A CURA PELA CANNABIS

Cannabis é usada em tratamentos de crianças com microcefalia no Maranhão

O uso do canabidiol, óleo extraído da Cannabis sativa, conhecida popularmente como maconha, tem recuperado crianças com microcefalia atendidas na Casa de Apoio Ninar

Muitos pais e mães de crianças atingidas pelo vírus cognitivo do Zika vírus (microcefalia) no Maranhão têm depositado suas esperanças em um novo medicamento que vem dando resultados surpreendentes e sem nenhum efeito colateral, que alguns ainda sofrerão por conta de um tratamento anterior à base de fortes medicamentos. Bejamin, de 2 anos, é uma dessas crianças que passaram a usar o canabidiol (CBD), óleo extraído da planta Cannabis sativa (maconha), há sete meses, o qual teve resultados positivos no desenvolvimento do seu sistema neurológico.

O pai de Bejamin, o produtor cultural Dayyan Moreira Batista Brandão, fala com entusiasmo que tem depositado sua esperança na recuperação do filho, principalmente depois que ele passou a usar o CBD. “Além dos efeitos serem mínimos, a eficácia do canabidiol é muito maior que os outros medicamentos. O Bejamin passou por todos esses remédios, e não fez o efeito pretendido. Na verdade, os medicamentos não conseguiram controlar as crises da forma que a neuropediatra esperava.”

O paciente que utiliza tratamento à base de canabidiol assina um termo de consentimento onde conste que optou pelo tratamento com o CBD, embora tenha sido informado de outros tratamentos. É desta forma que o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem feito a avaliação da segurança sobre os efeitos colaterais do medicamento. O órgão também conta com os relatórios que os médicos enviam ao Conselho.

Pela avaliação do pai de Bajamim, que passou pelos dois tratamentos, não há dúvida de que os efeitos colaterais do CBD são menos devastadores que dos outros medicamentos, além dos excelentes resultados. “Infelizmente, como a crise dessas crianças que têm a síndrome do vírus cognitivo do Zika vírus é de difícil controle, o Bejamim passou por vários outros medicamentos como Keppra, Trileptal, Topiramato e Gardenal, que é o único que ele continua usando, juntamente com o canabidiol, único que até agora apresentou resultados”.

Dayyan espera retirar também o Gardenal do tratamento do seu filho, deixando somente o canabidiol. “Porque os efeitos colaterais do canabidiol são somente sonolência e fome. São mínimos em comparação aos medicamentos que eu mencionei e que têm efeitos colaterais devastadores para o desenvolvimento dessas crianças. Efeitos colaterais que vão atingir o fígado, os pâncreas, os rins quando estiverem com 10, 15 anos.”

Resultado rápido com o uso da Cannabis

A mesma esperança tem alimentado a professora Ana Arruda Santos, de 26 anos, mãe de J.G.A.N, de 1 ano e 7 sete meses, que tem o mesmo diagnóstico de Bejamin. O filho de Ana começou o tratamento com o CBD há cerca de dois meses, e ela já está vendo os resultados por meio dos exames de eletroencefalograma. “Agente ainda não percebe a olho nu, mas o exame de eletroencefalograma tem mostrado resultados positivos. Isso, de certa forma, amima a gente”, explica Ana, que tem somente um receio: “…A gente fica preocupado, pois é um tratamento que de repente pode acabar, ou se tornar muito caro, por conta da legislação brasileira. A qualquer momento, um órgão destes pode impedir o recebimento do canabidiol e vamos ter que importá-lo, pois o custo sairia alto”.

Os filhos de Dayyan Moreira Batista Brandão e Ana Arruda Santos são atendidos pelo Projeto Casa de Apoio Ninar, do governo do estado, que amplia o atendimento realizado no Centro de Referência em Neurodesenvolvimento, Assistência e Reabilitação de Crianças (Ninar), em todo o estado. A parceria com a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), sediada em João Pessoa (PE), que em novembro de 2017 teve autorização da Justiça Federal para cultivar e manipular a Cannabis sativa, foi a única maneira pela qual a Casa de Apoio Ninar pôde trazer o tratamento com o uso do CBD para as crianças com microcefalia no estado do Maranhão. Senão, teria que importá-lo, o que ficaria danoso para os cofres públicos, como lembrou a professora Ana Arruda, mãe de J.G.A.N.

A Abrace, única associação com esse direito no Brasil, distribui hoje extrato para cerca de 600 pacientes em todo o Brasil. Demanda que cresce em todos os novos tratamentos com canabidiol para doenças como Parkinson, epilepsia, esquizofrenia, câncer cerebral, paralisia cerebral, hidrocefalia, convulsões, ansiedade, Estresse, Tumores, Metástases, entre outras.

Aprovação da Anvisa e do CFM

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, em 2015, por unanimidade, a reclassificação do canabidiol (CBD) como medicamento de uso controlado e não mais como substância proibida. O entendimento dos diretores foi fundamentado nas indicações técnicas de que a substância, isoladamente, não está associada a evidências de dependência, ao mesmo tempo em que diversos estudos científicos recentes têm apontado para possibilidade de uso terapêutico do CBD.

