VII Plenária Estadual da Rede Mandioca celebrou 15 anos da articulação
VII Plenária Estadual da Rede Mandioca celebrou 15 anos da articulação.
Oriundos de mais de 30 municípios de todas as regiões do Maranhão, 110 representantes de comunidades e grupos produtivos filiados à Rede Mandioca estiveram reunidos em Vargem Grande entre os últimos dias 19 e 21 de outubro. Em sua sétima plenária estadual, a Rede Mandioca, que está completando 15 anos em 2023, elegeu também sua coordenação estadual para um mandato de três anos, quando deve acontecer sua próxima plenária, e revisou sua Carta de Princípios, documento que norteia as ações de seus filiados, na adoção de princípios agroecológicos e da economia popular solidária.
Era um momento de refletir sobre passado, presente e futuro da iniciativa, surgida em um contexto de combate ao trabalho escravo – em 2008 o Maranhão era um dos recordistas em fornecimento de mão de obra – e avanços na melhoria da produção e comercialização de derivados da raiz que empresta o nome à rede, mas que acabou se expandindo para campos os mais diversos, como a criação de pequenos animais, o extrativismo e o artesanato.
A VII Plenária Estadual da Rede Mandioca teve por tema “15 anos fortalecendo a agricultura familiar agroecológica e lutando por direitos” e uma mesa no primeiro dia de programação buscava olhar os desafios de fortalecer a agricultura familiar em rede, formada por filiados à Rede Mandioca e por Lucineth Machado, secretária executiva da Cáritas Brasileira Regional Maranhão, organismo da Igreja Católica que anima a articulação.
“A diversidade da Rede é um retrato da sociedade que a gente sonha e deseja”, afirmou ela, referindo-se aos integrantes ali reunidos, entre muitos jovens e adultos, lavradores, catadores, mulheres e negros. “A Rede vem se fortalecendo como organização e dando visibilidade e importância a pessoas historicamente invisibilizadas”, continuou.
Ao longo de sua história a Rede Mandioca já implementou 27 casas de farinha, facilitando e melhorando o trabalho de produção de farinha de mandioca. Com apoio da Fundação Interamericana (IAF na sigla em inglês), implantou os fundos de crédito rotativo solidário, que é retroalimentado com o pagamento dos que acessam o crédito. Já foram apoiados 41 grupos em 20 iniciativas, totalizando 53 projetos, desde 2019. Desde sua implementação o fundo já concedeu crédito solidário na ordem de 460 mil reais.
O lavrador Zé Vando, do Assentamento Alegre (em Alto Bonito, Riachão/MA), formado por agricultores familiares que vivem da terra, afirmou que “foi através da Rede Mandioca que me tornei o homem que sou”. A articulação ajudou a melhorar também a autoestima dos agricultores filiados e, neste sentido, comprova o sucesso da iniciativa no combate ao trabalho escravo.
O jovem – como Zé Vando havia vários outros presentes – já percebe que é possível viver dignamente da agricultura familiar e, não enxergando isso como motivo de vergonha, permanece em seu lugar. Sua comunidade foi uma das beneficiadas com casas de farinha, fazendo a produção do lugar saltar de sete para 25 sacas diárias.
“A agricultura não pode ser vista como um castigo”, complementou o agricultor familiar Zé Filho, de Loreto/MA. “É necessário que estejam em pauta políticas públicas voltadas para agricultura familiar e juventude, para a geração de trabalho, emprego, renda e dignidade. A Cáritas tem mostrado possibilidades concretas, com os fundos de crédito rotativo solidário, que têm mudado a vida de comunidades e grupos produtivos”, continuou. A Rede Mandioca tem ajudado a mudar uma realidade literalmente de fome, algo de que atualmente nenhum membro seu padece.
