NOVO CORONAVÍRUS

Vacinação contra a Covid-19 em aldeias do Maranhão

De acordo com o boletim epidemiológico divulgado no dia 3 de março pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), já foram aplicadas 14.951 vacinas no estado, sendo que 9.968 receberam a primeira dose e 4.983 a segunda

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Maroquinha Neto Bernardinho Guajajara tem aproximadamente 47 anos e 14 filhos. Enquanto alguns eram vacinados, outros procuraram o colo da mãe com medo e vergonha do homem branco. Na luta contra a Covid-19 em território indígena, primeiro pedimos ao cacique autorização para entrar na aldeia, depois os enfermeiros percorrerem as casas para convencer os maiores de 18 anos a receberem o imunizante. Os caciques com quem tive contato, conscientes dos efeitos devastadores da doença, não só encorajaram seus pares como aceitaram serem os primeiros vacinados para servirem de exemplo. A vacina finalmente chegou, mas o bizarro discurso anti-imunizante do presidente Jair Bolsonaro foi mais rápido. Com medo de morrer ou se transformar em jacaré, alguns indígenas mostraram resistência e outros, infelizmente, se recusaram a tomar a vacina.

Na Aldeia Capim Duro, distante 80 km do núcleo urbano de Grajaú, no interior do Maranhão – 565 km da capital São Luís -, onde fotografei Maroquinha e seus descendentes, todas as mulheres receberam a segunda dose. Os homens estavam na lavoura, em algum lugar distante, no meio da floresta, em um local que o carro não chegava. Depois de algumas horas esperando, os enfermeiros deixaram avisados os moradores que retornariam nos próximos dias e, assim, seguimos viagem.

Outras três aldeias compõem aquela região: Nova Josiel, Mangueira e São Pedro dos Cacetes, onde encontramos o cacique Marcelino Guajajara, casado com a técnica de enfermagem Marinista Guajajara. Ele explica que, ao lado da esposa, organizou um trabalho de mobilização antes da chegada dos profissionais de saúde. “Nós fomos de casa em casa explicando que a vacina era pra combater a doença, explicamos tudo para os parentes. Só três recusaram no começo, mas depois que todo mundo tomou a primeira dose eles acabaram tomando também”, disse. O relógio marca meio-dia e, debaixo do sol escaldante, rumamos para a próxima parada.

Um ano após eclosão da pandemia no Brasil, estou acompanhando a expedição dos agentes do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), responsáveis pela vacinação dos povos originários, e a Força Estadual de Saúde do Maranhão (Fesma), que foi destacada pelo governo estadual para reforçar o contingente na linha de frente da campanha em território indígena. Segundo o Censo de 2010, o Maranhão possui 35.272 indígenas de oito etnias: Guajajara, Awá-Guajá, Ka’Apor, Krenyê, Canela, Krikati, Gavião e Timbira. Mas, de acordo com o Ministério da Saúde, a população com mais de 18 anos atendida pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) é 18.708 pessoas. A vacina não é recomendada para menores de 18 anos e gestantes. De acordo com o boletim epidemiológico divulgado no dia 3 de março pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), já foram aplicadas 14.951 vacinas no estado, sendo que 9.968 receberam a primeira dose e 4.983 a segunda.

Muitas aldeias ficam em lugares isolados e apenas carros com tração nas quatro rodas conseguem enfrentar as estradas de terra. Em alguns lugares o acesso se dá apenas por barco. Contudo, mais difícil do que a distância, os envolvidos na vacinação dizem que o pior inimigo são as notícias falsas, como afirma o enfermeiro Henrique Queiroz, escalado pela Fesma para atuar nas aldeias do município de Barra do Corda. “Nós já tivemos indígenas que relataram medo de virar jacaré ao serem vacinados. Por incrível que pareça existe essa questão dentro das aldeias. Seja pela internet, pelo rádio ou pela televisão, eles recebem essas informações e alguns possuem dificuldade de checar para saber se é verdade ou não”, conta.

Apostando na ciência para combater notícias falsas, teorias da conspiração e discursos negacionistas, enfermeiros, médicos e assistentes sociais estão desenvolvendo atividades de educação em saúde nas aldeias, como palestras e diálogos com caciques e chefes de família. Auxiliar Indígena de Mobilização e Políticas Sociais, José Raimar Guajajara é o responsável por fazer a abordagem inicial na expedição que acompanho. “Eu chego nas aldeias e converso com os parentes em tupi-guarani, vou abordando várias questões, falo que precisamos ter amor pelo próximo, que não precisamos ter medo da vacina, digo que tudo isso que está circulando na internet é mentira”. No início da pandemia ele perdeu o pai, o avô e duas tias. “Não é fácil perder pessoas queridas. Essa doença ainda é um enigma, todo dia tem uma novidade, e nós, indígenas, somos altamente vulneráveis, seja por questões de acessibilidade, geográficas ou culturais. Então eu chamo os parentes: tomem a vacina! Se a gente ama as pessoas, nossos irmãos e irmãs, esposa, marido, nós precisamos nos precaver. Para mim, tomar a vacina é um ato de amor”, afirma Raimar.

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