MUDANÇA DE VIDA

A difícil batalha contra a dependência química

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde através do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS AD), em 2017, foram mais de 9 mil atendimentos realizados, sendo que em média 30% dos usuários concluem o tratamento

Foto: Reprodução

Entrar no submundo das drogas não é uma escolha totalmente voluntária para muitos. Às vezes, essa escolha está vinculada a uma série de fatores sociais que praticamente empurram algumas pessoas para um caminho que parece sem retorno, porque muitas vezes realmente é.

Deixar essa via é ainda mais difícil. Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde através do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS AD), em 2017, foram mais de 9 mil atendimentos realizados, sendo que em média 30% dos usuários concluem o tratamento.

Superar as próprias fraquezas, lutar contra o vício e retornar à sociedade como alguém que um dia foi olhado com desprezo e agora está recomeçando a viver é um passo difícil, principalmente para quem já se acostumou ficar de cabeça baixa, fora da realidade, virando noites e amanhecendo o dia sem ter noção do próprio nome. Acreditar que a vida pode ser mais do que o prazer momentâneo que drogas como o crack ou cocaína oferecem é o que motiva lutadores que decidiram batalhar pela própria vida.

Pela força de uma mãe

Patrícia Soares. (Foto: Honório Moreira)

Foram vinte anos perdida entre o que era dia e noite, trancada no quarto, longe de todos e tendo como companhia apenas o crack. Foi assim que Patrícia Soares, de 41 anos, viveu durante muito tempo sem pensar que poderia ter outra vida.

Desde jovem, com apenas 17 anos o álcool foi a porta de entrada para as drogas. Daí para frente, a vida dela e da sua família nunca mais seriam as mesmas. “Eu comecei com o álcool, experimentei maconha, e depois fui só aumentando a intensidade. Fui para cocaína, merla até chegar no crack, onde realmente tudo começou a desandar”.

Lutando contra tudo e contra todos, Patrícia lembra que por muitas vezes foi agressiva para se afastar e se isolar, fazendo os que mais queriam seu bem sofrer bastante apenas para manter a existência da vida que a agradava. “Quem mais sofreu com o meu vício foi minha mãe e minha filha, que vivenciaram muito de perto. Eu passei por várias internações, mas a recuperação é para quem quer. E enquanto eu não queria ajuda, ficava dentro de casa do mesmo jeito. Minha mãe tinha muito medo que eu fosse pararua e lutou muito comigo, e eu ia aceitando outras internações, mas apenas para amenizar a situação em casa. Ela chegou a me mandar para outros estado para fazer tratamento. Minha mãe foi uma guerreira indo e voltando”.

Sem dia e sem hora, todo momento era propício para o uso do crack e a compulsão quase destruiu tudo que Patrícia era. Até o momento que ela conheceu o CAPS AD e novas metas de vida começaram a aparecer. “Eu vim para cá e tive nas oficinas a força para conseguir superar. Já tem seis anos que me encontro limpa e ao fim do tratamento fui convidada para trabalhar aqui, ensinando para outros o que aprendi”.

Depois de tantas mudanças, Patrícia viu há oito meses sua mãe partir. E com lágrimas no rosto, relembrou o que sentiu ao vê-la com semblante de tranquilidade ao se despedir pela última vez. “Minha família e eu própria pensei que fosse recair, mas não era isso que minha mãe queria, e quando a olhei no caixão, a serenidade dela me fez sentir que ela foi, mas deixou um legado para mim. Ela cumpriu o dever aqui”.

Da assistência à reanimação

Marcelo Rocha. (Foto: Honório Moreira)

Ter como finalidade garantir o tratamento assim como a reinserção social dos pacientes é o que direciona o CAPS AD, segundo o diretor da instituição, Marcelo Costa. De acordo com ele, o tratamento, que é elaborado através de um Programa de Terapêutico Individual que atende cada paciente de forma diferenciada, tem resultados expressivos na recuperação dos usuários. “Dentro do Caps, os pacientes passam por diversas atividades que vão desde oficinas terapêuticas até o acompanhamento psicológico e médico. Muitos deles estão entre a faixa de 20 e 40 anos e, pelo tempo de uso de drogas, tiveram deficiências a nível cognitivo, não conseguiram aprender uma profissão, o que pode dificultar sua reinserção no mercado de trabalho. Por isso, temos parcerias com Sesc, Senac, Sesi, entre outras entidades que são responsáveis pela capacitação e recolocação no mercado.

