PENÍNSULA

Área nobre de São Luís já foi habitação de casas humildes; conheça a história da localidade

O local é hoje um dos lotes de terra mais caros de São Luís

Foto: Reprodução

Local nobre, onde estão situados os imóveis de alto padrão mais valorizados do mercado imobiliário de São Luís, a Península, localizada na Ponta d’Areia, ganhou os noticiários, a internet, correu de boca em boca, nas duas últimas semanas. O motivo? Para alguns o local deveria ser exclusivo para “pessoas de alto padrão social”.

A polêmica se formou depois que uma festa regada a pagode reuniu centenas de pessoas na praia em um ponto denominado “Posto A”. Em meio à pandemia do novo coronavírus, a aglomeração poderia ser a principal preocupação, mas o que chamou a atenção dos moradores do lugar foi o tipo de pessoa que estava frequentando a praia. Logo ali, que antes da especulação imobiliária era povoado por pessoas de classes menos abastadas, como os pescadores, por exemplo?

De localização privilegiada e com potencial turístico dado o seu caráter de cartão postal, o local onde havia apenas casas humildes, nas primeiras habitações, deu lugar a grandes empreendimentos imobiliários, bares, hotéis, restaurantes. O local é hoje um dos lotes de terra (metros quadrados) mais caros de São Luís, com apartamentos que chegam a custar 4 milhões. Com a última revitalização urbana realizada pelo governo do estado e prefeitura, a construção do Espigão Costeiro, a reforma do Forte Santo Antônio, entre outros atrativos, o belo cartão postal de São Luís é sonho de consumo de muitas pessoas.

De acordo com o jornalista Antônio Nelson Faria, a Península é uma nesga retirada da Ponta d’Areia que se transformou no mais sofisticado bairro da cidade. O nome “Península” foi cunhado pelo empresário Chico Rocha, proprietário da empresa Francisco Rocha Consultoria Imobiliária.

“A iniciativa surgiu com a possibilidade de diferenciar o novo espaço na Ponta d’Areia e transformá-lo em nova área residencial, semelhante a requintada Península da Barra, do Rio de Janeiro, e construir no local prédios luxuosos, cobrando o metro quadrado mais caro de São Luís. Essa transformação acontece com a visita à cidade do maior incorporador imobiliário do país, Elie Horn, dono da Cyrela Brazil Realty, a convite de Chico Rocha. O empresário já tinha adquirido antes os terrenos pertencentes ao Grupo Supermercados Lusitana na Ponta d’Areia e Cohafuma, onde implantou os condomínios Farol da Ilha e Jardim de Provence – conhecido como Jardins -, ambos de alto padrão”, disse o jornalista.

Logo, logo retomaremos esse ponto. Hoje o acesso à área pode ser realizado pelas avenidas Marechal Castelo Branco, Colares Moreira, Litorânea, Holandeses, Ferreira Gullar, mas antes, era apenas por canoas e pequenas embarcações que saíam do Cais da Praia Grande, uma vez que a ponte José Sarney só foi construída em 1970, ligando o Centro ao São Francisco.

Os primeiros moradores

Em pesquisa, o então estudante de Geografia, Thiers Fabricio Santos, aponta o surgimento dos primeiros moradores e faz uma análise do bairro.

No início da colonização no Maranhão, a Ponta d’Areia limitava-se onde até então era o Forte de Santo Antônio da Barra e foi lugar estratégico para possíveis ataques de invasores, assim como servia de apoio a outros fortes como é o caso dos de São Marcos e do São Francisco, que foram construídos no século XVII pelos franceses.

“Nos séculos XIX e XX, era habitado em sua grande maioria de pescadores e de pessoas que se utilizavam da coleta extrativista como fonte de renda, como é o caso de mariscos (caranguejo, sarnambi e o siri). Nas décadas de 1950 a 1960 esses pescadores também trabalhavam no transporte de pessoas, que precisavam atra- vessar o Rio Anil e se deslocar para onde hoje é o bairro do São Francisco ou o Centro Histórico. O bairro Ponta d’Areia era conhecido como área de lazer para as famílias ludovicenses, devido à sua beleza paisagística, a carência de opções para lazer e por ser a parte da orla marítima mais próxima do centro da cidade, sendo o lugar mais apropriado para o lazer”, escreveu Thiers Fabricio Santos.

Urbanização

Foi a partir das década de 1970 que um projeto de urbanização realizado na gestão do então prefeito da capital Haroldo Olympio Lisboa Tavares, deu início ao formato que vemos hoje.

O engenheiro civil Luiz Raimundo Carneiro de Azevedo, que participou do projeto como conselheiro, disse que o prefeito negociou, junto ao serviço de Patrimônio da União e à Capitania dos Portos, a utilização do local para gestão da prefeitura, negociação essa, sob o conceito de ser São Luís, uma Ilha Oceânica.

