Mulheres apostam na defesa pessoal
Em 2021, Maranhão registrou 57 casos de feminicídio. Para fugir das estatísticas, as mulheres estão buscando meios de se defender.
Todos os dias os noticiários estampam notícias de violência contra a mulher. Agressão verbal, física ou psicológica, praticada em casa, em ambiente de trabalho, na rua, na escola, mulheres passam por isso todos os dias. Agora mesmo, enquanto você está lendo esta reportagem, uma mulher está sofrendo uma agressão.
No ano passado, o Maranhão registrou que 57 mulheres foram vítimas de feminicídio, de acordo com informações do Departamento de Feminicídio da Polícia Civil do Maranhão. Em 2020, o número foi superior ao de 2021. Ao todo, 60 mulheres foram assassinadas e, em 2019, foram 48 mulheres mortas.
Segundo a Rede de Observatórios da Segurança, entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, foram registrados 67 casos de feminicídio e violência contra a mulher no estado.
Em se tratando de Brasil, o mais recente levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou que 1 em cada 4 mulheres brasileiras acima de 16 anos (24,4%), ou seja, cerca de 17 milhões de mulheres, afirmaram ter sofrido alguma forma de violência durante a pandemia do covid-19, especificamente nos últimos 12 meses. Ainda, 5 em cada 10 brasileiros (51,1%) apontaram ter presenciado algum tipo de violência contra a mulher no seu bairro ou comunidade durante o último ano.
Para fugir das estatísticas, as mulheres, um dos públicos mais vulneráveis à violência, estão buscando meios de se defender. E uma dessas formas são as artes marciais, mais especificamente um método que ensina defesa pessoal, o Krav Magá.
A modalidade, não é arte marcial. É uma luta de autodefesa, reconhecida mundialmente como a arte de defesa pessoal. Criado pelo israelense Imi Lichtenfeld nos anos 1940, com o intuito de defender os judeus durante o período de ativismo antissemita em Bratislava, foi desenvolvido para ser utilizado em situações de luta pela sobrevivência, enfatizando a neutralização de ataques, manobras de defesa e ataques simultâneos.
Na capital, segundo o instrutor de krav magá e coordenador da equipe DKM, Jodson Diniz (faixa preta em Karatê, Taekwondo e Krav Magá), há uma procura grande de mulheres para aprender krav magá, especialmente com o intuito de auto defesa.
“Infelizmente muitas mulheres são vítimas de violência tanto em casa, no caso de violência doméstica, quanto na rua, com assaltos, roubos, assédio, e isso faz com que elas queiram se proteger, se defender de algo que possa acontecer. Muita gente, às vezes, não procura a academia por desconhecer o objetivo, ou por vergonha de já ter sido vítima. Mas em geral, o objetivo é esse, se defender”, disse
Uma vez na academia, a mulher, segundo Diniz, acaba soltando que já foi uma vítima de violência e que está ali para se defender. A partir daí, segundo ele, é trabalhada a necessidade da mulher.
A advogada Kelly Karen Serra, atuante no combate à violência contra a mulher, presidente do Instituto Empoderar-se sabe bem sobre esse universo, uma vez que é especialista do direito da mulher e direito de gênero.
Desde os 20 anos praticando artes marciais, ela conta que a decisão de aprender uma luta foi justamente para se defender, além de buscar uma vida mais saudável. “Eu gostaria de me defender caso fosse necessário. Depois eu parei e comecei as aulas de defesa pessoal. A busca da mulher em geral, quando ela tem essa atitude, é para se defender. Se for preciso, que a gente saiba de que forma reagir”, disse Kelly.
Nas aulas, além da defesa física, as mulheres aprender a ficar em estado de alerta, a se antecipar a uma ocasião e estar com o psicológico preparado para qualquer situação.
Kelly contou que já foi vitima de assalto e que o ladrão saiu sem levar nada, graças à reação dela. “Ele tentou puxar a minha bolsa e eu puxei de volta. Houve um embate e como havia gente ao redor, ele desistiu. São técnicas que a gente aprende, algo de treinamento, mesmo, como a forma que se tem que reagir ao tentar pegar a bolsa. Ou ainda situações que a mulher passa em alguma festa, ou algum ambiente mais festivo, tipo quando alguém puxa o braço, puxa pelo cabelo, ou uma entrada que a mulher se sente desconfortável”.
Em outra ocasião, em um festa de carnaval em uma cidade da Baixada. Ela ia passando no corredor e um rapaz a puxou para dar um beijo. Ela não pensou duas vezes e deu uma joelhada nos testículos do rapaz. “Uma das táticas que a gente aprende é atingir os pontos fracos. Depois eu fui embora como se nada tivese acontecido. São essas coisas que dão resultado que me fazem querer me aprimorar mais. Hoje além das aulas de defesa, tenho também as aulas de tiro”, contou.
A advogada Eline Melo está há um mês fazendo aulas de krav magá. Segundo ela, a vontade de aprender veio depois de ver o curso e aprender algum tipo de defesa. Antes disso, ela foi ameaçada por um ex-cliente. “Como você sabe, todos os dias muitas mulheres sofrem algum tipo de agressão, física, verbal ou psicológica. Por conta disso, eu acho que a gente tem que ligar o alerta, tomar algum tipo de medida para se defender, o mínimo possível”, disse.
Eline também já foi assaltada algumas vezes, uma delas com arma de fogo. Hoje ela acredita que já tem uma noção de prevenção. “Acho que é necessário nos dias de hoje. Para você ter ideia, uma pessoa próxima a mim simplemente agrediu (forcou) a esposa dele. Se gente tiver o mínimo de conhecimento a gente pode se sair, ter alguma reação”, comentou.
Reagir ou não reagir
Segundo Diniz, depende do momento, das circunstâncias. “Vai depender do cenário. A pessoa também tem que agir na prevenção”.
Para Kelly, é importante que as mulheres saibam ao menos o mínimo para se defender. “O que todo mundo indica é que a gente não faça nada, porque às vezes o bandido vem desesperado e até um grito pode assustar e ele atirar, como já aconteceu comigo e eu fique paralisada, não tive reação. Mas em contrapartida, se a gente for parar para analisar, a cada uma hora 7 mulheres são estupradas no Brasil. Nesses casos a gente não tem o que fazer, a não ser tentar correr da situação. Eu sou uma propagadora da defesa pessoal, porque a gente acaba ficando vulnerável em determinados ambientes e se a gente souber pelo menos o mínimo para se defender, já é importante.”