RASTROS DA DITADURA

16 mil pessoas foram fichadas pela Ditadura Militar no Maranhão

O Maranhão foi um dos estados brasileiros onde o regime militar deixou rastros. Parte desta história encontra-se no Arquivo Público do Estado do Maranhão (Apem)

Reprodução

A ditadura militar do Brasil refere-se ao regime instaurado em 1º de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, sob comando de sucessivos governos militares.  O período conhecido também como “os anos de chumbo” ganhou novamente espaço esta semana na imprensa por conta da convocação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que determinou ao Ministério da Defesa que fizessem as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe que deu início ao regime.

O golpe militar que depôs o então presidente João Goulart, ocorrido em 31 de março de 1964, durou 21 anos. No período, não houve eleição direta para presidente. Na época o Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados e houve censura à imprensa. O Maranhão foi um dos estados brasileiros onde o regime militar deixou rastros. Parte desta história encontra-se no Arquivo Público do Estado do Maranhão (Apem), órgão ligado à Secretaria de Estado da Cultura. O Imparcial foi até o local e teve acesso aos documentos digitalizados que fazem parte do Sistema Nacional de Informação (SNI) referente ao estado do período da ditadura militar no Brasil. O acervo encontra-se no Arquivo Público do Estado do Maranhão, e pertenceu ao fundo documental da DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), e conta com mais de 12 séries divididas por assuntos como: subversão, estudantes, ministérios, entidades religiosas, atividades políticas, sindicatos, documentos expedidos, documentos recebidos, atestados de ideologia política, recortes de jornais, documentos relacionados fora das séries, além de fichários com informações sobre o assunto. A chefe do Arquivo Público do Estado do Maranhão, Fabíola da Silva Farias, ressaltou a importância destes acervos e que o órgão pretende fazer uma exposição com os arquivos do líder e camponês Manoel da Conceição Santos. “Estamos fazendo toda a digitalização para que se torne acessível aos estudiosos, pesquisadores, pessoas que fazem doutorado, mestrado e pessoas que se interessam por essa parte da história do Maranhão”, explicou a gestora.

Segundo Beatriz Sousa, estudante e pesquisadora do curso de história da Uema, que trabalha na catalogação dos documentos no arquivo público, mais de 16 mil maranhenses foram fichados durante o regime militar, dentre eles o advogado e político Haroldo Sabóia que em 1967, filiou-se ao então clandestino PCdoB onde exerceu os mandatos de deputado estadual (1979–1987), deputado federal (1987–1995, 1996–1999), vereador (2001–2005); a médica e professora Maria Aragão (foto acima) que teve a sua trajetória é marcada pela defesa dos direitos das mulheres e como líder do Partido Comunista Brasileiro, no estado do Maranhão; além do líder camponês do líder camponês maranhense Manoel Conceição Santos, 81, que ajudou a fundar o PT em 1980. Manoel ficou preso ilegalmente durante a ditadura militar entre os dias 28 de outubro e 11 de dezembro de 1975. Ele foi solto na época graças a um pedido do papa Paulo 6º.

A pesquisadora acrescentou que, além destes documentos, fazem parte do acervo da ditadura no Maranhão, recorte dos jornais da época, jornais, cartazes, livros de poesia, encartes produzidos por universitários que foram recolhidos pela DOPS para questão de investigação. “Estes registros mostram toda a amplitude do período que conta do período de 1966 a 1992, que são documentos dessa delegacia que fazia parte da SSP que vieram para cá. Há quase um ano estou trabalhando na preparação desses arquivos para digitalização”, ressaltou a pesquisadora. O objetivo é tornar estes documentos públicos, além de fazer a salvaguarda dos mesmos, dando visibilidade para que possam ficar disponíveis a toda comunidade as pessoas que vem pesquisar aqui no arquivo público, quanto aos que acessam o site Memórias Reveladas que reúne todos os documentos referentes à ditadura em onze estados, onde o Maranhão faz parte dele. “Esse acervo tem que ser preservado. Essa história  tem que ser contada”, contou.

149 trabalhadores rurais morreram

O Imparcial pesquisou ainda que, no ano de 2012 um relatório a Secretaria de Direitos Humanos à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) apresentou que foram identificados 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razão ideológica e disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988, período indicado pela Lei nº 9.140/1995 – a primeira lei a reconhecer que pessoas foram assassinadas pela ditadura militar (1964-1985). Os estados que acumulam o maior número de pessoas assassinadas (lideranças ou não) são o Pará (342 mortes); o Maranhão (149 mortes); a Bahia (126 mortes); Pernambuco (86) e Mato Grosso (82 mortes). Mais de 96% dos assassinados eram homens. Apesar do número expressivo (3,5 vezes acima do total de reconhecidos oficialmente como mortos por perseguição política) apenas 51 casos foram analisados pela CEMDP e desses 29 tiveram a causa da morte relacionada à questão política. “Ficando excluídos 1.145 casos de camponeses e seus apoiadores mortos ou desaparecidos”, grande parte porque não teve “acesso nem reconhecimento aos direitos da Justiça de Transição”, descreve o relatório.

Imprensa foi censurada

O diretor de redação de O Imparcial, Raimundo Borges, revelou que em São Luís não houve censura prévia nos órgãos de imprensa. “O que ocorria era uma seleção de matérias que eram proibidas de serem divulgadas. Diariamente um censor da Polícia Federal comparecia à redação e colocava no mural a lista dos assuntos que não deveriam ser publicados. Era o contrário com o que acontecia com os veículos da grande impressa nacional tipo os jornais O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e a Revista Veja. O Estadão, por exemplo, colocava receita de bolo na capa como protesto e indicando para o leitor que a matéria naquele espaço tinha sido censurada”, contou Raimundo Borges.

O jornalista Luiz Pedro, ex-editor de O Imparcial, lembrou como era trabalhar sobre pressões cotidianas de ameaças quando participou em 2014, do III Encontro Nordeste de Historia da Mídia promovido pela UFMA. Ele relatou que, pela manhã, chegava à redação recados dos militares de informações que o público não poderia ter contato. Exemplificou o surto de meningite, que aterrorizava os maranhenses no começo do regime e que não podiam ser mencionados nos jornais para não ‘sujar a imagem’ da ditadura. O risco de divulgação era tanto que ficou em sua memória o momento em que foi à cidade de Zé Doca cobrir a campanha de vacinação, chegando a ter sua vida ameaçada por pistoleiros. Luiz exemplificou ainda casos que conseguiam perpassar o controle do Estado, como a luta maranhense pela meia-passagem, que começou na UFMA e se espalhou pela cidade, ocorrendo enfrentamentos diários e atos de repressão. Este fato marcou a primeira vez em que a mídia se posicionou

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