407 anos

Saiba como foi a fundação e colonização de São Luís

O Imparcial conversou com a professora e historiadora Júlia Pereira que contou um pouco mais da história do início da cidade

Reprodução

São Luís é a única cidade brasileira fundada por franceses, no dia 8 de setembro de 1612. E hoje, completa seus 407 anos de muitas mudanças e reflexões.

 A professora e historiadora Júlia Camêlo contou um pouco sobre a fundação, invasão e colonização de São Luís:

 Como era São Luís antes da exploração estrangeira? Como o território era chamado?

 Segundo Claude d’Abbeville, os franceses, no dia 26 de julho, chegaram ao Maranhão e aportaram numa ilha denominada pelos índios de Upaon-mirim, que, na língua indígena, quer dizer “ilha pequena”. A ilha de Upaon-mirim não era o ponto final da jornada, lugar desabitado e localizado a cerca de doze léguas da Ilha Grande ou Upaon-Açu, como os aborígines chamavam a atual, ilha de São Luís. O senhor Daniel de La Touche enviou uma expedição à ilha Grande sob o comando do senhor Des Vaux, para averiguar como seriam recebidos pelos nativos. Segundo Claude d’Abbeville, a recepção foi acolhedora, pois já havia contatos anteriores com os nativos.

A expedição teria partido para a Ilha Grande, onde foi festivamente recebido, não só pelos nativos, mas também por alguns náufragos franceses que viviam na ilha, entre os quais o capitão Gérard e o compatriota Du Manoir, responsável pela recepção grandiosa aos seus patrícios.

Segundo Ximendes, (2013), a obra de D’Abbeville, é de grande importância para conhecermos os primeiros passos da expedição francesa comandada por Daniel de La Touche em terras do Maranhão, pois até 1612 as ações dos gauleses não tinham esse caráter oficial. O padre relata o momento em que a expedição chegou a Upaon-Açu, a celebração da primeira missa nesta terra, em 12 de agosto de 1612, rezada pelos padres capuchinhos e, em seguida, a busca de um local para a construção de um forte. Vários aspectos foram analisados antes que tal decisão fosse tomada.

A fundação de São Luís dependendo da historiografia é permeada por polêmicas. Dá para garantir que a cidade foi realmente fundada pelos franceses? O período em que os franceses estiveram na capital pode ser atribuído a eles como fundação? O que é consenso entre os historiadores?

“A fundação francesa de São Luís” foi aceita pelos historiadores, poder público e população de modo geral por todo o século XX sem grandes contestações, até que, em 2001, a historiadora Maria de Lourdes Lauande Lacroix lançou a obra “A fundação francesa de São Luís e seus mitos” que lançou outro olhar sobre o fato e causou debate no meio acadêmico e literário maranhense, O livro de Lacroix não defende a fundação francesa de São Luís, afirmando, também, que a ideologia da singularidade, ou seja, a ideia de que São Luís é a única cidade francesa fundada no Brasil, foi criada num momento de decadência econômica e literária no Maranhão (começo do século XX), como uma forma de conferir à cidade um destaque no cenário nacional.

Para Lacroix, a fundação de uma cidade não está restrita à celebração de uma missa ou à realização de uma procissão, como aconteceu em 8 de setembro de 1612. Esses fatos estão mais associados à expansão do cristianismo e à implantação da obra dos capuchinhos no Maranhão.

Para a autora, os acontecimentos do mês de outubro de 1612, como desfiles de franceses e nativos com estandartes para depositar armas ao pé da cruz, representaram uma cerimônia de posse do domínio dos Bourbon nestas terras, e não a fundação da cidade. O levantamento bibliográfico feito pela autora analisa as obras de Bernardo Pereira de Berredo, João Francisco Lisboa e Raimundo José de Sousa Gaioso, dentre outros autores, mostra que estes consideravam os franceses como invasores, e não fundadores. As argumentações da professora Lacroix, para a academia têm se configurado consistentes, e por isso mais aceitas.

Qual a importância da passagem dos franceses pela capital? O que os trouxeram até aqui?

A construção de um imaginário sobre a fundação francesa deu argumentos para a inserção do Maranhão no cenário nacional, durante o século XX, perante os demais estados brasileiros. Ela fundamentou e sustentou um discurso de singularidade importante para a identidade maranhense. Neste aspecto foi importante. Porque em termos matérias ou culturais, dos franceses que vieram no século XVII temos o relato de D’Abbeville. Não ficaram edificações nem influências culturais. Os franceses alardeavam que sua presença nos trópicos era para trazer civilização e expandir a religião protestante, mas também visavam o comércio e o lucro.