“Data de 1972, quando foi criada a SURCAP (Superintendência de Urbanização da Capital), o projeto de ocupação ordenada de terrenos da Ponta d’areia. O projetista foi o arquiteto Antônio Carlos Linheiros, que contou com a ajuda do engenheiro Adolfo… na época secretário municipal. Com esse projeto, foi feito um edital de chamamento para pessoas interessadas em comprar, dentro das normas do edital, lotes de tamanhos variados, tipos glebas. O projeto foi um sucesso. Pessoas físicas e jurídicas compraram vários lotes, como empresas de engenharia”, disse ele.

Os valores dos terrenos eram considerados razoáveis. Segundo o engenheiro, o que os encareciam eram as taxas que tinham que ser pagas tanto de tributos municipais, o IPTU (Imposto Predial Territorial e Urbano), quanto federal, para a União, que eram as taxas de ocupação.

“Quando eu era criança a gente costumava passar férias na praia, meu pai alugava um casebre, moradia de pescadores. Vínhamos de barco, porque ainda não tinha ponte e a água era limpa, maravilhosa. Agora essa história de Península foi besteira, coisa da especulação do mercado imobiliário que fez a área ter valores altíssimos, e que mais recentemente foi alvo de confusão causada por gente burra que estimula a segregação”, comentou Luiz Raimundo.

O engenheiro civil Adolfo Von Randow, que ajudou a executar a obra na época, disse que antes do projeto de urbanização a Ponta d’Areia era uma área de invasão de classe média. Para que o projeto de urbanização fosse adiante era necessário fazer a desapropriação dos terrenos.

“Foi então que a prefeitura começou a fazer acordos para que eles pudessem ser ocupados legalmente. Muitas pessoas não moravam lá. Usavam a casa para férias, veraneio… Eram poucas casas, sem muito valor venal, porque eram casas provisórias. Então não foi difícil essa negociação. Fizemos todo o projeto dentro do Plano Diretor pensando no futuro, para construção dos prédios, de estacionamentos, de bares, levando ao que ficou hoje”, disse o engenheiro.


Mas foi no final dos anos 1980, início de 1990 que, com a expansão da cidade, chamada “cidade nova” a Ponta d’Areia se tornou alvo das imobiliárias. Thiers Fabricio Santos atestou que em 1994 o bairro não possuía ainda um grande número de casas, comércios, comparados a bairros adjacentes, como é o caso dos bairros do São Francisco e Renascença.

“Ainda havia uma área significativa de cobertura vegetal e pequenas áreas de mangue. A partir da década 1990, com o avanço da cidade em direção às praias e o desmatamento das matas ciliares ao redor da Laguna da Jansen, que o bairro da Ponta d’Areia começou a se expandir em meio aos vazios demográficos, que anos mais tarde se tornariam condomínios de alto padrão de luxo, como é o caso da Península da Ponta d’Areia”.

A história, por Antônio Nelson Faria

Retomando o ponto da urbanização do bairro, de acordo com Antônio Nelson Faria o seu Elie Horn, dono da Cyrela Brazil Realty, se encantou com a expansão da cidade e adquiriu grande parte dos melhores áreas disponíveis de frente para o mar implantando prédios de alto luxo, o que ajudou a fixar o nome de Península.

“Antes, a Ponta d’Areia recebera projeto urbanístico elaborado pelo arquiteto maranhense Antônio Carlos Linheiros, nos anos setenta do século passado. Em um dos seus melhores lotes seria construído o Hotel Tropical, da Varig. Como a empresa aérea começou a ter problemas financeiros o plano sucumbiu, e um dos seus funcionários, o Seu Hercílio permaneceu no local e fundou o bar e restaurante Tia Maria que ficou em atividade por longo tempo”, contou o jornalista.

A primeira casa construída no local foi do empresário Simão Félix. O primeiro prédio residencial da Península, ainda de acordo com Antônio Nelson, foi o Edifício Yaguar, construído pela Stec Construtora. Era um prédio moderno de poucos andares, onde morou o ex-governador Jackson Lago. Hoje a avenida onde está localizado o prédio leva o seu nome. Na mesma área estava instalado o Clube Um (de propriedade de Alexandre Jorge) perto do atual Iate Clube.

“Como não existia o Posto A, o point da juventude dourada da época era iluminado pelas boates Maré, de propriedade de Ayrton e a Corsário, cujo dono era o famoso Moisés, promotor dos grandes bailes populares de carnaval como A Gruta de Satã e O Bigorrilho. Nestes ambi- entes ‘bombavam’ as meninas do popular Kaluca, o pioneiro na seleção de garotas de programa da cidade. Daí para frente tudo mudou e agora, nestes novos tempos, o novo bairro é habitado pela nata da cidade”.

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