COMPORTAMENTO

Big Brother da vida real: Você está sendo filmado

Especialista fala sobre como o uso de celular muda o comportamento das pessoas e pode comprometer a privacidade diante de tanta exposição que ocorre atualmente

Reprodução

Câmeras, câmeras e câmeras. Em todo lugar, aonde quer que você vá, você pode estar sendo filmado. Hoje, somos vigiados por câmeras de televisão, de trânsito, estabelecimentos, residenciais, por rastreadores via satélite, por ligações que fazemos e recebemos no celular, pela maneira como nos relacionamos na Internet, por colegas, por pessoas que nem conhecemos.

O uso e abuso da tecnologia acabou afetando e causando mudanças comportamentais. Quantas vezes você já se pegou deixando de fazer alguma coisa em público com receio de alguém registrar em foto ou vídeo? Você já percebeu alguma câmera voltada para você, filmando, sem que tenha sido autorizado? Você já se sentiu observado, vigiado, invadido, exposto?

Por outro lado, já sentiu vontade de filmar alguém, flagrar alguma situação que considerou engraçada, inusitada, estranha, perigosa? Pois saiba que a tecnologia facilita nossas vidas e ao mesmo tempo pode criar situações indesejáveis.

Em se tratando de celulares, equipamento mais acessível para a grande maioria da população, eu poderia citar centenas de exemplos de situações em que pessoas foram expostas, “jogadas nas redes sociais” e dessa exposição tiraram algum proveito, receberam algo que estavam precisando, ficaram famosos instantaneamente e/ou tiveram um retorno positivo. E muitas outras que não tiveram tanto sucesso assim.

No caso de Adão, morador de Grajaú (MA), de 14 anos, o momento de tristeza se transformou em muitos de alegria. No ano passado enquanto ele vendia sorvete para ajudar a mãe, foi humilhado por outros adolescentes e isso foi filmado e colocado nas redes sociais. Instantaneamente o vídeo “viralizou” e o garoto recebeu ajuda e apoio de pessoas de todo o Brasil que se solidarizaram com a situação.

Sempre tem alguém com um celular na mão, e muitos com disponibilidade para usar em qualquer situação, para exposição da própria vida, ou dos outros, mesmo naquelas em que um socorro era necessário. Casos de acidentes, brigas, quando alguém precisa ser ajudado, quem está com celular na mão prefere filmar.

Quem não lembra da imagem da vendedora Leiliane Rafael da Silva, 29 anos, socorrendo o motorista de caminhão João Adroaldo Tomanckeves, 52 anos, que se envolveu no acidente com o helicóptero onde estava o jornalista Ricardo Boechat, no ano passado? Ela, que assistiu de perto a queda do helicóptero, desceu da moto e correu para salvar a vida do motorista do caminhão atingido no acidente, enquanto os homens a sua volta apenas se importavam em filmar. Casos iguais a esses acontecem diariamente.

Mudança de comportamento no dia a dia

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“Ao mesmo tempo em que aquela filmagem pode ajudar a comprovar um crime, por exemplo, ela também pode prejudicar porque poderia ser um tempo precioso em que a pessoa estaria sendo ajudada. Mas tem aquelas também em que as pessoas fazem isso para zoar, de alguém que está bêbado, de alguém que está dançando de forma engraçada, de alguém que cai. Eu mesmo conheço pessoas que nem dançam em festa para não serem filmados, expostos”, diz a assistente social Maria Ana Costa. O estudante do curso de Letras, Adriano Fontes, disse que já chegou a pedir para uma amiga tirar uma foto que havia postado em uma rede social. “Eu estava do lado e não vi que ela tinha tirado a foto. Não gosto de foto, nem rede social eu tenho. Eu pedi, ela entendeu e retirou”, disse.

Tecnologia

Para a Doutoranda em Psicologia (Portugal) e perita criminal em saúde mental, Fabiana Borges Macedo, a tecnologia facilita a vida em vários aspectos, com relação à ciência, ao estudo, à pesquisa, atualidade, moda… não é a tecnologia que molda o jeito de ser da pessoa, mas ela está contribuindo para as mudanças comportamentais. “É a pessoa que se vincula à tecnologia de uma maneira certa ou errada. E quando é da forma errada a gente vai perdendo a nossa espontaneidade, porque um ato falho meu, pode se tornar público de maneira a criarem vídeos, que acabam denegrindo a minha imagem. Eu estou de repente à vontade conversando com você e percebo que ao redor estão me filmando sem que eu saiba. Então eu posso questionar a pessoa. Por quê que ela está me colocando dentro daquela filmagem que eu não autorizei? E aí vem os seus direitos de conduta enquanto cidadão. Existem as violações de direito e os crimes virtuais estão aí. O estar com o celular fotografando o outro, vai na questão do senso comum e da agressão à privacidade alheia. Volto a falar que não é a tecnologia que me molda, sou que eu me deixo ser moldada pela tecnologia e cabe a mim ver a minha motivação psicológica para estar diante daquela tecnologia toda, qual é o meio, o que me motiva. As redes sociais podem ser benéficas ou não”, argumenta a psicóloga.

