Casarões não resistem ao forte período de chuvas
As chuvas torrenciais que têm acontecido nos últimos dias em São Luís mostraram que a falta de manutenção do patrimônio histórico trouxe graves consequências para a estrutura de prédios que podem ruir a qualquer momento, destruindo não apenas memórias valiosas para a capital, mas podendo ferir pedestres e causar prejuízos a diversas pessoas
Uma das certezas da humanidade é que a força da natureza é uma potência com a qual os seres humanos não podem bater de frente, pois irão perder quase sempre. A ação do tempo, chuvas, sol, vento e areia podem destruir quase tudo, ficando os imóveis construídos por qualquer engenheiro de qualquer época inclusos nessa lista.
As chuvas torrenciais que têm acontecido nos últimos dias em São Luís mostraram que a falta de manutenção do patrimônio histórico trouxe graves consequências para a estrutura de prédios que podem ruir a qualquer momento, destruindo não apenas memórias valiosas para a capital, mas podendo ferir pedestres e causar prejuízos a diversas pessoas.
E a chuva levou
Esta semana, um prédio localizado entre a Rua do Sol e a Travessa da Passagem, no Centro, teve parte da estrutura desmoronada após uma chuva. Com os restos de entulho e pedras que ficaram sobre a rua, o local teve que ser interditado, impedindo que motoristas que usam o atalho para seguir da Rua da Paz sentido Rua do Sol possam passar por ali.
Mesmo com informações apontando que o desabamento não causou danos graves a outros imóveis e nem deixou feridos, as pessoas que ainda passam pelo local relatam o medo de que outros prédios também possam cair em um dia de chuvas fortes.
Diariamente, a vendedora Carla Ferreira passa pela rua para chegar ao trabalho. Segundo ela, o caminho funciona como atalho para chegar à loja onde trabalha sem dar uma volta muito grande. Ela afirma que, ao olhar o local interditado e com parte do prédio desmoronada, levou um grande susto, pois no dia anterior havia passado bem ao lado do local que caiu e estava tudo normal. “Eu passo aqui diariamente, tanto para ir, quanto voltar do trabalho. Quando passei ontem, estava tudo normal, e agora que estou vendo que caiu, ainda bem que não em cima de mim”.
Segundo ela, o medo de passar especialmente em ruas estreitas com prédios altos é constante, pois sabe que não dá para confiar se a estrutura ainda suportará por muito tempo. “Eu passo por aqui porque preciso mesmo, mas dá para ver que está horrível. A qualquer momento pode cair um deles e você nem tem para onde correr, porque a rua é estreita. Até para socorrer se cair em cima de alguém, acho difícil. Por isso que dizem que São Luís está feia, nem prédios históricos se cuida”.
A superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Maranhão informou, por meio de nota, que o imóvel localizado na Rua do Sol está inserido no Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Cidade de São Luís/MA, tombado pelo governo federal e inscrito na Lista do Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, cuja competência para fiscalização é de responsabilidade da Superintendência do Iphan no Maranhão.
Segundo o Iphan/MA, desde fevereiro de 2011, a instituição vem tomando as medidas administrativas e jurídicas cabíveis contra o proprietário do imóvel com fins de conter o processo de arruinamento da edificação. Dentre essas medidas, estão desde a emissão do Auto de Infração nº12051, até a solicitação ao Ministério Público Federal para abertura da Ação Civil Pública que tramita na 8ª Vara da Justiça Federal, onde o MPF requer que “os requeridos sejam condenados a realizar obras de restauração, recuperação e conservação integral de todo o imóvel, compatíveis com a natureza do tombamento e em consonância com o projeto a ser previamente aprovado pelo Iphan, seguindo as diretrizes da autarquia, em prazo de 180 dias, bem como caso demonstrada a inviabilidade da recuperação do imóvel, que seja condenado o réu ao pagamento de indenização correspondente ao dano ocorrido”.
Por conta e risco
Não é apenas o prédio da Rua do Sol que tem problemas estruturais. Por toda a região do Centro Histórico, vários prédios estão definhando conforme o tempo vai passando. Alguns que aparentemente estariam passando por reformas possuem, no entanto, apenas escoras de madeira para evitar novos desabamentos e, além de interromper o trânsito de pedestres interditando calçadas, são um risco para motoristas que evitam estacionar por perto.
O advogado Fernando Martins comenta que prefere procurar vagas longe de prédios que pareçam estar com estrutura fraca e afirma ficar bastante preocupado de ter um prejuízo inesperado quando deixa o carro nas ruas do Centro.
“Estacionar no Centro é um terror. Se não bastasse o risco de algum flanelinha ou outro carro arranhar o seu, você pode sair e encontrar um prédio caído em cima do carro quando voltar. Eu nunca estaciono onde tem prédios escorados, e até quando vejo que está muito acabado não coloco meu carro perto. Se um prédio desses cair, vai destruir totalmente o carro e a gente ainda vai ter que ficar correndo atrás de quem é o responsável”.
Segundo o Iphan, assim como o prédio da Rua do Sol que está cedendo, o método construtivo de outros imóveis tem grande parte das paredes em taipa de pilão, técnica construtiva tradicional, cuja resistência é facilmente comprometida sob a exposição de forte ou continuada umidade. Nesses casos, a situação física do imóvel se torna grave, podendo ocorrer sua perda total, caso não sejam tomadas medidas urgentes para conter o processo de degradação. O desabamento total de imóveis localizados em ruas com outros prédios poderá causar danos às estruturas físicas dos imóveis próximos. Ainda como forma de evitar que um imóvel seja totalmente degradado pela ação da natureza, o Iphan vem realizando inspeções técnicas periódicas com fins de comunicar a Justiça Federal sobre o não cumprimento por parte de proprietários da obrigação de restaurar imóveis.
Compromisso com o bem
Outros problemas que há muito tempo contribuem para a degradação dos prédios históricos são o abandono total por parte dos proprietários e a readaptação irregular dos locais para implantação de empresas como estacionamentos, descaracterizando imóveis e possibilitando que os mesmos desabem com mais facilidade.
Um exemplo dessas readaptações é o prédio localizado entre a Rua da Palma e a Rua Quatorze de Julho, que não possui mais paredes pelo lado de dentro, guardando de herança histórica apenas a fachada. O local, que funciona atualmente como estacionamento, tem na parte interna apenas alguns pilares para sustentar a estrutura e visualmente apresenta deficiências na estrutura, que podem significar futuramente o seu desabamento.
Mais à frente, ainda na Rua da Palma, um prédio que é escorado por uma estrutura de madeira parece mais abandonado, demonstrando que há bastante tempo não recebe nenhuma reforma. A bibliotecária Nélia Maranhão diz que não se sente nada segura ao passar pelo local e anda bem rápido quando passa ao lado do prédio. “Se estiver chovendo, eu nunca passaria por aqui. Nunca se sabe se vai cair com um incidente natural desses. Eu só passo correndo com medo de cair uma pedra ou algo assim”. Para o coordenador técnico do Iphan, Raphael Gama Pestana, os prejuízos com os danos causados aos prédios históricos são, além de estruturais, também sociais. “Para além da perda material, cada vez que nosso patrimônio cultural é demolido, descaracterizado ou mutilado, é como se apagassem uma página de nossa história. São danos irreversíveis, pois esse patrimônio cultural edificado vai além do seu valor material e estético, ele conserva em si elementos da história de nossa cidade”.