São Luís perde 50% da área de manguezais
Áreas de mangue da Grande Ilha vêm desaparecendo ao longo dos anos, muito em função da ação do homem e da expansão urbana
Estudos de 1972 a 1993 apontam que São Luís perdeu nesse período 7 mil hectares de área de mangue. Novo estudo, de 1993 a 2004, mostrou que essa perda já era de 15 mil hectares. No mais recente, de 2015, embora não publicado, já são cerca de 18 mil. O que representa mais de 50 por cento de uma área de 35 mil hectares. As informações são da pesquisadora Flávia Rebelo Mochel, do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFMA, e coordenadora do Centro de Recuperação de Manguezais (Cermangue).
“Os manguezais em São Luís estão bastante impactados, porque nos municípios, na maioria dos povoados, litorais, ilhas, os impactos são mais naturais, como tempestade, erosão, raio, ondas, hipersalinidade, que são fenômenos que também ocorrem em todos os manguezais do mundo”, aponta a bióloga.
Os manguezais são basicamente o ecossistema de transição entre o mar e o continente. Encontram-se apenas nas regiões mais quentes do globo, principalmente na faixa entre os dois trópicos. Para se desenvolverem plenamente, necessitam de muita irradiação solar, chuvas fartas e grande amplitude de marés. O terreno lodoso característico desse bioma é formado por sedimentos de origem marinha e continental, restos de folhas, galhos e animais em decomposição. Isso toma o ambiente rico em matéria orgânica, o que atrai espécies de micro-organismos e animais que usam aquela região como fonte de alimento e refúgio contra predadores.
A pesquisadora alerta para a necessidade de preservação dos mangues, um dos responsáveis, por exemplo, pelo controle do fluxo de marés. O aumento de erosão no litoral maranhense é atribuído ao aumento do nível do mar e mudanças climáticas, como aumento da temperatura e aquecimento global.
“Em estudos, já conseguimos comprovar que o manguezal evita que o excesso de água avance pelo continente. Nas imagens de satélites, quando a gente faz a diferença temporal de 30, 35 anos, comparados com os dias de hoje, a gente vê que realmente a linha de maré aumentou e que as áreas mudaram a fisionomia do litoral. No Maranhão, algumas ilhas desapareceram, como a Ilha do Cajual dos Pereiras, que tinha mais de 600 famílias vivendo, era centro exportador de camarão e foi desaparecendo pela força da maré”, exemplifica a professora.
Na Amazônia, os estados do Maranhão, Pará e Amapá possuem 50% da cobertura florestal de mangue do país. É a maior área contínua do mundo, denominada pelos pesquisadores como Costa de Manguezais de Macromaré da Amazônia (Cmma).
Segundo Flávia Mochel, o principal problema em São Luís é o crescimento desordenado e cita a erosão que avança pela Avenida Litorânea e o município da Raposa. “A situação se agrava quando você retira a proteção da Costa. As pessoas retiraram dunas, mangues, para aterrar, fazer estradas, como a Litorânea que causa problema até hoje. São os manguezais que protegem, dificultam, desaceleram essa erosão. Quando você provoca o desmatamento você está tirando a sua proteção, a nossa, das estradas, dos bens públicos. São Luís está em uma situação mais complicada, não só em perdas de mangue, mas dos problemas advindos disso. Além disso, tem a falta de saneamento, a contaminação por resíduos sólidos, petróleos aromáticos (que são cancerígenos) e metais pesados. Ainda que a gente não desmatasse o mangue, do jeito que a gente trata, já teriam essas consequências”, diz a bióloga.
Degradação e perda
Não é difícil encontrar as marcas da mão humana na natureza. Nas proximidades da Via Expressa, Avenida Quarto Centenário e Angelim (nas proximidades do Condomínio Pedra Caída) dá para ter uma pequena noção do impacto sobre o manguezal. Em um, uma parte da área foi aterrada para a construção de um campo de futebol. No outro, mal dá para ver o lamaçal, e, sim, se observa o mar de garrafas pets e outros dejetos. Em outros locais se vê claramente o desmatamento.
“Nas imagens de satélite a gente vê quais são as principais e as mais impactadas áreas da Ilha, que são a Bacia do Bacanga, e a Bacia do Rio Anil. A Bacia do Bacanga coincide com a zona industrial. E na Bacia do Rio Anil, a perda de mangue é principalmente pelo crescimento urbano. Se compararmos com 30, 35 anos, vemos áreas que eram mais largas e agora são estreitas. Algumas desapareceram, outras encolheram. Essa diminuição em milhares de hectares de manguezal no município é que provoca todos esses problemas”, atesta. As Bacias Hidrográficas do Tibiri e Paciência, segundo a professora, também sofrem com a degradação.
Áreas recuperadas
“É importante mostrar que tudo que a gente faz, estamos fazendo para nós. Fazer bem para o ecossistema é fazer o bem para nós. Destruir, contaminar o ecossistema, é destruir a gente também”.
Com esse pensamento foi criado em 2011 pelo Laboratório de Manguezais, do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFMA, o Cermangue (Centro de Recuperação de Manguezais-UFMA), coordenado e orientado por Flávia Mochel com objetivo de recuperar os manguezais.
A professora que sempre pesquisou o assunto foi de perto ver como aconteciam os impactos. Preocupada com a degradação, iniciou a recuperação em 2006 principalmente nas áreas portuárias (Bacia Hidrográfica do Bacanga). Em 2011, com a fundação do Cermangue, aumentaram o processo de recuperação de áreas degradadas. “Estamos com o projeto entre o Araçagi e a Raposa, com viveiro temporário. Fazemos uma série de experimentos, em laboratório, para compreender a resposta dos manguezais e melhorarmos as técnicas, acelerar o processo de fortalecimento do mangue, a capacidade dele se recuperar, técnicas que a gente pode usar para diminuir o impacto”, conta a professora.
O Cermangue é um Viveiro-escola, aberto a alunos de todas as universidades, criado para treinar pessoas capazes de recuperar mangue. Também é um viveiro de pesquisa, e de apoio à recuperação e reflorestamento das áreas degradadas, com capacidade para plantar 70mil mudas. Cerca de 7 hectares já foram recuperados. O que é considerado muito, em relação às 4 décadas de degradação dos mangues.
“Outro trabalho que a gente faz é o de educação ambiental. Se nós não internalizarmos sobre a importância dos nossos mangues, as consequências das perdas deles para nossas vidas, economia, saúde, cultura, questões sociais, emprego, geração e renda, vai ser muito difícil a gente mudar esse quadro. Se cada um de nós puder fazer um pouco, esse pouco é muito. E, ao mesmo tempo, deixar de fazer um pouco, que é produzir impacto, já é suficiente”, finaliza.