SÃO LUÍS 404 ANOS

Pregoeiros de São Luís; personagens da cidade

Há que se exaltar os pregoeiros antigos. Além de carregarem seus produtos nas costas, cabeças ou braços, tinham sempre o anúncio no gogó

Na composição Todos Cantam sua Terra (João do Vale) famosa na voz de Alcione, a Marrom, os pregoeiros do Maranhão ficam em evidência. Na música, João do Vale fala de como é a sua terra, exalta as belezas naturais, as frutas nativas e os vendedores das ruas, os pregoeiros e suas formas individuais e características para vender o produto.
Acho bonito até
O jornaleiro a gritar imparcial
Diário
Olha o Globo
Jornal do povo descobriu outro roubo
E os meninos que vendem derrê sol a cantar
Derrê sol derrê ê ê ê ê ê ê sol
Essa figura, antes mais fácil de encontrar nas ruas e vielas da capital, ainda habita no imaginário das pessoas de mais idade, acostumados à cantoria quase diária nas portas de suas casas. No último verso da estrofe acima, “…E os meninos que vendem derrê sol a cantar/Derrê sol derrê ê ê ê ê ê ê sol…” referem-se ao doce, uma espécie de cocada, feito com coco da praia ralado e mel de cana, que era preparado em tacho de cobre. O doce custava, cada camada de 5 tabletes, dez réis. Conforme aponta o livro Pregões de São Luís (Lopes Bogéa e Antonio Vieira, Ed. Funcma, 1999) “O nome derressó é uma corruptela, pelo fato de, na época, custar, um ‘dez-reis só’. Eram vendidos em pequenos baús de flandres, com tampo envidraçada, na mais perfeita higiene. Derres…é…é…só!… Assim era o pregão que ecoava pelas ruas estreitas de São Luís, logo após a hora do almoço, como a oferecer uma boa sobremesa”.
Nos 404 anos de São Luís, O Imparcial vai contar um pouco dos pregoeiros e seus famosos pregões, inesquecíveis para quem viveu o momento. Um breve registro de um passado quase desaparecido. Personagem tradicional de uma São Luís única com sua beleza, diversidade e culinária, o pregoeiro ainda resiste, embora em menor quantidade.
Pregoeiros = vendedores ambulantes que ficaram muito conhecidos em São Luís a partir do século XIX, e que levavam oralmente os anúncios de seus produtos para comprar ou vender, abasteciam os clientes com produtos diversos como: laranja, caranguejo, peixe, mingau de milho, jornal, doce, camarão, juçara, picolé, ouro, garrafa, alumínio, ferro, bugigangas, entre outros produtos. Cada venda era acompanhada de versos quase líricos.
Olha a laranja, dona Arcanja.
É doce que é uma beleza, dona Tereza.
Tem tangerina, dona Felismina.
Laranja de Anajatuba,
Quem não comprar fica com curuba.
Olha a laranja… (Pregões de São Luís, página 17)
De sol a sol
Atualmente esses vendedores ainda existem, claro, muitos precisam ganhar o pão de cada dia, mas não com a mesma criatividade dos que apregoavam as vendas dos seus produtos antigamente, não exatamente pregoeiros. Embora sem os versos, vendedores fazem o que podem para conquistar clientela, seja nas ruas ou nas praias, essa figura vai onde o freguês está.
Na praia ainda vemos os vendedores com seus produtos nos ombros pendurados em armações de pau, mas nas ruas, isso foi substituído por carrinhos de mão e bicicletas. Consequências do crescimento da cidade, do clima, enfim, tradição e modernidade.
No Goiabal encontramos Luciano Roberto Feitosa, 35 anos, vendedor de peixes desde quando era adolescente. Com seu carrinho de mão, ele, morador da Madre Deus, percorre as ruas do bairro e vizinhança todos os dias das sete ao meio-dia. Chama a atenção o modo quase melódico como “vende seu peixe”. “Olha que tem pescada, eita patroa. Tem pescada, fresquinha, naturalll, é qualidade!! Ó peixe aí! É pescada fresquinha, natural, é qualidade”.
Pergunto se ele conhecia os pregoeiros e o que eles faziam. Ele disse já tinha ouvido falar, mas que não se compara com eles. “É interessante né? Acho que chamava bastante atenção. É um negócio que tem que ter coragem. E a gente tem que desenrolar o meio de campo, tem que gritar na rua senão a gente não vende. A freguesia já me conhece e é um comercial bacana”, conta.
Pregoeiros de São Luís
Não só chama a atenção, como torna inesquecível e marca o estilo do vendedor. O vigilante Miguel de Jesus Mendes, 44 anos, pai de 4 filhos, é vendedor de juçara nas horas vagas. Para complementar a renda, há 10 anos ele sobe e desce as ladeiras do Codozinho puxando um carrinho com isopor, suando em bicas, mas com sorriso no rosto. “Juçara, juçara do Maracanã, gente!!! Olha a juçara fresquinha na hora, e eu já vou me embora… juçara, juçara…”.
Nas proximidades da Cohama, todas as tardes, a partir das 14h, o sorveteiro José Genuíno, 42 anos, passa gritando em um ritmo melódico: “Olhaê o sorvete. Sorvete de côcooooo e maracujannnnnn”. E assim vai, subindo e descendo rua até esvaziar a caixa. Disse que o bordão surgiu de repente. “Com muitas casas fechadas, o jeito é gritar para as pessoas saberem que estou passando. E todas quando ouvem já sabem que sou eu”, diz.
Dentre outros vendedores, mais conhecidos na cidade há o vendedor de cuscuz ideal: “Idealllllll, ideallllllll Cuscuz”; e o da pamonha: “Olha a pamonha quentinhaaaaaaaaa, quentinhaaaaaaa”.
Há que se exaltar os pregoeiros antigos. Além de carregarem seus produtos nas costas, cabeças ou braços, tinham sempre o anúncio no gogó. E entre vielas, becos e ladeiras, casas e casarões, lá iam essas pessoas fortes, trabalhadoras e que estão para sempre na memória dos maranhenses.
Objeto de pesquisa
Beatrice Borges, em Pregoeiros: Novo Capítulo na História de São Luís (2014), afirma que os pregoeiros, que tinham esse nome porque gritavam pregões de seus produtos, se espalhavam por toda a cidade, e, com o tempo, ficavam conhecidos das donas de casa, se transformando até em amigos para a vida inteira. “Eram todos homens fortes e dispostos, porque há de se reconhecer que era (e é) um trabalho árduo. Os produtos eram levados nas mãos e, quando muito, em carros de mão, que também dependiam da força humana para chegar até seus clientes”.
Outro pesquisador que fez questão de registrar esse personagem das ruas foi o historiador Antonio Guimarães Oliveira, no livro Pregoeiros & Casarões. “O livro é um verdadeiro registro iconográfico e mostra pregoeiros de São Luís, a exemplo de vendedores de frutas, caranguejos; vendedores, camelôs, políticos, também fatos históricos como eleições, greves; prédios, sobrados, estádios, enfim… um apanhado de tudo que foi relevante para a história de São Luís”, aponta o escritor.
“Olha que tem pescada, eita patroa. Tem pescada, fresquinha, naturalll, é qualidade!! Ó peixe aí! É pescada fresquinha, natural, é qualidade”.
Luciano Roberto Feitosa
“Juçara, juçara do Maracanã, gente!!! Olha a juçara fresquinha na hora, e eu já vou me embora… juçara, juçara…”.
Miguel de Jesus Mendes
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