Quilombolas ganham representação após as eleições de 2020
Com um expressivo número de vereadores, representantes quilombolas ou ligados ao movimento, no Maranhão, eleitos pretendem ser voz nos espaços de poder
O Maranhão tem agora 16 quilombolas eleitos para o executivo e legislativo. São 14 vereadores e 2 vice-prefeitos que irão legislar e comandar o executivo nos próximos 4 anos. O estado é o primeiro colocado, segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a ter esse expressivo número de vereadores representantes quilombolas eleitos. Em seguida vem Minas Gerais, com 13 vereadores, e Goiás com 6.
Do Maranhão, 11 vereadores são de Alcântara. O município também elegeu o vice-prefeito Nivaldo Araújo, do PROS na coligação Rumo a Novas Conquistas. Natural de São Luís, Nivaldo Araújo tem 45 anos e é servidor público. Alcântara é o município com maior número de quilombos no Brasil, com quase 200 comunidades, onde vivem mais de 3,3 mil famílias, totalizando cerca de 22 mil pessoas.
O outro vice-prefeito eleito é de Bacuri, Jovan Cunha Silva, de 42 anos, pelo partido PDT na coligação Nação Vencedora. Bacuri fica na baixada maranhense, à noroeste de São Luís, e tem uma população estimada em 20 mil habitantes de acordo com o último censo, e 14 áreas quilombolas, sendo 8 reconhecidas pela Fundação Palmares.
Jovan Cunha Silva é vereador de segundo mandato e agora foi eleito vice-prefeito ao lado do prefeito Dr. Washington. Natural de Bacuri, Jovan diz que a luta está apenas continuando, e que ele começou a entender a luta do povo negro depois que se envolveu com os grupos de São Luís.
“Sou do movimento quilombola, sou negro, filho de negros, conheci a luta do nosso povo. Você sabe, sendo do interior a gente não tem acesso a tudo, então, a partir do ano 2000 quando fui para São Luís estudar no Seminário da igreja católica, foi que conheci a luta do movimento negro, em São Luís, através do Centro de Cultura Negra, Aconeruq (Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão), GDAM e todos esses grupos. Em 2005 eu saí do Seminário e tinha um padre aqui na paróquia, o padre Gerson, muito envolvido e interessado no movimento, que começou a me incentivar para gente lutar, organizar as comunidades na busca por nossos direitos. Assim, organizamos, juntamos as pessoas, com orientação do pessoal dos grupos de São Luís, passamos a participar de todos os eventos do movimento negro, fazendo um grande despertar para nossas lutas”, disse.
Com a representatividade na política ele quer dar continuidade à luta do povo negro. “A luta é árdua, porque mesmo a gente estando em um país democrático, com a maioria negra, e muitos dizendo que não tem racismo de verdade, existe racismo, existe preconceito e a cada dia a gente tem que lutar contra isso. A gente pensa que a nossa luta é em vão, e que a gente não é referência, não está despertando nas nossas comunidades a importância da luta. Mas aí depois da eleição fui a algumas comunidades e as pessoas me diziam o quanto estavam felizes em, pela primeira vez, ter um vice negro, e que a gente ia chegar lá. Ali eu me dava conta de que talvez o processo que a gente fez até aqui não foi em vão. Eu senti que de fato a luta vale a pena e que o exemplo da gente transforma a vida da comunidade. Isso é muito importante para a luta do negro em todo esse tempo de falta de oportunidade, de inclusão”, avaliou Jovan.
Número de eleitos pode ser maior
Em todo o Brasil o Conaq mapeou 81 quilombolas eleitos sendo: 2 prefeitos, 9 vice-prefeitos (as) e 68 vereadores. Apenas a Região Sul não teve quilombolas confirmados para o próximo mandato nem no executivo, nem no legislativo. Foram cerca de 500 candidaturas em todo país. Porém, de acordo com o Secretário de Estado de igualdade Racial, Gerson Pinheiro, esse número pode ser bem maior, considerando moradores de quilombos que foram eleitos, que não estão ligados diretamente a algum grupo ou movimento, e que por não serem militantes não entraram no mapeamento.
“A Conarq faz o levantamento dos militantes do movimento que se elegeram. No Maranhão, de acordo com informações que tem chegado, esse número é maior, porque além dos militantes, tem moradores de quilombos que talvez por falta de oportunidade ou de conhecimento, não militam no movimento. Um mapeamento maior deve ampliar esse número e acredito que vai ajudar o movimento social em si, primeiramente, e os próprios órgãos que trabalham as políticas afirmativas voltadas para a população negra. É a oportunidade para também chamar essas pessoas para essa luta”, avalia Pinheiro.
O Coordenador da Conaq, Antônio Crioulo, avalia os resultados como fortalecimento da pauta quilombola. “Esse resultado representa acima de tudo o reconhecimento da luta incansável dessas lideranças pelos seus territórios”, destaca.
A presença de quilombolas no legislativo e executivo assegura a visibilidade da pauta e garantia dos direitos. As pautas relativas à realidade quilombola englobam, além de educação e saúde, o acesso ao território e ao fortalecimento da identidade quilombola, e ainda sub-eixos como, a questão do acesso a emprego e renda, à sustentabilidade, à agricultura.
Para Gerson Pinheiro, o resultado dessas eleições é fruto de uma organização dos movimentos sociais dentro das comunidades quilombolas e representa um avanço na discussão em prol de candidaturas para a representatividade quilombola nas eleições vindouras.
“Fazer com que pessoas militantes do movimento, moradores dos quilombos cheguem ao parlamento representa a visibilidade desse povo e do trabalho deles. À medida que eles ocupam outros espaços de poder, há uma ampliação dessa visibilidade, que facilita a busca de direitos das políticas afirmativas, e inclusive de fazer frente a toda essa perda que a população negra, a indígena, tiveram durante séculos e séculos no nosso país. O que está se vendo é um movimento importante desses grupos, aproveitando esse clima internacional na luta pelos direitos, mas que se expressa de forma mais forte no Estados Unidos. Isso fomentou essa busca de visibilidade e de representação do trabalho. Eu creio que para 2022 essas pessoas que ocupam o parlamento voltarão a se organizar de novo e conquistar mais espaços”, acredita Gerson Pinheiro. Segundo a Secretaria de Estado de igualdade Racial, no Maranhão existem 1.121 comunidades quilombolas, das quais 483 tem a certificação da Fundação Cultural Palmares. Neste ano, 69 comunidades foram certificadas. A certificação é a primeira etapa do processo de titulação, que pode culminar com a posse definitiva do território. A SEIR está em 75 dos 217 municípios maranhenses.