FEMINICÍDIO

Mente doentia ou fuga da impunidade?

Este ano no Maranhão, o Departamento de Feminicídio registrou 28 casos, entre janeiro e 30 de julho

Reprodução

Segundo o Mapa da Violência, o Brasil é o quinto país do mundo com mais ocorrências de morte violenta de mulheres. A maior parte destes crimes são resultados de desequilíbrio emocional com uso da força e sendo os autores companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

Este ano no Maranhão, o Departamento de Feminicídio registrou 28 casos, entre janeiro e 30 de julho. No período as investigações culminaram em 17 prisões. Cinco suspeitos já identificados por crimes no interior do Estado e estão foragidos, e outros seis recorreram ao suicídio.

O número de suicídios, segundo a coordenadora do Departamento de Feminicídio do Maranhão, Viviane Fontenelle Azambuja, é o mesmo registrado em todo o ano passado, quando ocorreram 45 casos de feminicidio, resultando em 33 prisões. Foram 6 os suicídios, 1 linchamento e 5 suspeitos identificados foragidos. “É importante destacar que todos os casos tiveram 100% de elucidação. Não tenho especialidade em saúde pública, mas em uma visão leiga, o que se percebe é que uma vez que os crimes estão sendo cada vez mais elucidados, isso significa que impunidade está diminuindo e isso pode ser um fator para esse fenômeno. Eu vou tomar como exemplo um caso que aconteceu no ano passado, no Maracanã, onde o indivíduo matou a mulher e depois foi para casa dele e se enforcou. Sendo que nós encontramos a mochila dele arrumada com documentos, roupas, então deduziu-se que ele premeditou o assassinato, se programou para fugir e desistiu, preferindo se matar. Acredito que ele não queria ser pego e se matou”, comenta delegada Viviane Fontenelle Azambuja. “O Maranhão é pioneiro no enfrentamento de violência contra mulheres. O Departamento de Feminicídio já conseguiu solucionar 100% dos casos aqui no Maranhão. Esta uma grande conquista, que conta com o suporte, por exemplo, do Instituto de Genética Forense, um dos departamentos mais importante no Sistema de Segurança do Maranhão, no que diz respeito à elucidação de casos de violência contra mulher”, destaca a secretária de Estado da Mulher, Ana Mendonça.

O Maranhão é pioneiro no enfrentamento de violência contra mulheres. O Departamento de Feminicídio já conseguiu solucionar 100% dos casos aqui no Maranhão

Em todo o Brasil, o crime contra a mulher, seguido de suicídio tem tomado conta dos noticiários, no Maranhão, o caso mais recente foi em Itapecuru, município distante 96 km de São Luís. A polícia investiga o caso ocorrido no dia 29 de julho, quando foram encontrados os corpos do casal Maria Aparecida da Conceição Rodrigues, de 49 anos, e João Batista Pimentel Rodrigues, de 53 anos. Ela com marcas de perfuração e corte, e ele com uma corda envolvendo o pescoço.

Segundo a psicóloga Celiane Lopes Chagas, a questão emocional e a certeza de que serão punidos motivam esse fenômeno recorrente. “Além dos fatores psicológicos, que vão desde o sentimento de posse, como se a mulheres fossem um produto na qual eles são os ‘donos’, até a insegurança masculina, perpassando pelo sentimento de impotência diante de um término de relacionamento ou de uma raiva abrupta, tem outra questão: percebe-se que a imprensa tem evidenciado mais casos de feminicídio e a polícia, de uma forma, tem investigado, elucidado os casos, aumentando assim a quantidade de punições. Ou seja: sabendo que poderá mesmo ser preso e sofrer por isso, os feminicidas têm tirado a própria vida. Analisando do ponto de vista comportamental, é como se esses homens não suportassem a dor que sentem e quisessem devolvê-la à mulher causadora, como forma de se vingar mesmo”, aponta.

A Coordenadora das Delegacias da Mulher do Estado do Maranhão, Kazumi Tanaka, reforça essa motivação, lembrando que a violência de gênero existe desde que o mundo é mundo sendo praticadas especialmente no contexto de violência doméstica e familiar. “O que é demonstrado é que há de fato um descontrole emocional por parte daquele feminicida. Ele não consegue conceber a sua mulher como dona de sua verdade e ele também é afetado pela cultura machista, porque durante a sua vida ele não teve a oportunidade de ter um amadurecimento emocional, ele tem que reprimir sentimentos, não pode demonstrar fragilidades, e ele também não concebe que aquele relacionamento que ele escolheu possa também ser uma escolha da mulher. E diante daquela situação ele não sabe o que fazer com aquilo e a maneira que ele tem de responder aquela situação é com violência porque ele não aprendeu outra alternativa viável para aceitar, ou para modificar aquela situação. Isso só demonstra o quanto os homens são afetados pela situação de violência de gênero e pela cultura machista e patriarcal que tolhe deles a possibilidade de um amadurecimento emocional.”

