do salário dos médicos que trabalham. Isso é trabalho escravo”. Mas o disfarce nas palavras de alguém insensível logo sucumbiu sob o peso de decisões ou tentativas de decisões incoerentes, insensatas e antidemocráticas que adiante serão demonstradas.
1.Salário mínimo e seu novo cálculo – O Salário Mínimo é a menor remuneração permitida por lei para trabalhadores no país. Fixado pelo governo federal, começou a ser pago a partir de julho de 1940 e desde 2007 passou a ser calculado incorporando a inflação (regra constitucional) ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Foi esse cálculo que permitiu que chegasse em 2019 ao valor real de R$ 998 reais. Segundo o Dieese, caso o cálculo tivesse permanecido somente pela inflação o valor seria de apenas R$ 573! Fica aqui o alerta: assalariados brasileiros, preparem-se. As projeções fiscais a partir de 2020 indicam a queda do salário real. Por causa de declarações e ações, a relação governo/trabalhador é conflituosa. Iniciou com a reforma trabalhista e foi agravada com a extinção do Ministério do Trabalho, reduzindo-o a uma Secretaria subalterna sem que houvesse uma discussão sequer com os sindicatos e a sociedade, eles apenas instituíram a política de desmonte, vulnerando um dos pilares de luta do trabalhador. Pergunta-se: o que esperar de um governo que mesmo diante dos altos índices de desemprego sequer cogita desenvolver uma política que a combata (como bradava durante a campanha) e ainda apressa-se em contestar o IBGE, uma respeitável instituição do Estado responsável pela verdade dos dados divulgados?
2.Extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) – Em março de 2019, o Ministério da Saúde recuou parcialmente da decisão de extingui-la. Esse recuo foi motivado por inúmeros protestos de índios e entidades nacionais que juntos lutam por seus direitos. A Sesai coordena 34 Distritos Sanitários Indígenas (Dseis) que atendem 765 mil índios de 305 etnias espalhadas pelo Brasil. Contudo, sabe-se que esse recuo é parcial visto que o Ministro da Saúde manteve o grupo de trabalho que analisa mudanças na política indigenista e já propôs, entre outras, repassar parte do atendimento à saúde do índio para estados e municípios – e os Dseis já vinham sofrendo com a saída dos médicos cubanos. Com a insensata decisão de extinguir a Sesai, a relação indígenas/governo é tensa e conflituosa, e os fatos seguintes mostram claramente isso. Além das ameaças à integridade dos Dseis, soma-se o deslocamento da FUNAI para a pasta de Direitos Humanos e a mudança da atribuição de demarcação de suas terras para o Ministério da Agricultura, o que para o índio e para uma sociedade justa nada há de mais ameaçador. Ademais, a pasta da Agricultura é comandada por uma ministra que preside (ou presidia) uma Frente Parlamentar Agropecuária com farta representação na Câmara e no Senado e, segundo o Jornal Folha de São Paulo é acusada de se envolver em questões que interferem pesadamente na política indígena. Assim, o acúmulo de fatos promovidos por um governo que vem contestando os direitos constitucionais dos indígenas agravou-se ainda mais pela tentativa de extinguir o Conselho que discute temas relacionados à política indigenistas e à tentativa de impedir a reunião do Acampamento Terra Livre, evento que promovem desde 2004.
3.Extinguir colegiados da administração federal – Em 14 de abril de 2019, o governo Bolsonaro enalteceu a assinatura de um ato que pode vir a extinguir a participação da sociedade em seu governo, ou seja, dos conselhos ligados à administração federal. E combinado com esse ato ruinoso, o disfarce paranoico de comparar os conselhos a “sovietes do PT”. E pasmem, essa mutilação à democracia veio como prêmio de celebração das obras dos 100 dias de governo. De costas para a sociedade civil organizada, olvida o papel de centenas de conselhos federais como instrumento de controle social, salvaguarda de direitos e instrumento de aprimoramento da democracia. A alegação é pífia, infundada e destituída de qualquer fundamento de verdade. Ei-la: ‘Gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades ignorando a lei e atrapalhando propositadamente o desenvolvimento do Brasil não se importando com as reais necessidades da população’. Como cidadão fico imaginando uma caneta em mãos impróprias a extinguir o Conselho Nacional de Saúde e outros se estes não tivessem sido criados por lei para cumprir o desiderato constitucional de saúde como direito de todos e dever do estado. Espera-se aqui mais um ato a ser revogado por carecer de substância e reação dos colegiados e da sociedade.
4.Extinção de Cursos e Cortes das Universidades Federais – Somente a falta de apreço pela cultura, ciência e tecnologia faria alguém abraçar ideias de outrem, no caso, o Ministro da Educação A. Weintraub, que sem apresentar projeto para sua pasta anuncia, entre outras impropriedades, o bloqueio do orçamento da educação infantil à pós-graduação. Isto é o que faz o presidente Jair Bolsonaro aflorando o seu marcado sentimento de desprezo pela cultura e a severa perseguição a quem julga responsável pela doutrinação de esquerda no Brasil: as universidades federais e, no seu bojo, as ciências humanas com foco na Sociologia e na Filosofia, por usarem a razão como território inacessível aos dogmáticos. É notório que nenhum país do planeta Terra subestima o valor das ciências humanas como fulcro da evolução do pensamento abstrato e social comprometido pela luta contra as desigualdades, pobreza, falta de emprego e equidade.
Neste ponto acho pertinente perguntar: salvo a Reforma da Previdência apontada como a panaceia para todos os males e já utilizada como moeda de troca (em audiência no Senado Federal, o Ministro da Educação ameaça que o corte de verbas só serão repostos se os parlamentares aprovarem a Reforma da Previdência) e a Política Armamentista (que pode ser vista como o Estado se isentando do dever de proteger a população e passando essa responsabilidade para mãos inábeis e desesperadas do cidadão comum) algum brasileiro conhece o programa do governo para a Saúde e para a Educação? Ou então para enfrentar o Desemprego crescente, vencer a Pobreza ou para diminuir a Desigualdade entre os brasileiros?
A esperança está no Congresso Nacional, no Poder Judiciário e nas instituições democráticas em defesa dos seus direitos. Creio que por ora baste.