EUA DO BRASIL

Leis brasileiras ainda têm reflexos da 1ª Constituição da República

O documento surgia três anos após o fim da escravidão, tendo que lidar com os conflitos de interesses de uma sociedade agrária, pobre,politicamente centralizadora e socialmente fragmentada

Foto: Divulgação

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a Constituição de 1891, a primeira Constituição republicana do país, oficializada em dois anos de negociações após a queda do imperador D. Pedro II. Essa Constituição estabeleceu as principais características do Estado brasileiro contemporâneo, embora, claro, tenha sido escrita nos moldes do contexto da época.

Para falar sobre como ela influenciou a sociedade e o que mudou de lá até a atual Constituição de 1988, convidamos o doutor em História, professor da Universidade Estadual do Maranhão e defensor público federal, Yuri Costa. O professor doutor destacou o que de mais preponderante trouxe o texto e o cenário em que ela foi produzida.

Importância

“Ela tem um significado especial para a história. É a primeira Constituição do regime republicano. A anterior, de 1824, foi a que vigorou durante todo o império. A de 1891 é a primeira Constituição promulgada. Ou seja, que passa por um processo coletivo de elaboração e de aprovação, e esses dois elementos a tornam significativa. Seu processo de elaboração também é interessante. Foram dois anos de negociação entre a Proclamação da República e, de fato, a promulgação, de 1889 a 1891. Outro elemento que a caracteriza é o fato dela ter tido uma relativa estabilidade. Ela passou por algumas reformas, uma mais contundentes em meados da década de 1920, mas ela dura de 1891 a 1930. Então, são 40 anos, praticamente até que surja outra Constituição. Pela história das nossas constituições, sobretudo no século XX durante o período republicano, se levada em consideração esse histórico, ela acaba tendo uma estabilidade relativa, não só pelo período que vigorou, mas pelo fato de ter passado por poucas modificações”.

As ideologias

“Quase um século separam as constituições de 1891 e a de 1988. E a comparação entre elas deve ser feita com bastante cautela, sobretudo do ponto de vista da ideologia que cada uma apresentou. A de 1891 foi baseada em organizações do estado que existiam naquele contexto. Temo a influência da constituição da Argentina, dos Estados Unidos, da Suíça, e do ponto de vista mais filosófico a gente tem a presença de uma filosofia sobretudo francesa, chamada naquele contexto de positivismo. Ou seja, o tipo de crença na cientificidade, na força da ciência, e de que a ciência, o racionalismo, o estabelecimentos de leis fixas e objetivas pode guiar adequadamente o estado. Então é uma concepção filosófica de organização da sociedade que é colocada como uma forma de se ver o estado. A constituição de 1891 é muito influenciada por essa ideologia positivista. Já a atual constituição, de 1988, tem um outro parâmetro. Ela veio após as duas grandes guerras do século XX. É uma constituição que já foi influenciada por valores, ideologias, que se desenvolvem após essas guerras, como a noção de direitos humanos, o compromisso com a democracia que é extremamente marcante nesse contexto. Uma constituição que afirma muito claramente a ideia de direitos humanos, democracia, dos direitos das minorias”.

Influências

“Ali que se inaugura o modelo presidencialista, tendo o presidente como líder máximo do poder executivo. Ainda que haja crítica em relação a esse elemento, tem início o regime federalista, ou seja, a ideia de que os estados (antes no império chamados de província), teriam alguma autonomia, poderiam criar suas instituições (como ainda é hoje) e uma série de leis próprias, devendo obediência ao governo federal, mas mantendo autonomia. Então, esse regime federalista é outro elemento que surge em 1891 e que até hoje influencia nessa forma de organização do estado. Outro elemento é o início do voto direto, claro que com alguma relativação. A separação entre o estado e a religião, o que se chama de laicização do estado, ou seja, o estado deixa de ter com a igreja católica uma relação de entrelaçamento. A independência entre os três poderes, que até hoje vigora. O que merece ser destacado dessa constituição de 1891 é o fim de uma série de instituições do regime monárquico, do Poder Moderador (revisão dos atos dos outros poderes) do Conselho de Estado, que era uma espécie de conselho de super ministros, que tinham prerrogativas e privilégios comparados ao do próprio monarca”.

De fora a democracia

“Aquela constituição de 1891 claramente não tinha compromisso com a cidadania da forma como nós olhamos hoje. E nem com a democracia. Ela tem um compromisso com um regime republicano que é algo diferente de um regime de fato democrático e algo diferente de uma cidadania cujo conceito hoje é extremante mais amplo e mais complexo do que se comprado a forma que se tinha na época. Então se tinha um conceito extremamente restrito de cidadão, de participação na vida política. Vamos tomar como exemplo o voto. O voto na constituição de 1891 passa a ser direto, sobretudo para presidente, vice, senadores e deputados. Mas quem tinha direito ao voto? Apenas homens alfabetizados, com mais de 21 anos. Mulheres, analfabetos, miseráveis, do ponto de vista econômico, não votavam. A minoria, a democracia, a cidadania, não eram preocupação”.

Abertura do Regime Republicano

“Dentre os aspectos mais relevantes o que pode se destacar de importante para a história do Brasil é a inauguração do regime republicano. A república não se confunde com a democracia. Eu posso ter um regime republicano não democrático. Ou posso ter uma democracia num regime que não seja organizado de maneira republicana, mas na história do Brasil a democracia surge de dentro do regime republicano. Inaugura um compromisso com a república, e isso se dá, sobretudo, através de vários elementos que foram extintos que eram característicos do império. Um regime onde o estado não era visto como algo público, pelo contrário, um regime do qual o estado era visto como algo de privilegiados. A constituição de 1891 acaba com a vitaliciedade no senado. Passando a ter um mandato fixo de 9 anos, que hoje é de 8 anos. Na adoção do regime republicano se passa a não reconhecer mais nenhum titulo de nobreza, ou afins. A república traz a ideia de que não há cidadão superior a outro. Um dos aspectos mais importante é que cria bases para a gente poder desenvolver a nossa experiência republicana, que depois apontaria para uma direção bem mais interessante que é aí sim, a ideia de democracia”.

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