O papel da família
Com relações amorosas cada vez mais doentias, como fazer então para que os finais não sejam trágicos? A psicóloga Celiane Lopes Chagas aponta que esse é um papel das famílias. Homens e mulheres precisam ser educados para o respeito, para o equilíbrio. “Quando, já na adolescência, o indivíduo demonstra atitudes e pensamentos individualistas, machistas, egoístas, que desrespeitam as diferenças, desrespeitam o outro, é preciso ajuda. Às vezes tudo se resolve só com diálogo dentro de casa, entre pais, mães e filhos. Mas muitas vezes é necessário suporte psicológico profissional, com terapias a médio e longo prazos, pois alguns comportamentos agressivos podem ter como gatilho um trauma de infância, memórias, exemplos que aquela pessoa teve ao longo da vida. Em geral, quem cresce vendo violência no lar se torna uma pessoa violenta que reproduzirá esses comportamentos. Porém, há exceções. Cada caso precisa ter analisado e tratado individualmente”, aponta.

Para a delegada Kazumi Tanaka, esse é um problema estrutural da sociedade. “As pessoas continuam a construir as relações afetivas e amorosas nessa concepção de posse e propriedade e poder. O que se tem atualmente é fruto de toda essa sociedade machista, misógina, que entende que o valor da mulher é menor do que o do homem. Só se vai ter redução desse índice de violência contra a mulher, a partir do momento em que a gente, paulatinamente, conseguir mudar essa concepção, esse padrão comportamental, essa cultura que ensina para homens e mulheres que o papel da mulher é esse e que o do homem é aquele. Não se constrói dentro dessa concepção papéis sociais iguais para homens e mulheres”, analisa.

Para a delegada Vivianne Fontenelle, a cultura machista é o grande motivador. “O machismo mata. É ele que impede a equidade de gênero, que faz com que se tenha essa diferença de direitos. É o machismo que objetifica as mulheres, é a principal causa no contexto da violência de gênero e isso pode ser mudado a partir da concepção de criação no seio familiar”.

As pessoas continuam a construir as relações afetivas e amorosas nessa concepção de posse, propriedade e poder

Três perguntas//Psicóloga Celiane Lopes
1.Como perceber quando o parceiro, o companheiro, não está bem mentalmente. Há sinais?

Os sinais no corpo, em geral, são: Irritabilidade sem causa aparente, estresse, insônia. Já no comportamento, o agressor tende a ficar mais observador, quase não interage, fica à espreita, como se estivesse desconfiado ou desconfortável. Em muitos casos, ele provoca discussões e brigas, nas quais se utiliza de xingamentos e, quase sempre, faz ameaças. Essa pessoa precisa de ajuda. Tudo aquilo que foge de uma rotina saudável é preciso ter atenção. Por exemplo, como alguém que liga para você várias vezes ao dia para saber o que você faz a cada minuto. Lembrando, que se isso acontece todos os dias, essa pessoa passa a viver em função da sua vida, e isso não é saudável.

2.Como a família, pessoas próximas podem ajudar se perceberem os sinais?

É preciso ter muito tato. A mulher que está em uma situação de risco dentro de casa ou não percebe por paixão, ou tem muito medo do que pode acontecer. Em qualquer desses cenários, é preciso que haja cautela. E lembrar que não apenas a mulher tem que ser ajudada, mas o homem potencial agressor também. Em situações de conflito, jamais se deve entrar com ameaças ou grosserias, pois isso só acirra os ânimos. Quem estiver próximo, pode se dispor a ajudar e, sobretudo, ficar atento, pois a qualquer momento poderá fazer uma denúncia à polícia. O mal precisa ser cortado pela raiz, então, se logo no início do relacionamento você perceber que está em um relacionamento abusivo, melhor não insistir na mudança do companheiro, e sim preferir a própria companhia.

3. Como fica o emocional das famílias que vivenciam essas tragédias e como lidar com isso?

Cada caso é um caso mesmo. Quando há crianças envolvidas, é sempre pior. De um modo geral, pôde-se dizer que não apenas a mulher morre, mas a família como um todo. Todas as estruturas são abaladas, todos os sentimentos negativos, como raiva, desejo de vingança, ira e medo, afloram e podem ser gatilhos para diversos problemas de saúde, em especial, para doenças psicossomáticas, aquelas oriundas de problemas psicológicos que dão sinais no organismo. Os problemas vão de enxaquecas e arritmias cardíacas até a depressão e o desenvolvimento de síndromes como a do pânico. Crianças envolvidas nesses processos devem ser preservadas de todos os horrores e detalhes, pois não possuem maturidade para compreender e aceitar. Elas precisam de acompanhamento psicológico profissional, de imediato.

Feminicídio no Maranhão
2018
45 casos

33 prisões

6 suicídios

1 linchamento

5 identificados foragidos

38 casos no interior

7 na Região Metropolitana

2019 (até 30 de julho)
28 casos

17 prisões

6 suicídios

5 identificados foragidos

24 casos no interior

4 na Região Metropolitana

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