SÃO LUÍS 406 ANOS

O desafio de preservar São Luís, cidade Patrimônio Mundial da Humanidade

Há 21 anos, o Centro Histórico de São Luís foi reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco. A capital se expandiu, preservando a malha urbana e seu conjunto arquitetônico

Foto: Reprodução Instagram/ @mahatamadjalma

Ladeiras, casarões, azulejos, fachadas, beirais, portais… Andar pelo Centro Histórico de São Luís é como estar dentro da história. Ou melhor, é estar dentro da história. Cada pedaço do lugar remete a um dos 406 anos de São Luís, da ilha quatrocentona, cidade dos azulejos, cidade Patrimônio Mundial da Humanidade (título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura em 6 de dezembro de 1997, em Nápoles, na Itália).

O Centro Histórico foi tombado pelo Iphan em 1974. Um exemplo excepcional de adaptação às condições climáticas da América do Sul equatorial e que tem conservado o tecido urbano harmoniosamente integrado ao ambiente que o cerca. O conjunto delimitado pelo perímetro do tombamento federal, com cerca de mil edificações, possui imóveis de grande valor histórico e arquitetônico, a maioria civil, construídos do período colonial e imperial com características peculiares nas soluções arquitetônicas de tipologia, revestimento de fachadas e distribuição interna.

Há 21 anos, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco. Por se tratar de uma cidade histórica viva, pela sua própria natureza de capital, São Luís se expandiu, preservando a malha urbana do século XVII e seu conjunto arquitetônico original. Em toda a cidade, são cerca de quatro mil imóveis tombados: solares, sobrados, casas térreas e edificações com até quatro pavimentos, que, remanescentes dos séculos XVIII e XIX, possuem proteção estadual e federal.

O arquiteto urbanista Ronald de Almeida Silva descreve o Centro Histórico de São Luís como um estojo de joias, um escrínio que guarda muito mais do que solenes casarões, sobrados altaneiros, becos e escadarias, simpáticas praças e singelas casinhas de porta e janela.

“O que diferencia esse Centro Histórico de uma maquete gigante e inerte são as pessoas que nele residem ou trabalham. Pessoas com seus alaridos de conversas, cantoriais e festejos; o som de seus veículos e seus buliçosos movimentos de ir e vir, escrever, poetar, dormir, comer, brincar, passear, trabalhar, amar e procriar nesse ambiente que tem aura de quatro séculos”, pontua o arquiteto.

Com o crescimento da cidade, Ronald de Almeida afirma que o Centro Histórico resistiu bem ao aumento populacional. “Ainda podemos restaurar e recuperar a quase totalidade dos imóveis arruinados.A cidade cresceu vertiginosamente e chegou ao atual 1 milhão de habitantes e, destes, cerca de 20 mil a 30 mil residem no Centro Histórico. Esse tsunami demográfico e as crises de gestão urbana e sequelas econômicas provocaram muitas perdas definitivas: imóveis que se arruinaram ou foram demolidos e dos quais somente resta hoje o chão vazio, como a Capela do Convento das Mercês e o Palácio dos Holandeses, onde hoje está o Hotel Central”, exemplifica.

Rua Portugal, Centro Histórico de São Luís

Desafio das cidades históricas

O grande problema de São Luís, como toda cidade histórica, é manter a preservação, conservando a construção original. O professor, historiador, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), membro titular do Conselho Estadual de Cultura e ativista na defesa do Patrimônio Histórico, Euges Lima, diz que a cidade chega aos 406 anos “com um desafio muito grande de valorizar e preservar para o presente, mas também para gerações futuras, esse acervo incrível e único, arquitetônico, histórico e cultural, considerado o maior das Américas de origem portuguesa”.

Para Ronald de Almeida, o cenário geral é ainda de boas expectativas em médio e longo prazo, embora, ele diz, “alguns logradouros ainda estejam desestruturados, sem manutenção e com grande carência de gestão (pública e privada) e muitos imóveis estejam abandonados até por órgãos públicos (ex: Casa dos Aboud, no Canto da Fabril e antigo Sioge no Mercado Central) e por entes privados (ex: Hotel Central, da ACM, um absurdo). Em que pesem essas sombras e incertezas, São Luís chega aos 406 anos como uma Velha Senhora de muita dignidade, apesar de necessitar de bons cuidadores que lhe propiciem um check-up urbanístico geral e algumas roupas novas. O Iphan tem feito um grande trabalho e, certamente, em parceria com autoridades locais, fará muito mais, apesar das crises nacionais que não terão vida curta”.

Quatro perguntas para Euges Lima

1. A capital maranhense guarda em seus casarões marcas de uma história de mais de quatro séculos. Mas como estão hoje os nossos casarios?

Bem, na verdade, a maioria dos casarões e sobradões do Centro Histórico de São Luís, seja do bairro da Praia Grande, Desterro, Centro da cidade, entre outros, que de fato foram preservados ao longo do tempo, por uma razão ou outra, datam, principalmente, dos séculos XIX e XX e alguns poucos do século XVIII. Depois do chamado Projeto Reviver, nas décadas de 1980 até 1990, que promoveu uma restauração e revitalização em grande escala desse casario, garantindo assim, portanto, a permanência desse acervo até os nossos dias,passados aí mais ou menos um quarto de século, o acervo já apresenta fortes sinais de que necessita de uma atenção maior e mais séria. Em que pese pequenas ações de restaurações isoladas e mais recentemente, o PAC das Cidades Históricas, projeto do governo federal, que originalmente pretendia restaurar 44 imóveis históricos, passados alguns anos, não chegou a restaurar meia dúzia da proposta original. Portanto, a preservação atual desse acervo, de uma maneira geral, diria que não está num nível bom, desejável, carecendo ainda de uma política permanente de conservação e manutenção desse precioso acervo por parte do poder público e dos órgãos de proteção do Patrimônio Histórico, não só do casario em si, mas também das vias e logradouros da área.

2. Para uma cidade Patrimônio da Humanidade, o atual estado dos prédios condiz com o título dado pela Unesco?

Acredito que a conservação e preservação do acervo precisa ser mais intensa e priorizada pelo governo para que o título possa ser honrado e mantido, não só para nós, maranhenses e brasileiros, mas para toda a humanidade para que possamos fazer jus ao título.

3. Em se falando de conservação e restauro de prédios, algo já se perdeu? Prédios que não são reformados, que viram estacionamentos, ou que estão há anos fechados?

Sem dúvida, a cada prédio histórico que é demolido para ser transformado em um estacionamento, prática que tem se intensificado a olhos vistos no Centro Histórico de São Luís nos últimos anos, ou mesmo um sobradão que rui durante o período chuvoso é mais um pedaço dessa história e memória que vão juntos também. O que pode ser feito? Os órgãos oficiais de proteção e fiscalização do Patrimônio Histórico, nas mais diversas esferas, poderiam agir com mais eficiência na prevenção desses problemas mencionados, evitando assim o desaparecimento e descaracterização desses imóveis históricos e tombados.

4. Como encarar o desafio de valorizar e preservar o acervo arquitetônico?

O primeiro passo é levar a sério o que gerou o título, ou seja, o acervo arquitetônico, histórico e cultural, entender que é um patrimônio pertencente a toda a humanidade e que ali está viva parte da nossa história, memória e identidade. Os desdobramentos positivos são consequências dessa postura frente a esse acervo que é responsabilidade principal dos governantes e gestores, mas que também devem ser compartilhadas com a população, com o cidadão.

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