Os diretores ressaltaram que a reclassificação abre caminho para que as famílias que fazem uso do canabidiol não continuem a agir na ilegalidade, além da possibilidade para mais pesquisas. Para o diretor-presidente da Anvisa, Jaime Oliveira, a decisão foi importante porque coloca em discussão técnica/científica um assunto que pode ser influenciado por outras questões da sociedade. “Ficou esclarecido na reunião que esse assunto não pode ser extrapolado para outras discussões que existem sobre o uso da Cannabis”, disse na época.

O presidente do Conselho de Medicina do Maranhão, Abdon Murad, que também é membro do Conselho Federal de Medicina (CFM), falou que o uso do canabidiol foi aprovado para uso somente medicinal, alertando a sociedade sobre quais profissionais da área da saúde podem prescrevê-lo. “Nós aprovamos lá no CFM uma resolução, destacando tudo que tem de importante do canabidiol, com o apoio do Conselho Federal e também de todas as Regionais. O canabidiol é uma partícula apenas, não se extrai da folha, tem que ter um tratamento químico para fazer isso. E a partir daí, é usado em crianças e adolescentes que têm convulsão”, confirmou o médico, ressaltando um detalhe: “…apenas psiquiatras e neurologistas podem prescrever seu uso. Essa é a recomendação do Conselho Federal”, alerta o Dr. Abdon Murad.

Efeitos colaterais do uso da Cannabis, segundo a psicologia

Quanto a uma possível dependência ou surto psicótico do uso dos extratos da Cannabis sativa, como o THC, o psicólogo e ex-professor do Ceuma (MA), Sandro Rodrigues, que é doutor em Psicologia com tese publicada sobre o ‘Uso de Psicoativos na Saúde Mental’, alerta os novos psicólogos e psiquiatras e o próprio Conselho de Psicologia para uma nova compreensão e desafio no tratamento destes pacientes usuários de psicoativos. “A psicologia está deixando de lado um campo que deveria lhe interessar profundamente, que é a experiência subjetiva dos usuários de psicodélicos, inclusive, da maconha. Afinal, a preocupação da pureza do CBD advém, sobretudo, do medo das possíveis consequências psicológicas da ingestão do THC. Será que meu filho vai ficar ‘doidão’? Será que ele vai ficar viciado? Será que esse uso não vai desencadear em uma crise psicótica? São medos advindos da compreensão dos fatos psicológicos e ambientais na determinação da qualidade da experiência dos usuários de psicodélicos”, explica.

Sandro é membro da Associação Psicodélica do Brasil (APB) e está trabalhando atualmente na elaboração de dois artigos, um sobre os “Efeitos da música em estado de transe, experimentado nos rituais do Santo Daime”, e o segundo, em parceria com o psicólogo Fernando Bezerra e o advogado Emílio Figueiredo, sobre “Psicodélicos e Liberdade Cognitiva”, este último impulsionado pelo posicionamento oficial do Conselho Federal de Psicologia a respeito do assunto.

Para ele, os psicólogos que se voltam para o exercício da transformação social, para o questionamento das injustiças, pela defesa da autonomia e cidadania, acabam restringindo a sua relação com os psicofármacos à denúncia da medicalização dos tratamentos.

“Os profissionais de psicologia precisam se qualificar para o acompanhamento de usuários de psicodélicos, pois é isso que a gente está buscando, com esses artigos. Este é o debate que a gente está querendo fomentar com uma postura coerente com esta histórica de Defesa dos Direitos Humanos. Mais é preciso ainda que o Conselho Federal de Psicologia se posicione em defesa ao direito a uma gestão autônoma de psicodélicos”, acrescenta.

A APB não é formada somente por psicólogos, mas advogados e demais profissionais que vêm chamando a atenção dos Conselhos, pois muitos profissionais da psicologia estão se formando e estudando esta perspectiva que, segundo Sandro, “seja a mais avançada do que a perspectiva hegemônica da indústria farmacêutica e da psicofarmacologia”, finaliza.

Direitos ao cultivo da Cannabis

“No Brasil, há uma demanda social pelo uso da Cannabis como ferramenta terapêutica desde 2014. Com uma organização cada vez maior e mais sofisticada. A Anvisa desde 2015 reconhece o uso de substâncias obtidas da Cannabis em prol da saúde, tanto o THC, quanto CBD, para tanto ela edita resoluções regulamentando os procedimentos”, explica Emílio Figueiredo, advogado da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Droga, que vem defendendo desde 2015, em todo o Brasil, o plantio para uso medicinal às associações e famílias com pacientes que usam o CBD em seu tratamento. “Mais recentemente, há uma demanda pelo cultivo de Cannabis para preparo do óleo (CBD). Várias famílias e pessoas hoje no Brasil têm o salvo-conduto para cultivar em casa. E há, em João Pessoa, uma associação autorizada pela Justiça a cultivar a Cannabis e preparar o óleo para seus associados (Abrace).”

Emílio Figueiredo foi autor da tese jurídica usada pela Abrace para ter o direito de cultivar a Cannabis sativa e fornecer o canabidiol a seus associados. A questão é que o Brasil não pode produzir, porque não é permitido cultivar a planta. “Ainda não há previsão na legislação brasileira para produção. O que há é o reconhecimento do Judiciário do direito de pessoas e famílias cultivarem para uso terapêutico”, questiona Figueiredo, que disse que o Brasil ainda precisa definir sobre a política de droga que vai adotar no país.

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