A reforma trabalhista em perigo
Conheço o presidente Fernando Henrique. Os nossos primeiros contatos ocorreram em 1980, por ocasião da greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Desde logo, passei a respeitá-lo como intelectual e político, admiração que se aprofundou quando exerceu com dignidade, zelo e eficiência a Presidência da República. A gestão que teria sido impecável ficou comprometida […]
Conheço o presidente Fernando Henrique. Os nossos primeiros contatos ocorreram em 1980, por ocasião da greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Desde logo, passei a respeitá-lo como intelectual e político, admiração que se aprofundou quando exerceu com dignidade, zelo e eficiência a Presidência da República.
A gestão que teria sido impecável ficou comprometida quando inadvertidamente promulgou a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada na Assembleia Geral de junho de 1982, relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
A convenção institui normas de interferência na vida das empresas, destinadas a impedir que ajuste o número de empregados às necessidades e conveniências.
É produto de ultrapassada fase em que se defendia a estabilidade das relações de trabalho, matéria do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo art. 500 prescreve: “O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas”. O dispositivo caiu em desuso com a aprovação da lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço em 1967, convertido em direito fundamental pela Constituição de 1988.
Pelo Decreto Legislativo nº 68/1992, o Congresso Nacional aprovou o texto da referida convenção, que o presidente Fernando Henrique promulgou mediante o Decreto nº 1.855/1996. Refiro-me à inadvertência porque, em 1996, vigorava a Constituição de 1988, cujo art. 7º, I dispõe sobre a relação de emprego, para protegê-la “contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
A proverbial ineficiência do Poder Legislativo permite que dispositivos constitucionais aguardem regulamentação 30 anos depois da promulgação. Na ausência da lei, empregadores e empregados recorrem ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), cujo art. 10, trata precariamente do assunto.
Ao tomar ciência do equívoco, o presidente Fernando Henrique utilizou-se do instrumento da denúncia, o que fez mediante o Decreto nº 2.100/1996. O problema, porém, já estava criado e foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), protocolada no Supremo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Ajuizada em 19/6/1997, a ADI foi distribuída ao ministro Maurício Corrêa, que julgou procedente a ação em 2/10/2003, sendo acompanhado pelo ministro Carlos Ayres de Brito. Pediu vista, na ocasião, o ministro Nelson Jobim, que, na sessão de 29/3/2006, votou pela improcedência. Passados mais de 22 anos, o processo aguarda decisão. Nesse ínterim, ministros votaram, faleceram ou se aposentaram.
O próximo voto será do ministro Dias Toffoli, que formulou pedido de vista regimental em 8/12/2016. A demora na devolução fez com que a Procuradoria-Geral da República ingressasse, no dia 6 deste mês, com requerimento de prioridade para o julgamento da longeva ação. Com a composição substancialmente alterada, como decidirá o Supremo Tribunal? Registre-se que, ao votar, o ministro Dias Toffoli estará se dirigindo à maioria de ministros mortos ou aposentados, pois da composição original permanecem em atividade apenas os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
Pouquíssimos países filiados à OIT ratificaram a Convenção nº 159. São, na maioria, pequenos, com vida econômica inexpressiva, como o Zaire e o Gabão. Entre os grandes, apenas Venezuela, Espanha, França e Suécia. As taxas de desemprego são, respectivamente, de 44,3%, 20%, 10% e 7%. Países que não a ratificaram revelam desempenho superior, como sucede com China, Coreia do Sul, Japão, Alemanha, com reduzidas taxas de desocupação.
Ou o governo encaminha imediatamente projeto de lei complementar ao Poder Legislativo, destinado a regulamentar o inciso I do art. 7º da Lei Fundamental, ou o ministro Dias Toffoli, no exercício da presidência, chama o processo à ordem para ordenar o sorteio de novo relator e reiniciar o julgamento com a composição atual. A delicadeza do assunto exige providência de interesse nacional. Tentar garantir empregos por lei ou decisão judicial estimulará demissões e trancará as portas do mercado de trabalho para mais de 13 milhões de desempregados.