Segundo Marcelo, qualquer pessoa pode vencer o vício das drogas e voltar à sociedade, mas, para isso, ela precisa de oportunidades e confiança que só as pessoas podem dar. “A gente entende que não é só fazer a pessoa parar de usar droga, porque o tratamento ajuda, mas, se ela não tiver uma ocupação que melhore sua autoestima e a dê uma renda, ela retornará ao mesmo problema, talvez pior. A sociedade pode aumentar o índice de recuperados dando oportunidade a essas pessoas. Não discriminando, não estigmatizando, mas entendendo que esta pessoa está doente e precisa de ajuda, ela é muito mais vulnerável que nós que estamos do outro lado”.

Pela força de um filho

Cristian Montenegro. (Foto: Honório Moreira)

Criar um filho sozinho não é fácil, especialmente se você está se afundando cada vez mais em um vício. O motorista Christian Montenegro viveu isso em Manaus, cidade onde mora com o filho de 10 anos que ele cuida desde os 2. Ele já estava sem perspectivas quando o chefe da empresa onde trabalhava o propôs dar a si mesmo uma oportunidade e indicou a Fraternidade O caminho para realizar o tratamento.

“Eu estava me afogando em uma vida de álcool e cocaína. Eu passava a noite inteira utilizando e de manhã sem dormir já ia trabalhar. Não via mais o meu filho e estava perdendo o crescimento dele. O único momento que passávamos juntos ele estava dormindo, foi então que por ele decidi mudar de vida”, conta Christian.

Ele chegou à casa decidido a passar apenas seis meses, mas, depois de passado esse tempo e com 12 quilos a mais, ele olhou para o que vivia e percebeu quanto tempo tinha perdido. “Foram 25 anos que eu não vivi direito, que eu estava vivendo só para mim. Ainda tenho medo de como vai ser quando eu sair daqui, como vou lidar com o mundo lá fora. Mas tenho certeza que a vida que quero hoje é outra, vou fazer por onde merecer o respeito do meu filho”.

Para Christian, o milagre que aconteceu em sua vida pode acontecer na de qualquer pessoa, basta ter força de vontade e querer mudar. “Deus nunca desiste de você. As pessoas que estão ao seu lado também não, elas só não suportam ver você se acabando e às vezes se afastam. Mas a mudança existe no momento que se aceita mudar”.

Da fé à nova vida

Frei Samuel. (Foto: Honório Moreira)

A fé pode mover montanhas, e através dela muitas pessoas conseguem deixar o passado para trás e almejar um futuro totalmente diferente. Na casa de apoio do movimento da igreja católica Fraternidade O Caminho, esse percurso é trilhado pouco a pouco seguindo três pilares essenciais: a oração, a disciplina e o trabalho.

O responsável pela casa, Frei Samuel Servo de Jesus, conta que os filhos, como são chamados os que estão em tratamento, passam nove meses onde são vividas experiências de oração e formação sem uso de medicamentos e que promovem a mudança exterior e interior. “Depois que eles entram na casa, por dois meses ficam sem o contado da família, para sentirem o valor da família, que pela droga ficaram nessa ausência e aqui sentem a dor inversa, que chamamos de luto, a dor de deixar a família. Quando ocorre o encontro, é muito forte. Temos por exemplo o caso de um senhor que tem uma filha de dezoito anos que o viu sóbrio pela primeira vez nessa visita”.

Além das atividades desenvolvidas na casa, o Frei Samuel diz que a mudança humana e espiritual são trabalhadas através do entendimento dos pacientes sobre o que viviam. “Apesar de sermos uma comunidade religiosa, não temos um falso engano que só rezando que vai se curar. Então, durante o tratamento, trabalhamos além da área espiritual, trabalhamos a humana com reeducação, fazendo que conheçam as substâncias, os males causados ao organismo, tudo isso através de formações. Isso traz a eles conhecimento da própria doença que têm, e como se manter fora dela”.

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