De acordo com Fabiana Borges, as necessidades pessoais não devem se sobrepor às necessidades dos outros. “Seja de expor, seja de usar a imagem do outros, colocar o outro em uma situação em que pode ser ofensiva… Será que eu quero que aquilo aconteça comigo? o que me motiva em relação a denegrir o outro?  Porque que eu acho que tenho direito de invadir o outro? Não é porque eu tenho equipamento de tirar foto que eu posso tirar foto de todo mundo na rua. Eu tenho que ter limites, então esse limite está relacionado com todas as formas que eu me coloco no mundo”, diz.

Vida virtual x Vida real x Vida ideal

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Já ouviu aquela expressão que o “celular faz parte do meu corpo”? Tem gente que não consegue dar um passo sem se expor ou quem está à sua volta, achando que é tudo natural. Para Fabiana Borges, as pessoas passaram a desenvolver não apenas o “eu real”, como o “eu ideal”, mas também o “eu virtual”. “A tecnologia nos auxilia em várias esferas inclusive a científica, que é uma das mais importantes, quanto também da divulgação de notícias. Acontece que o que faz com que nos sintamos todo tempo vigiados é porque é uma pauta de realidade. Aonde vamos somos filmados, vigiados, mas o comportamento no qual eu tenha essa tendência de me sentir vigiada ou de explanar todo ponto que eu faço, é que se torna uma questão doentia, porque por hora eu tento vivenciar mais um ‘eu virtual’ do que um ‘eu real’, disse Fabiana.

Nesse ponto, do mundo virtual, Fabiana destaca que hoje, a maioria da população vive em função da vida do outro, mais do que a sua mesmo, e se preocupa com a imagem, mas às vezes não se preocupa com o conteúdo. “É uma questão da embalagem com o conteúdo e essa mudança acaba afetando a vida de boa parte da população. Não são todos, vale salientar que não é todo mundo que entra nesse rol virtual e vivencia de uma forma frenética esse mundo imaginário, esse mundo criado para o mundo virtual. É muito fácil me maquiar, sorrir e dizer que minha vida está maravilhosa, quando na verdade não está. Às vezes as pessoas postam fotos de lugares que nem estão, só para estar na mídia”, conta Fabiana.

Por fim, a especialista alerta sobre limites nas exposições de si próprio e dos outros. “Esse limite está relacionado com todas as formas que eu me exponho no mundo, que eu me coloco no mundo. Essa invasão as pessoas não podem esquecer que é crime, que tem uma parte que pode ser crime, mas a violência psicológica, através de exposições desnecessárias e impostas por outras pessoas, isso aí vale sim a pena a pessoa parar e pensar o que estou fazendo? ”, analisa.

Monitoramento em escolas da rede estadual

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Desde 2018 escolas da rede pública estadual do Maranhão estão autorizadas a instalar sistema de segurança com monitoramento por meio de câmeras nas áreas externa e interna de suas dependências. 

A medida foi publicada em portaria da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), assinada pelo titular da pasta, Felipe Camarão. De acordo com o documento, “é amplamente provado que o monitoramento por câmeras de vídeo é uma ferramenta de suma importância, eficaz e aliada no combate à violência e criminalidade, que tem frequentemente atingido as escolas estaduais, incluindo vandalismo”. O sistema de monitoramento visa, exclusivamente, a preservação da segurança da comunidade escolar. 

A portaria determina que o sistema de monitoramento deverá constar, pelo menos, da instalação de circuito interno de TV, com possibilidade de gravação de imagens, e de câmeras para o monitoramento das áreas externas e de circulação internas. É vedada a instalação de câmeras de vídeo em banheiros, vestuários e outros locais de reserva de privacidade individual, bem como em salas de aula, salas de professores, secretarias, cantinas e outros ambientes de acesso e uso restrito na escola.  “Com isso esperamos ajudar na segurança das nossas escolas, mas sempre preservando a privacidade, intimidade e a liberdade de cátedra dos nossos educadores”, ponderou o secretário.

O documento também realça que os gestores escolares serão responsáveis pelas imagens produzidas e armazenadas e não poderão ser disponibilizadas ou exibidas a terceiros, exceto em casos de investigação policial ou para instrução de processo administrativo ou judicial.  Após a instalação, cada escola deverá afixar avisos informando a existência de monitoramento por meio de câmeras de vídeo.

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