Quais as contribuições deixadas pelos franceses?

Como já apontei não conheço outros elementos materiais, ou ideológicos, além do relato de D’Abbeville e da Fundação Francesa.

A invasão holandesa que expulsou os franceses se deu em que período histórico? Teve influências políticas, econômicas?

A expulsão dos franceses segundo a historiografia aconteceu pela ação dos portugueses e colonos, em 1614, que já habitavam a costa brasileira. Os holandeses chegaram depois, em 1641.

O governador-geral do Brasil, Gaspar de Sousa, que governou de 1612 a 1617, trouxe consigo a ordem para expulsar os franceses. Disso encarregou Jerônimo de Albuquerque, colono da capitania de Pernambuco, cujo sucesso não se configurou na primeira tentativa (1613), uma vez que os reforços necessários para prosseguir sua jornada não chegaram.

A segunda tentativa não chegou a ultrapassar os limites do Ceará. Porém, na terceira expedição, o comando foi dividido entre o mameluco Jerônimo de Albuquerque e o português Diogo de Campos Moreno, capitão-mor do estado do Brasil.

A decisão de Gaspar de Sousa de dividir o comando da expedição trouxe alguns problemas no transcorrer da jornada, uma vez que o oficial português Diogo de Campos Moreno estava sujeito às ordens do mameluco. A professora Maria de Lourdes Lauande Lacroix observa na sua obra Jerônimo de Albuquerque Maranhão: guerra e fundação no Brasil, que o relacionamento entre os dois comandantes não era dos melhores.

Apesar das divergências entre os comandantes, a expedição foi vitoriosa sobre os franceses, tendo como marco a batalha de Guaxenduba, em 19 de novembro de 1614. Tal vitória ocorreu apesar da inferioridade dos portugueses em armas, soldados e munição, fato que ficou conhecido como um milagre. Essa derrota marcou o começou do fim do sonho francês de construir uma colônia em terras portuguesas na América.

Muito intrigou os pesquisadores que buscaram explicações suficientemente aceitáveis para a entrega da colônia aos portugueses sem maiores lutas, visto que os franceses dispunham de mais recursos. No contexto maranhense a formas europeias de guerra utilizadas pelos franceses, tornou-se menos eficiente tendo em vista a tática da “guerra do Brasil” de Jeronimo de Albuquerque e seus comandados. Mais adaptada à realidade da região.

Quais as implicações da invasão holandesa?

Quando aconteceu a tomada do Maranhão pelos holandeses, o governador era Bento Maciel Parente (1638/1641).

Até o presente as pesquisas indicam que os holandeses não tiveram muitas dificuldades para conquistar o Estado do Maranhão e Grão-Pará e estabelecerem como centro de suas operações a cidade de São Luís. Os holandeses teriam praticado atos violentos contra os moradores, a ponto dos donos de engenho, às margens do rio Itapecuru, trabalharam praticamente, como escravos nos seus próprios domínios, pois exigiram dos donos de engenho cotas de arrobas de açúcar.

Quando os flamengos chegaram ao Maranhão, encontraram, segundo Bernardo Pereira de Berredo, cinco engenhos, todos movidos por tração animal, pois nenhum era do tipo real, ou seja, movido por força hidráulica.

A invasão dos holandeses implicou em mais uma mobilização dos colonos para a expulsão dos chamados invasores, e em fortalecimento das lideranças locais com relação a Coroa Portuguesa.

Quando se deu de fato a colonização portuguesa? Como eles se estabeleceram e se consolidaram no território local?

Expulsos os franceses do Maranhão, o capitão-mor que também participou da empleitada Jerônimo de Albuquerque que adotou o sobrenome “Maranhão” governou por dois anos, de 1616 a 1618, e teve como finalidade principal assegurar a posse da terra, não permitindo investidas estrangeiras e, para isso, enviou expedições ao interior do Estado, além de reiniciar a estruturação urbana da cidade. Ainda como parte de suas ações podemos citar a mudança do nome do forte, que fora erigido pelos franceses, antes forte São Luís, que passou a se chamar São Filipe.

