Maranhão registra 24 estupros por mês
O ano de 2017 teve quase um caso de crime sexual por dia no Maranhão. Os números preocupam a sociedade, especialmente as mulheres, que são, em geral, as maiores vítimas
A violência sexual é o exemplo claro de que o ser humano pode agir de maneira instintiva e animalesca apenas para satisfazer desejos obscuros. Esses tipos de crimes já existem desde os tempos mais primitivos da humanidade, mas ao longo da história isso foi se moldando e envolvendo uma série de fatores sociais que contrastam com a suposta ideia de evolução da humanidade.
No Maranhão, esses tipos de violência têm ficado em evidência nos últimos anos, e a tolerância da sociedade para criminosos que as praticam está cada vez menor. A violência doméstica, os estupros e assédios, a pornografia de vingança e abusos infantis que muitas mulheres e crianças sofreram eram formas de violência que estavam enraizadas no cotidiano e que, após crimes que geraram comoção social, foram saindo da obscuridade e tornando-se cada vez mais públicas.
Casos como do estupro seguido do assassinato da publicitária Mariana Costa pelo ex-cunhado, ou da menina de 10 anos Alanna Ludmila, que sofreu o mesmo destino nas mãos do ex-padastro, e mais recentemente a prisão de Darenilson Alves Freitas, de 33 anos, por manter relacionamento com uma criança de 12, são exemplos da capacidade do ser humano em praticar os piores atos por razões que por vezes se desconhece.
Números preocupantes
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA), por meio da Coordenadoria das Delegacias de Atendimento e Enfretamento à Violência contra a Mulher (Codevim) e Delegacia Especial da Mulher (DEM), no ano de 2017, foram registrados 250 casos de estupro e 41 tentativas em todo o Maranhão.
No ano passado, na DEM de São Luís, foram abertos 59 inquéritos de estupro, e estupro de vulnerável, que são os casos de atos sexuais com pessoas abaixo de 14 anos. Já em 2018, três inquéritos foram abertos até o momento de casos dessa natureza.
A reação maior de pessoas que sofrem violência sexual e não se calam contrasta com o aparecimento de mais criminosos que praticam esse crime, o que acaba gerando medo e sensação de insegurança, especialmente para quem já viveu momentos de terror.
As ações para tentar inibir o aumento de casos, como o funcionamento da Casa da Mulher Brasileira, atendendo casos de violência doméstica, estupros, entre outros crimes, assim como a Patrulha da Mulher, programa coordenado pela Polícia Militar e que garante o cumprimento de ações como medidas protetivas, acompanhamento, encaminhamento, visitação e acolhimento da mulher, têm se mostrado efetivas em casos que já aconteceram. Mas ainda paira na mente de muitas pessoas a dúvida de por que crimes de natureza sexual acontecem de maneira tão frequente na sociedade, e principalmente o que passa na cabeça das pessoas que os praticam.
Nas profundezas da mente humana
Entender o que motiva qualquer tipo de abuso sexual é uma tarefa difícil até mesmo para quem estuda a fundo as particularidades dos seres humanos. O psiquiatra Ruy Palhano explica que as pessoas que praticam crimes de natureza sexual sofrem de distúrbios de personalidade e estão incluídos no grupo de transtornos sexuais. “As pessoas que praticam esses crimes são enquadradas no grupo chamado transtornos sexuais, identificado pela manifestação da sexualidade como fator preponderante. Se reconhece que existem práticas sexuais que são absolutamente normais, não ferem a ética ou moralidade. Nesses casos, no entanto, se ultrapassa a fronteira ética onde não existe o prazer e, sim, o distúrbio dessa esfera, resultando na dor e sofrimento para alguém”.
O especialista destaca que, em geral, estupradores, pedófilos e outras pessoas que cometem crimes dessa natureza não sentem arrependimento por seus atos e podem ser comparados a psicopatas. “Em geral, essas pessoas são destituídas do senso de arrependimento, tanto é que são reincidentes. Porque elas geralmente não possuem o senso crítico de compaixão, de dó, ou remorso. Quando você faz algo de errado e a consciência condena, não fará isso novamente. Essas pessoas, no entanto, repetem o ato dezenas de vezes. Na psiquiatria, existem 10 distúrbios de personalidade, entre esses, está o psicopático, que pode cometer as piores atrocidades sem rancor, e você encontra muitos estupradores com essas características, além do distúrbio da sexualidade”.
Apontar o desenvolvimento desses distúrbios psiquiátricos em pessoas é muito difícil, especialmente, por conta da subjetividade que cada ser humano possui lidando de formas diferentes com cada situação. Ruy Palhano explica que indícios de transtornos como estes podem estar mais aparentes em determinado momento da vida. “Os primeiros indícios desse distúrbio, em geral, aparecem na adolescência, e se materializa na vida adulta. Então, de 12 até 18, você pode ter manifestações, já se percebe alguma coisa estranha naquele sujeito. Quando esses distúrbios acontecem até os 18 anos, chama-se transtorno de conduta, após essa idade, na vida adulta, é transtorno de comportamento”.
Punição relevante
As penas de restrição de liberdade para criminosos que praticam crimes de natureza sexual retiram essas pessoas do convívio social, porém não são totalmente eficazes na efetividade da resolução dos problemas que contornam as vidas delas, na opinião de Ruy Palhano.
“Eu, pessoalmente, como psiquiatra com formação humanística, acho que deveriam existir penas alternativas para diferentes crimes, e não universalizar punição para todos. Nesses casos, o mais correto seria ter um acompanhamento psiquiátrico, coisa que não tem no sistema prisional, que conta apenas com psicólogos. As pessoas que cometem esse crime sofrem necessariamente de uma doença mental, só que essa doença não impede que eles tenham consciência dos seus atos”.
Para o psiquiatra, o sentimento de impunidade vivenciado por muitos criminosos também influi fortemente na continuidade de seus atos. “Esse senso de impunidade colabora muito para fomentar a criminalidade, em todos os sentidos. Então, se essas pessoas soubessem que seriam punidos exemplarmente pelo seu crime, a falta desse sentimento de punibilidade acabaria colaborando para que se tivesse um controle social”.
Crimes de conotação sexual, mas que representavam menor ofensividade, hoje são punidos de forma mais rigorosa no intuito de tentar cortar o mal pela raiz. É o exemplo do atentado violento ao pudor que, segundo a SSP, teve a Lei 12.015, de 2009, revogando o artigo 214 do Código Penal – que tipificava o crime de atentado violento ao pudor – sendo este inserido às descrições legais do crime de estupro. Ou seja, houve a ampliação da abrangência do crime de estupro, de modo a inserir em suas condicionantes o antigo crime de atentado violento ao pudor.