Na manhã do segundo dia de atividades, o advogado e ambientalista Guilherme Zagallo realizou uma análise de conjuntura, citando questões como o calor que assolava o Brasil – e particularmente o município de Vargem Grande, que chegou a registrar temperaturas de 40ºC durante o encontro –, relacionando-o a contexto de opção de sucessivos governos por modelos equivocados de desenvolvimento. “2023 provavelmente será o ano mais quente da história”, advertiu. O palestrante também não esqueceu do desmantelo político vivido pelo Brasil após o golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff do Palácio do Planalto, em 2016, e tudo que o sucedeu.
Zagallo trouxe diversos dados em sua intervenção, entre eles a taxa de pobreza no Maranhão (58,9%, a maior do Brasil), estado que ainda tem maioria da população em zonas rurais, apesar de o quadro estar se revertendo progressivamente, com cada vez mais a ocupação de áreas urbanas. O Maranhão tem a segunda maior taxa de trabalhadores informais do país: 59,4%. “A presença maciça de jovens à plenária é algo que me chama a atenção”, disse. Ele destacou ainda o impacto do uso de agrotóxicos na vida e na saúde da população, lembrando o recorde de liberações de vários tipos do produto durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022).
Há cerca de ano e meio – devido a um adiamento causado pela pandemia de covid-19 – a Rede Mandioca vem sendo pesquisada. Um grupo de professores e estudantes das Universidades Federal (UFMA) e Estadual do Maranhão (UEMA), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), vem traçando o perfil dos filiados à rede.
O professor Marcelo Carneiro (do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA), observado por estudantes e demais presentes à plenária, apresentou os resultados da citada pesquisa, que será publicada em livro em breve. As incursões em campo do Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Sociedade (GEPTS), apontam dados interessantes: se a maior parte dos respondentes estudou apenas até a quarta série, 3,5% dos entrevistados cursa ou concluiu o nível superior.
75% participa de sindicatos, 24% de cooperativas e 68% de associações – a soma dos percentuais é superior a 100 por muitos deles fazerem-no simultaneamente. O resultado da pesquisa traz inúmeros outros dados, com informações sobre o perfil produtivo dos grupos filiados à Rede Mandioca e o volume de sua produção.
A tarde do segundo dia foi dedicada a intercâmbios: os participantes do encontro visitaram experiências filiadas à Rede Mandioca, nas zonas urbana e rural de Vargem Grande, incluindo a Cooperativa Agroextrativista dos Pequenos Produtores Rurais de Vargem Grande (Coopevarg) e grupos produtivos no bairro Rosalina, além de povoados como Sororoca, Caetana, Remédios e Riacho do Mel.
E a noite foi de festa: uma feira da agricultura familiar aconteceu no Centro de Comercialização Quilombola de Piqui da Rampa, como parte da programação da plenária, com a presença da sociedade local, além de apresentações culturais como tambor de crioula e forró pé de serra e a comercialização da produção de grupos filiados à Rede Mandioca.
Pe. Isaque (pároco de São Benedito do Rio Preto/MA) celebrou a missa de encerramento do evento, com alguns avisos ao final – traduzindo a metáfora da articulação estar em movimento, ou seja: o encontro acabava, o trabalho não. A Rede Mandioca – junto com as Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Regional NE 5) e outras organizações da sociedade civil – irá participar do processo de criação da lei de iniciativa popular para proibir a pulverização de agrotóxicos por aviões mobilizando a coleta de assinaturas em todo o Estado. E na Romaria da Terra e das Águas, que irá acontecer ano que vem, fazendo o percurso entre Santa Inês e Pindaré-Mirim, serão distribuídas e plantadas mudas de árvores de diversas espécies – a recomendação é que cada romeiro e romeira leve mudas e sementes, distribuindo e assim ajudando a reverter as altas temperaturas no planeta. Pela disposição dos envolvidos, nem mesmo o calor forte os fará esmorecer.
*ZEMA RIBEIRO é jornalista. Coordenador de produção da Rádio Timbira, produz e apresenta os programas Balaio Cultural (com Gisa Franco, aos sábados, das 13h às 15h) e Radiola Timbira (aos domingos, de meio-dia às 13h). Escreve no Farofafá