O sucessor de Jerônimo de Albuquerque foi seu filho, Antônio Albuquerque. Mas, devido às disputas políticas, acabou sendo substituído por Diogo Costa Machado, que governou o Maranhão de 1619 a 1622. No seu governo, Machado, investiu na transformação do Estado para que deixasse de ser somente um posto militar avançado, visando à formação de um povoado. Com a chegada de 200 casais vindos dos Açores, trazidos por Jorge Lemos Betancor, esse projeto começou a ser implantado. É importante ressaltar que entre esses colonos veio Simão Estácio da Silveira, que alguns anos mais tarde escreveria uma obra intitulada “Relação sumária das cousas do Maranhão,” publicada, pela primeira vez, em 1624, em Lisboa. Esse trabalho descreve as riquezas da fauna e da flora do Maranhão, bem como as facilidades que a terra oferecia para aqueles que nela viessem morar.

Autores como Jerônimo Viveiros afirmam que a obra de Silveira era apenas propaganda para atrair imigrantes pobres do reino português. Com a chegada desses colonos e a criação da Câmara de São Luís, a cidade ganhou organização civil.

A Câmara foi instituída para resolver os problemas internos do dia-a-dia da Vila. A partir dai a ocupação do território foi estabelecido com incursões pelos rios e distribuição de terras aos colonos. Porém só no final do século XVII e começo do XIX, a produção de algodão impulsionando o comércio a cidade teve seu apogeu econômico e pode construir os casarões de azulejo e usufruir da cultura europeia. A elite mandava sues filhos para estudar na Europa e vestia-se à moda francesa.

Como São Luís passou a ser Atenas Brasileira? Isso se deu pelas influências culturais dos portugueses?

Segundo Borralho, a primeira geração ou “grupo maranhense”, que atuavam na Corte, junto ao Imperador do Brasil, com formação na Europa, que deu origem à denominada “Atenas Brasileira”, tinha dois de seus integrantes pertencentes ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB); Gonçalves Dias e João Lisboa. Seria a geração de João Lisboa, que procurou a valorização da cultura nacional e mostrou ao mundo que o Brasil também era independente e tinha uma elite intelectual. O IHGB tinha a função da construção de uma História Nacional. Fundado após a independência, tal instituto, procurou “catalogar, organizar, salvaguardar, recriava ao mesmo tempo o passado de uma nação emergente” que precisava definir e delimitar seu espaço e posição com relação à Europa, assim como seus limites territoriais.

O intuito pretendia fazer como ocorria nos países da Europa. Produzir uma história capaz de enaltecer a glória da pátria. A influência portuguesa acontecia na formação dos intelectuais, mas a atuação esses intelectuais atendia a necessidade de construção da identidade nacional. Já o grupo denominado de “novos atenienses”, retoma a ideia de Atenas para construírem uma identidade singular, no começo da República brasileira.

Quais as contribuições e impactos da colonização portuguesa em São Luís?

A colonização portuguesa consolidou a posse do território, desenvolveu a economia, a política e o comércio, mas também implantou um sistema administrativo que no começo vivenciou práticas, comerciais e administrativa, capazes de forjar entre metrópole e colonos uma forma de ser e fazer específica, particular um jeito de dialogar, na qual observamos moedas de troca como, as mercês, recebidas como recompensas aos serviços prestados a Coroa. Uma colonização que construiu um comércio e uma produção capaz de erguer um conjunto arquitetônico, hoje Patrimônio da Humanidade.

O que resistiu das influências estrangeiras na arquitetura e na cultura na São Luís do século XXI?

A arquitetura portuguesa edificou um Patrimônio Cultural que tem hoje, em níveis diferentes de preservação 1.369 imóveis, num perímetro tombado por órgãos estaduais e federal, distribuídos nos bairros do Centro, Praia Grande, Desterro, nas Praças João Lisboa, Carmo, Antônio Lobo/Santo Antônio e São João. O conjunto arquitetônico da cidade de São Luís desde a década de 1940, já havia recebido tombamento de prédios isolados, mas no início em 1974 o IPHAN intensificou esse trabalho. Foram tombados o prédio da Academia Maranhense de Letras, o Sobrado da Avenida D. Pedro II nº 199, e a Fonte do Ribeirão. Depois o Largo do Desterro, Praça Benedito Leite, Praça João Lisboa, e por fim o “conjunto arquitetônico e Paisagístico da cidade de São Luís” com se encontra na atualidade.

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